Música

Rancore e os 10 anos de "Seiva", disco que contou histórias, construiu pontes e celebrou o amor pela música

Leia a entrevista do TMDQA! com Teco Martins, vocalista do Rancore, falando sobre reunião da banda, Live, passado, presente e futuro.

Rancore e os 10 anos de "Seiva", disco que contou histórias, construiu pontes e celebrou o amor pela música

É só apertar o play para que a atmosfera sombria tome conta das suas caixas de som.

Com uivos, gritos, chocalhos, vidros quebrados e uma guitarra que corta como uma navalha, o Rancore deixou bem claro, há 10 anos, que estava levando a sua sonoridade a outros (e interessantíssimos) lugares no seu terceiro disco de estúdio, Seiva.

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Antes de qualquer coisa, precisamos de um pouco de contexto: em 2011 a cena hardcore/underground brasileira estava vivendo o momento seguinte à explosão do Punk Rock no início dos Anos 2000 e ainda produzia bandas incríveis, mas as plateias vinham se tornando cada vez menores.

Não era o caso dos shows da banda paulistana Rancore: em suas apresentações normalmente lotadas, sangue, suor e lágrimas se misturavam às reações intensas dos fãs que entoavam cada uma das letras da banda com fervor, sendo que muitos deles carregavam o logotipo do grupo tatuado na pele.

“Seiva”

Após se tornar o grande nome do rock independente dessa época, o Rancore assinou com a gravadora carioca Deckdisc e teve firmeza nas convicções de explorar novas sonoridades.

A energia do Punk Rock e do Hardcore estavam todos lá, mas agora teríamos camadas e mais camadas de guitarra, linhas de baixo em destaque, diferentes andamentos e a mesma potência lírica de sempre, o que continuava fazendo com que as pessoas decorassem cada trecho cantado pelo vocalista Teco Martins em cada faixa.

Com 12 faixas, produção de Rafael Ramos e uma verdadeira viagem por novos ângulos, novas esquinas de São Paulo, novos timbres de guitarra e a boa e velha força do Punk, Seiva rapidamente mostrou que o Rancore tinha muito a oferecer, mesmo que isso não viesse a acontecer efetivamente por um longo período.

Adeus e #VoltaRancore

Após os shows de divulgação do álbum, que foi eleito o Melhor Disco Nacional de 2011 aqui no TMDQA!, o Rancore decidiu encerrar as atividades.

Entre os motivos estavam novos projetos e sons, sendo que o próprio Teco saiu em carreira solo e também montou o Sala Espacial ao lado do baterista Alê Iafelice e do baixista Caggegi, todos da banda.

Gustavo Teixeira, o Gulão, partiu pra música eletrônica no projeto Nuven, e se os ares foram mudando, a vontade dos fãs de terem o Rancore por perto permanecia a mesma.

Tanto é que o movimento #VoltaRancore tornou-se uma espécie de marca registrada da música alternativa brasileira na Internet nos últimos anos, como um tipo de pedido que nunca se apaga.

Novos Shows e Live Especial

De lá pra cá, a banda fez alguns shows de reunião e inclusive gravou um DVD que mostra como é surreal a força de um show da banda e a conexão de Teco e sua trupe com os fãs ali presentes.

Agora, no meio da pandemia, o Rancore anunciou que não apenas irá fazer uma Live como também irá celebrar os 10 anos de Seiva e o fará em grande estilo, com a formação que gravou o álbum.

O evento irá acontecer no próximo Domingo, dia 21 de Fevereiro, com transmissão na Twitch da Gig Music e na página de Facebook do Hangar 110.

O Hangar, nosso “CBGB brasileiro”, será a casa dessa apresentação ao vivo e nós conversamos com Teco Martins sobre tudo que cercou a confirmação desse show que, definitivamente, terá uma audiência massiva de fãs, artistas da mesma época e saudosistas que, assim como eu, contemplaram a incrível arte de capa de Seiva enquanto ouviam o disco em loop inúmeras vezes.

Direto do “meio do mato”, como ele mesmo define, e com o filho recém-nascido no colo, Teco falou sobre passado, presente e futuro da banda, o amor pelos colegas de Rancore, a mensagem de esperança com a Live e uma questão pra lá de importante: todo dinheiro arrecadado durante a transmissão será destinado ao projeto Solidariedade Vegan, liderado por João Gordo e sua esposa Vivi Torrico.

Entrevista com Teco Martins

TMDQA!: Como surgiu a ideia de fazer unir as duas coisas e tanto celebrar os 10 anos de Seiva quanto fazer uma Live para isso?

Teco Martins: 

Acredito que essa situação de pandemia e isolamento social fez todos nós refletirmos sobre a existência, sobre nossas relações e nossas histórias. Desde o meio do ano passado estamos conversando sobre fazermos música juntos de novo. O Rancore é algo muito relevante na vida de todos nós, acredito que falo por todos quando digo que essa banda é uma das passagens mais importantes das nossas vidas.

Por conta de uma feliz coincidência o Candinho veio pro Brasil (ele mora em Berlim desde 2014) visitar a família bem na época que o Piu (produtor de shows do Hangar 110) estava precisando de uma banda pra fazer uma live. Ele fez a proposta e vimos a oportunidade perfeita pra nos reencontrarmos.

Pra ser sincero eu não acredito em coincidências; eu acredito que existem forças maiores que nos guiam aqui nesse planeta, e culminou que bem agora, perto do lançamento do Seiva completar 10 anos (lançamos em abril de 2011) vamos fazer essa Live com a formação original que compôs e gravou o disco (eu, Candinho, Alê, Gulão e Caggegi)!

TMDQA!: Realmente chama muito a atenção (e é um ponto pra lá de positivo) ter a formação que gravou o disco na apresentação. Como foi para vocês todos se reencontrarem e, mesmo tendo feito shows de lá pra cá, recriado a atmosfera do disco?



Teco Martins: Estamos ensaiando bastante pra conseguirmos tocar bem as músicas. Elas não são das mais fáceis, existem muitas variações rítmicas, de timbres de pedais nas guitarras, backing vocais, berros, falsetes, viradas de batera, e na minha função, cantar no Rancore é um esporte que exige bastante da parte física e de concentração, então estamos tendo uns dias bem puxados de preparação pra fazer bonito pois sabemos que tem muita gente na expectativa e a pressão pra mandarmos bem em um show transmitido pela tv/web é maior do que a pressão de um show ao vivo.

Ao vivo a galera tá na loucura no meio do bate-cabeça então pequenas falhas não aparecem tanto como quando as pessoas estão em suas casas assistindo atentas à performance da banda.

Mas está sendo maravilhoso esse reencontro, acredito que todas as experiências musicais que passamos desde o hiato do Rancore (todos continuaram a fazer música) nos tornaram músicos mais experientes e, além disso, temos todo esse amor e histórias uns pelos outros e por essa banda, e está tudo acumulado prestes a transbordar.

Até por isso escolhemos como símbolo pra essa live um vulcão em erupção, acho uma comparação bem pertinente a esse momento do Rancore.

Foto por Julio Fugimoto

TMDQA!: O Hangar 110 é um verdadeiro templo para a música independente brasileira. Acredito que a decisão tenha sido bastante natural de tocar por lá, né? Que histórias você pode contar que conectam a casa à banda nesses anos todos?



Teco Martins: Com certeza uma casa que marcou demais a história, não só do Rancore mas também da maioria das bandas de rock/punk/ska/hardcore ativas a partir do final dos anos 90. Fizemos o lançamento do [disco] Yoga, Stress e Cafeína e do Seiva lá, gravamos os clipes de “Quarto Escuro”, “Mãe” e “Mulher” na casa e fizemos e assistimos a shows muito marcantes no Hangar.

Foi assistindo a um show lá em 2001 que eu decidi que queria ter uma banda de HC e o Rancore começou em 2001 mesmo, veja só, há 20 anos, mais um marco histórico…

Enfim, acredito que não teria lugar melhor pra fazermos essa Live, claro que vai ser um pouco estranho tocar lá sem o público físico estando presente, mas é o que nos é possível nesse momento e acredito que por ser no Hangar vai transmitir ainda mais a energia de um show do Rancore pra quem estiver assistindo!

Continua após o vídeo

TMDQA!: Quando o disco foi lançado, marcou vários novos momentos pra carreira de vocês. Uma nova gravadora, uma nova sonoridade e a mistura do hardcore com diversos outros elementos. Tudo isso foi muito bem condensado em um disco marcante. Conta pra gente um pouco desse processo até chegar nas composições, ensaios e gravações efetivamente em estúdio com um trabalho tão revigorante.

Teco Martins: Pois é né Tony, inclusive fomos eleitos como o melhor disco do ano aqui pelo TMDQA!, algo que marcou bastante essa fase também. Das 12 músicas do disco, 6 se tornaram clipes que ficaram em primeiro lugar no top 10 MTV, tocamos no VMB, começamos a tocar pra públicos muito maiores do que estávamos acostumados, foi uma fase bem intensa mas que veio na hora certa.

O Rancore nunca foi uma banda que explodiu do nada, foi sempre um passo de cada vez então acredito que estávamos bem amadurecidos pra aquele momento… Recebemos a proposta da Deck no meio da tour “Liberta” e o processo de composição / gravação durou por volta de 2 anos. Caprichamos o máximo que podíamos pra honrar todo amor que já recebíamos do público por conta dos nossos dois primeiros discos e após muitas horas de estúdio e de estudo resultou no Seiva.

Hoje, 10 anos depois, tocando os sons nos ensaios pra Live sinto que a maioria das músicas envelheceu bem e me identifico ainda com muitas ideias que tínhamos naquela época, mas é natural que a gente sinta que teríamos feito algumas coisas de forma diferente também, faz parte, mas ao menos não temos peso na consciência pois sabemos que para o que tínhamos e para o que pensávamos na época, cada um de nós deu o seu melhor.

Acima de tudo nunca traímos nossos corações, o intuito principal sempre foi fazermos arte sincera, visceral, e acredito que o público sinta isso da gente também e por isso a banda ainda é relevante pra pessoas mesmo após tanto tempo parada.

O Rancore é e sempre foi muito intenso e verdadeiro, e nossas almas estão em cada sílaba, em cada nota tocada nessa banda!

TMDQA!: Quais são as suas 3 músicas favoritas do “Seiva”? E por quê?



Teco Martins: “A Ponte”, amo esse instrumental, cada pedaço da letra dessa música me traz memórias de passagens e de pessoas muito importantes na minha vida, algumas inclusive que já se foram, então de alguma maneira pra mim essa música faz com que essas pessoas se mantenham vivas; é a música do signo de Peixes, talvez meu favorito!

“Samba” , muita energia, cura, força, positividade, balanço, as guitarras são um esculacho, a batera também, quando eu compus essa música estava em uma fase bem depressiva e ela me tirou desse buraco onde eu tinha me metido, com certeza uma das músicas mais importantes da minha vida e uma das mais intensas no show, música do signo de Escorpião, que tem vários planetas no meu mapa astral e talvez o signo que eu tenha mais amigos próximos.

“Infinito” , essa é bônus track do “Seiva” mas veio na mesma leva, essa música resume grande parte da minha busca na música que é eliminar fronteiras entre as pessoas, aprendermos que apesar das nossas diferenças temos muito em comum e que é possível convivermos em harmonia. É uma música que me traz o sentimento de conseguirmos apreciar o momento que estamos vivendo, apesar de todas dificuldades, nessa vida onde tudo é tão efêmero. Me traz o sentimento de perdão e comunhão.

Enfim…é difícil por em palavras né, mas acho que se fosse pra escolher 3 dessa fase pra mim seriam essas, apesar de que tem várias que eu gosto muito, e com certeza os outros membros da banda fariam escolhas diferentes!

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TMDQA!: O que podemos esperar dessa live especificamente? A ideia é tocar o disco na íntegra? Na ordem? Teremos músicas dos outros discos?



Teco Martins: Vamos tocar todas do Seiva em comemoração aos 10 anos de disco mas também tocaremos músicas do Liberta e do Yoga, Stress e Cafeína.

Acho importante frisar que ao longo da Live estaremos angariando fundos para uma entidade beneficente: 100% do que for arrecadado será destinado pra “Solidariedade Vegan” que é liderada pelo João Gordo, e que alimenta pessoas em situação de necessidade com comidas sem assassinato e tortura de animais! #GoVegan

TMDQA!: A conexão do Rancore com os fãs é um dos pontos mais incríveis da trajetória da banda. Nos shows, o pessoal berrava as letras das canções e fora deles até tatuava o símbolo de vocês na pele. Como você imagina uma experiência em que há tanta gente querendo ver vocês e, ao mesmo tempo, o mundo atual não permite que tenhamos essa troca ao vivo?



Teco Martins: É o que podemos para o momento. Um dos nossos grandes intuitos com essa reunião é levar força e esperança pra pessoas que gostam do nosso som e mostrar que estamos juntos, muito juntos, sempre estivemos e sempre estaremos, como diz a música “Transa”, “(…) não há distância que não possa percorrer, você me chama e eu vou(…)” !

TMDQA!: Na mesma linha, desde que vocês pausaram as atividades, o movimento #VoltaRancore é muito forte, e agora o evento mesmo foi divulgado com #VoltaRancoreComForça. Temos a formação do “Seiva” de volta, essa live… E aí? Volta ou não volta?

Teco Martins: 

Um passo por vez! Antes de qualquer coisa precisamos fazer essa live o mais bem feita possível, depois a gente vê o que acontece…

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TMDQA!: O que você acha que mais mudou pra você, pessoalmente e artisticamente, nesses últimos 10 anos? E quais essências você acha que permaneceram as mesmas de lá pra cá?



Teco Martins: Mudou muita coisa. Desde o hiato do Rancore eu lancei um disco duplo com o Sala Espacial (Ska, Reggae, MPB, Samba, Forró, World Music, Experimental, etc…), 3 discos com o Luz Ametista (músicas feitas pra rituais xamânicos com as medicinas da floresta), 2 discos solo Teco Martins (a mistura de todos os projetos dos quais já participei).

Em paralelo a isso já estou produzindo meu novo álbum solo e mais um do Luz Ametista, ou seja, eu nunca estive produzindo tanta música e pretendo continuar assim. Mas tudo começou no Rancore, o Rancore é minha grande escola e está sempre comigo apesar de hoje em dia eu fazer músicas beeeeem diferentes do que a banda fez.

Pessoalmente eu saí de SP, da cidade grande e vim morar no meio do mato, bem isolado, estrada de terra, aqui não chega correios, saneamento a gente que faz, captação de água também, meus vizinhos são as vacas, cavalos, cabras, macacos, serpentes e etc… Vim plantar comida, me envolvi com Agrofloresta, Permacultura, Bioconstrução e sou feliz assim, não pretendo voltar pra um grande centro urbano, viver mais próximo da e em contato com a natureza me completa.

Tive um filho…ele está no meu colo enquanto respondo essa entrevista… tudo mudou, mas a essência acho que continua a mesma. Rancore ainda é e sempre será algo muitíssimo importante na minha vida e sempre que os meus amigos de banda quiserem fazer um som comigo estarei lá. Amo demais o Candinho, Gulão, Alê e Caggegi como se fossem da minha família. Admiro muito cada um deles e pra mim é uma honra tê-los comigo!

TMDQA!: Deixe um recado final pra galera colar na live!



Teco Martins: Vamos junt@s com muito amor no coração. Eliminar fronteiras. Trazer Força na Escalada, Chamar pela Liberdade, etc…etc…etc… Rancore Vive !!!

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