"Vendo Sonhos": Provocações sociais são necessárias e ilustram a narrativa de Barroso Eus em disco de estreia

"Vendo Sonhos" vai além da música. A potente mensagem do disco de estreia de Barroso Eus encontra apoio também na literatura, na poesia e nas artes cênicas.

Barroso Eus
Foto: Guilherme Delazzari

Em 1955, o escritor João Cabral de Melo Neto criava um marco para a literatura brasileira com seu livro “Morte e Vida Severina”. A obra narra a trajetória de um migrante sertanejo em busca por melhores condições de vida. No livro, são retratados episódios de morte, desespero, miséria e fome, evidenciando especialmente o descaso dos governantes.

Passados cerca de 65 anos, o livro continua servindo de inspiração para artistas como uma das mais reconhecidas provocações sociais já feitas. O cantor, compositor, ator e poeta Barroso se inspirou na obra em questão para dar vida a seu primeiro álbum de estúdio. Vendo Sonhos, lançado no Dia da Consciência Negra (20/11) é um trabalho socialmente consciente, com a capacidade de elucidar questões importantes. Marginalidade, igualdade, preconceitos e amor são alguns dos temas registrados em meio a uma imensidão de discursos.

Mas Vendo Sonhos não é só música. Trata-se de uma potência artística capaz de quebrar paredes, de provocar, de curar e de incomodar. Tudo isso com uma infinidade de referências que passeiam por maracatu, blues, repente, rap, rock, R&B, e hip hop lo-fi.

Capa de "Vendo Sonhos" (Barroso Eus)
Foto: Divulgação

 

Origem e amor

Essa narrativa consciente mostra-se ainda mais aprofundada através da maneira como o álbum dispõe suas 13 faixas. Aliás, Barroso também tem claras influências nas artes cênicas.

O disco é dividido em quatro atos: origem, amor, coragem e sabedoria. Cada um contém uma faixa introdutória, que mescla experimentações sonoras e poesia na voz de diferentes intérpretes. Logo no início, a origem é bem representada pela faixa “The Big Bang Theory e Coisas Mais“, que introduz o álbum de forma dançante e crítica, desqualificando qualquer tipo de preconceito a partir da simples premissa de que viemos todos do mesmo lugar.

Logo depois, a narrativa entra no ato “Amar”, introduzido pela voz da drag queen Layllah Diva Black em uma reflexiva releitura da oração “Pai Nosso”. Neste momento, entram em ação as faixas mais lentas “Fala Comigo Doce Como a Chuva“, um dueto com Sarah Roston, e “Amor Livre” (que, vale citar, até solo de guitarra tem). Encerrando esse capítulo, “Viciei no Remédio” (com participação de Saullo) vem carregada pela energia do soul.

 

Coragem

Na sequência, nos deparamos com o maior fragmento do álbum: “Coragem”. Não à toa, na vida, é o ato que mais nos demanda tempo e esforço. Além da introdução de Ashira, temos “Sonhos“, canção essencialmente instrumental e fluida que nos remete ao nome do álbum e que deságua na também serena “Hoje É Tempo“.

Depois, entramos em uma parte especial do disco. A atmosférica “Infinito Blues“, já divulgada anteriormente como single, conta com a participação de Lone Barroso, mãe do cantor. “Somos Muito Severines“, a próxima faixa, elucida bem a inspiração na obra de João Cabral de Melo Neto. “Eu dei muito trabalho para a morte e, a cada passo que eu dou, me torno mais forte”, diz um dos trechos. Sobre essa referência literária e social, Barroso explicita:

O poema simboliza pra mim esse lugar de retirante de si mesmo que todes somos. O tempo inteiro, nos cobramos em sermos melhores, conquistar objetivos, buscar um estado de paz, viver bem. Eu sigo nesse lugar de querer ser alguém melhor para mim, para o outro, para o mundo.

Logo depois, encerrando o capítulo da “Coragem”, vem a faixa “Não Tenho Medo de Terra“, que também traça paralelos com o personagem migrante sertanejo. Um grande hino, essa canção conta com a volta Sarah Roston ao repertório, somada ao time composto por SóCIRO, Malú Lomando, andô, Béla Bacelar, Jasper Okan, Selma Fernanda, Lage e Tássia Cabanas.

 

Enfim, a sabedoria

Na voz de Lone, o disco se encerra com o ato final: “Sabedoria”. “Os sábios são tolerantes. Promovem a paz humana”, recita em meio a sons da natureza. Trata-se de absorver todos os aprendizados, do entendimento da origem, da busca pelo amor e da criação da coragem, e convertê-los em conhecimento.

Assim, torna-se uma jornada esclarecida, ditada a partir do autoconhecimento e de uma narrativa de assimilação, de dentro para fora. Resumindo essa divisão, Barroso conta:

Esse é um trabalho oferecido para a sociedade revisitar suas questões e se sensibilizar para o que é mais urgente. Quanto mais nos atentarmos à origem das coisas, mais poderemos ser pessoas conscientes e responsáveis. Só assim será possível enxergar o amor como um ímpeto natural da existência, a coragem como impulso para agir com o coração e a sabedoria como nosso único tesouro.