“Não queremos muros, nós somos pontes. Não queremos fome, nós somos vida. Não queremos armas, nós somos paz. Não queremos ódio, nós somos amor”.
É com essa mensagem — em espanhol — que a atriz Yalitza Aparicio (Roma) ilustra a canção “América Vibra”, novo lançamento do Natiruts em uma parceria histórica com Ziggy Marley que pede com urgência o fim dos muros físicos e estruturais que nos separam enquanto seres humanos.
Tivemos o prazer de bater um papo exclusivo tanto com Ziggy (disponível ao final da matéria) quanto com o líder do Natiruts, Alexandre Carlo, e o brasileiro deixou bem claro que a faixa é um novo capítulo na temática “abordada pela banda desde sua existência”.
Ele revela ainda que a música surgiu em 2019, mas explica o porquê da demora para o lançamento:
Com a chegada da pandemia ficamos impossibilitados de realizar qualquer plano em 2020. As pessoas ao nosso redor que escutaram a canção falavam que ela tinha tudo a ver com o momento. Nós queríamos a colaboração de artistas que dessem legitimidade à letra. Pensamos no Ziggy e na Yalitza e tivemos a colaboração da Sony Brasil e da Sony Latin para estreitar o contato com os artistas. Eles ouviram a canção e adoraram a proposta. Aí foi só gravar.
Com uma das letras mais impactantes e importantes dos últimos tempos, “América Vibra” cobra a responsabilidade de cada um de nós em preservar o nosso planeta — Alexandre destaca que “nesse ritmo de desmatamentos e poluição, capitaneados pela ganância de poucos, o planeta irá reagir”.
“América Vibra”
Mas, no clipe da canção, os artistas imaginam uma América bela e íntegra, bem diferente da que infelizmente vemos na realidade cotidiana. Ainda de acordo com Carlo, a ideia dos músicos é “fazer a nossa parte através das mensagens que a música pode levar às pessoas”, algo que sua banda em específico já faz há muito tempo: “é o nosso papel enquanto artistas, é a nossa contribuição para a sociedade”.
Alexandre comenta ainda sobre o poder da música de mudar as vibrações do mundo, e isso fica evidente pela letra crítica somada ao instrumental que, de fato, vibra. O músico brasileiro deixa bem claro que o conceito de algo good vibes acabou sendo distorcido nos tempos atuais, mas ele ainda o enxerga da maneira tradicional:
A nossa forma de entender ‘good vibes’ vem da ideia original africana que nasce na Etiópia ancestral. É preciso preparar a mente para que o corpo esteja melhor preparado para entender o mundo e enfrentar as adversidades. Esse conceito ‘good vibes’ tomou outros significados ao longo do tempo, alguns até beirando a alienação. Mas cada ser humano tem o seu processo e o importante é sempre estarmos procurando evoluir.
Logo abaixo, você confere nossa entrevista com Ziggy Marley — que além de ser um músico incrível é, também, filho de Bob Marley — e não deixe de curtir “América Vibra” ao final!
Entrevista com Ziggy Marley
TMDQA!: Oi, Ziggy! Tudo certo? Que prazer enorme falar com você. Precisamos falar sobre esse single, é claro, e queria te perguntar inicialmente sobre como foi que surgiu essa colaboração com o Natiruts e a Yalitza.
Ziggy Marley: Fala, cara! Foi ideia do Natiruts. O Natiruts procurou a Sony e nós temos uma conexão, e eu meio que estava procurando fazer algo nessa região, com a música por aí, sabe? Sempre estava na minha mente, mas foi a chance que eu tive de fazer — eu queria uma chance e eu a consegui. Eu fiquei muito feliz deles terem me pedido para fazer.
TMDQA!: Legal! Mas você já os conhecia antes disso, né?
Ziggy: Sim, sim, já conhecia um pouco do trabalho deles.
TMDQA!: Essa canção já começa com uma mensagem mega importante, que é justamente a sua parte da letra. Você fala sobre ser uma testemunha dessa destruição que ocorre no mundo e como você não vai mais deixar isso continuar acontecendo. Essa destruição tem sido muito frequente, em especial em um país como o Brasil. O que você enxerga como solução? O que você acha que nós podemos fazer para lidar com isso?
Ziggy: A gente tem que querer. Essa é a primeira coisa: querer. Será que queremos o suficiente? A motivação, a gente precisa de motivação. Nós não temos motivação o suficiente; até que isso aconteça, aí tudo vai continuar [do mesmo jeito]. Porque nós não somos vocais o suficiente, não somos determinados o suficiente, como povos, como seres humanos, para nos levantarmos contra os políticos que cooperam contra nós.
Então, eles têm culpa mas nós também temos! Eu sinto que as pessoas precisam de algum tipo de liderança que elas não têm, então o grande sistema de políticos e corporações pode sempre fazer o que quiser contra um povo que não é unido. E é aí que nós realmente estamos, sabe? Se nós realmente quisermos fazer algo acontecer de verdade, nós conseguimos. Não é impossível, a gente consegue. Mas a gente precisa se juntar, irmão, a gente precisa se juntar.
TMDQA!: Faz sentido. Falando nessa união, uma coisa que me chamou muita atenção foi o fato da canção se chamar “América Vibra”. Na indústria cultural, a gente vê muita gente dos EUA se referindo a eles como “América”, mas a América de verdade vai muito além daquilo. Como surgiu isso? Foi algo que vocês fizeram de propósito?
Ziggy: [risos] Eu fiz essa pergunta também! E aí me explicaram o que o Natiruts estava tentando dizer, “Não é só aquela ‘América’, é toda a América”! Então foi uma coisa muito interessante que me fez ficar ciente disso, sabe? Eu também pensava, tipo, “América” é [os EUA]. Então, entender o cenário mais amplo disso te dá uma ideia muito mais histórica e cultural do que essa terra é, sabe? Das pessoas dessa terra para além das fronteiras dos Estados Unidos enquanto americanos. Para mim, foi educativo!
TMDQA!: Ah, que legal que te pegou de surpresa também! [risos] O vídeo também é bem poderoso nesse sentido, porque mostra o que talvez seja a América “ideal”: um continente unido, belo, sem muros e sem destruição, bem diferente do que observamos diariamente. Quão importante foi pra vocês mostrar isso? Você acha que é assim que a América pode ser se todos nós nos juntarmos, como você falou há pouco?
Ziggy: Sim, tudo é possível. Mas, além de nos juntarmos, nós temos que escolher os nossos líderes com sabedoria. Porque sabe… se você vai se casar, você escolhe seu marido ou sua esposa, sabe? [risos] Você não se casa com qualquer um, você tem que ter certeza de que aquilo vai funcionar.
Então, eu acho que vai ser preciso haver uma liderança real — as pessoas vão ter um grande papel a cumprir na escolha dessa liderança, seja votando ou protestando pelo que é certo. As pessoas têm uma grande voz no que acontece e seria nossa culpa se as coisas não mudarem para melhor; nós não podemos culpar os políticos, seria culpa nossa, porque nós os colocamos no poder e ficamos em silêncio ou fizemos muito pouco barulho.
Tudo é possível, mas nós temos que fazer algumas decisões de verdade. É por isso que a música é parte disso, sabe? Música é importante demais para se comunicar com a consciência das pessoas, porque muitas das músicas populares não estão alcançando as consciências das pessoas, sabe? Então é por isso que as músicas que fazem isso acabam sendo oprimidas no sistema comercial, a voz independente não entra na estrutura corporativa então ela acaba oprimida.
Sabe, a gente nunca vai desistir. Nunca, jamais. Vamos continuar em frente.
TMDQA!: Essa era meio que a minha próxima pergunta! [risos] O Alexandre, do Natiruts, falou que acredita no poder da música de mudar as vibrações que recebemos. Essa música seria um ótimo exemplo disso? Você também acredita nisso?
Ziggy: Sim, cara, é claro! Mas você não tem só música que vibra para o bem, você tem música que vibra para o mal também. Entende? E tem música que não vibra pra nada. [risos] Então, a questão com o sistema do mundo e a música é que a música é muito controlada pelas estruturas corporativas, é tudo sobre dinheiro. E às vezes boas músicas com boas mensagens não recebem a exposição que precisam ter para que haja um grande impacto.
Mas a música é uma coisa poderosa, mano, nunca deixe a música de lado. A música é forte demais — é por isso que estamos lutando por ela.
TMDQA!: E você acha que nesses últimos tempos a gente tem progredido? 2020 foi um ano complicado, mas trouxe muitos movimentos fortes e barulhentos contra essas estruturas e a favor do povo…
Ziggy: Claro, mas eu sou muito impaciente. [risos] Eu sou impaciente há muito tempo. [risos] Estamos progredindo, mas devagar demais, hein?
TMDQA!: [risos] É, infelizmente tenho que concordar… Por fim, queria te perguntar sobre uma declaração da sua irmã Cedella há algum tempo dizendo que, se seu pai estivesse vivo, ele com certeza estaria sendo “a voz dos que não têm voz” e participando desses movimentos. Você também acredita nisso? Fazer uma canção como “América Vibra” é uma forma de preservar esse legado?
Ziggy: Bom, eu acho que a mensagem do meu pai está muito viva agora. Ele não está aqui fisicamente, mas a mensagem é a mesma mensagem — está tudo ali, desde sempre. Ele está representado ali. Tudo que acontece que envolve direitos humanos, justiças sociais, a voz dele está ali. Então ele não precisa estar aqui para fazer o que faz, sabe? Ele já está fazendo.
Todos nós que temos a humanidade dentro de nós, o amor e a compaixão dentro de nós, alegria, tudo isso que envolve ligar para os outros, todos nós somos um. Então todos nós estamos continuando esse legado da humanidade, sabe? Somos a evolução mais alta da humanidade, somos o legado desse conceito, dessa noção de que não precisamos odiar uns aos outros e não precisamos brigar ou matar uns aos outros. Sabe? Vamos todos trabalhar juntos, esse legado é um legado que nós representamos há gerações, há milhares de anos.
Todos nós viemos do mesmo lugar: uma longa linhagem de seres humanos que estamos sempre, tipo, colocamos alguma positividade e alegria no mundo. Esse é o nosso legado, e [eu e meu pai] somos apenas uma parte desse legado.
TMDQA!: Você fica um pouco triste por essas mensagens ainda serem tão relevantes? Infelizmente, significa que o progresso não foi tanto quanto o esperado…
Ziggy: Olha, a gente tem que ter cuidado com o que a gente imagina que vai ser. Porque não vai ser perfeito, nunca vai ser perfeito. Mas vai ser um equilíbrio — ainda haverá ódio, mas menos. Nesse momento, parece que o desequilíbrio favorece o ódio e nós queremos inverter isso. Mas sempre vai existir, uma galera sempre vai brigar, mas a maioria das nossas vibrações, das nossas experiências, das nossas vidas vai ser positiva.
Essa é a primeira coisa que temos que perceber: não estamos falando de algum tipo de “lugar fantástico” onde tudo é perfeito. Só queremos reequilibrar, e como falamos antes as coisas já mudaram bastante. Se olharmos para, sei lá, de cem anos atrás até agora, as coisas progrediram. Mas queremos mais progresso! Não estamos tristes, estamos determinados a continuar! Não me entristece, me deixa mais determinado; não fico chateado por não ter conseguido o que eu quero ainda, mas fico mais determinado a conseguir. Entende? Não me deixa triste não, eu sou positivo demais. [risos]
TMDQA!: Sensacional! Ziggy, muito obrigado pelo seu tempo. Foi um prazer conversar contigo hoje. Até a próxima!
Ziggy: Eu que agradeço, irmão. Se cuide.