O Brasil é um paraíso em termos de riquezas naturais, ou pelo menos era o que costumava ser quando foi “descoberto” pelos europeus. Temos de tudo: a maior floresta tropical do mundo, uma fauna riquíssima, um ar mais puro… Ainda bem que sabemos valorizar isso, certo?
Bom, desativando o modo “ironia”, a situação não tem sido das melhores, e não é de hoje. Queimadas e exploração inadequada da nossa exuberante natureza preocupam os brasileiros mais sensatos e também o mundo como um todo. Não à toa, a Amazônia ainda é considerada o “pulmão do mundo”, mesmo com todos os desastres que vêm acontecendo.
O lendário Raul Seixas, em 1980, já alertava para essa falta de visão sobre o próprio território. Uma afiada indireta fez-se presente em um de seus maiores (e, infelizmente, mais atemporais) hits: “Aluga-se“. A canção, originalmente lançada como parte do disco Abra-te Sésamo, envelheceu como uma das mais memoráveis de seu repertório.
Abaixo, separamos algumas curiosidades sobre esse grande sucesso. Pode ler com tranquilidade, porque “é tudo free”.
Cláudio Roberto
Raulzito era conhecido por suas canções majoritariamente críticas e provocativas, mas, ao longo de sua carreira, ele sempre contou com a ajuda de outros compositores que ajudaram a dar vida a alguns de seus maiores hits.
Um deles é Cláudio Roberto Andrade de Azevedo, que compartilha com Raul os créditos de “Aluga-se”. Foi um de seus principais parceiros musicais, tendo um disco inteiro escrito em conjunto (O Dia em que a Terra Parou, de 1977). Hoje, aos 68 anos, o compositor está afastado da carreira musical. No entanto, se hoje contemplamos outros sucessos como “Maluco Beleza“, “Rock das ‘Aranha’” e “Cowboy Fora da Lei“, precisamos ser gratos à contribuição de Cláudio Roberto.
O Brasil como um imóvel
A sacada principal da música é diminuir o Brasil a um mero imóvel, que vai ser colocado para aluguel para a alegria dos “gringos”. Elementos como a vista para o mar (o Oceano Atlântico) e o jardim no quintal (a Amazônia) são colocados como atrativos, como se o eu-lírico fosse um corretor de imóveis.
Mas, considerando o termo como um adjetivo, o significado se expande. Na visão de Raul, o Brasil de 1980 estava realmente imóvel. Inserido ainda no contexto da ditadura militar, o país não estava indo para frente, fadado ao regresso social e iluminado apenas pela esperança por dias melhores.
A canção também pode ser associada ao movimento que ficou conhecido como Milagre Econômico, que aproximou os laços entre o Brasil e potências econômicas como os Estados Unidos e países da Europa ao longo dos anos 70. No entanto, o período não durou tanto e acabou revelando uma situação de dependência com esses territórios mais desenvolvidos.
Submissão ao capital estrangeiro
Qualquer semelhança com a atualidade não é à toa. Versos como “vamo embora dar lugar pros gringo entrar” reforçam uma certa ideia de desistência por parte do eu-lírico. Apesar da ironia, entende-se uma percepção de fracasso sobre o Brasil.
Outro tema que permeia toda a narrativa da canção é a submissão do nosso país ao capital estrangeiro. “Aluga-se” ilustra bem essa relação de dependência, relembrando que “o dólar dele paga o nosso mingau”. Essa passividade, mesmo 40 anos depois, ainda é tema de discussões acerca do atual governo.
Deu ruim
Mesmo sendo lançada após os polêmicos “Anos de Chumbo” da ditadura, “Aluga-se” não passou ilesa pelos censores, tendo sua reprodução proibida na época. No entanto, como não foi lançada na época mais forte da censura militar (com a qual sofreram artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque e Geraldo Vandré), o controle sobre sua proibição não se fez tão forte.
“Rock das ‘Aranha’“, outra faixa do Abre-te Sésamo, recebeu o mesmo tratamento. Mas, neste caso, a cesura veio por conta de sua letra sexualmente explícita. A canção chegou a ser liberada para inclusão no álbum, por insistência da gravadora CBS, mas continuou sem poder ser veiculada em rádios e na televisão.
Atemporalidade
Mais do que um dançante rock, Raul fez de sua canção uma poesia das mais memoráveis. Versos curtos e diretos são de fácil reconhecimento e lembrança quando o assunto é a turbulenta economia brasileira.
Não é raro ver analistas políticos e econômicos citando a música em suas obras. Em publicação no Brasil 247, o senador Jean Paul Prates (PT) usou o episódio de uma recente listas de privatizações do atual governo para traçar paralelos com a música. “Lamentavelmente, agora bastaria a Raul Seixas apelar para a triste realidade de que Bolsonaro e sua equipe econômica estão realmente pondo o nosso país à venda”, provoca o autor.
Já na época do governo Temer, a atriz Fernanda Montenegro usou a canção para criticar as decisões do então-prefeito de São Paulo João Dória e do ex-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão.
Mas as comparações vão além. Em artigo publicado em 2012 n’O Estado de S.Paulo, por exemplo, o professor e jornalista Eugênio Bucci traz, ironicamente, a solução de Raul para lidar com locação de horários em emissoras de televisão. Já o Blog do Menon, em texto disponibilizado em 2013, consegue comparar a letra da música ao contexto do futebol brasileiro. Versátil, né?
Versão dos Titãs
“Aluga-se” ganhou diversas covers e homenagens ao longo dos anos, o que reforça ainda mais sua atemporalidade. A mais popular foi a versão dos Titãs, nas vozes de Paulo Miklos e Sérgio Britto. Lançada em 1999, a versão entrou na tracklist do disco As Dez Mais, junto a covers de nomes como Tim Maia, Mamonas Assassinas e Ultraje a Rigor.
Divulgada como single e tendo direito a um clipe próprio, a releitura também ganhou espaço no repertório tocado no MTV ao Vivo e no Luau MTV da banda.
Outras versões
Conterrâneos de Raul, a banda baiana Camisa de Vênus disponibilizou uma cover da canção em seu disco Duplo Sentido (1986). Já no disco-homenagem O Baú do Raul, um compilado lançado em 2015, quando completaram-se 25 anos da morte do cantor, a versão de “Aluga-se” ficou sob a responsabilidade vocal de Digão (Raimundos).
Poucos se arriscaram em fazer algo distante da estética original, já que a canção também é muito caracterizada por seu instrumental rock n’ roll. No entanto, alguns se arriscaram a trazer uma atmosfera mais festiva, como fez o grupo Sambô e o bloco de Carnaval Empolga Às 9.