Seria O Som do Silêncio um azarão na corrida pelo Oscar de Melhor Filme? Ao lado de grandes produções como Mank e Os 7 de Chicago, além de favoritos da crítica como Nomadland, a estreia do diretor Darius Marder acaba sendo muito mais do que apenas um filme de drama com cara de premiação. Trata-se de um profundo estudo de personagem, uma aula de atuação e um dos melhores trabalhos de edição e mixagem de som dos últimos anos.
O filme acompanha Ruben (Riz Ahmed), baterista de uma banda de metal que forma com a namorada, Louise (Olivia Cooke). O rapaz percebe que está perdendo a audição logo antes de eles começarem uma turnê e acaba vendo sua vida mudar de rumo em uma velocidade assustadora.
Vendo assim, a história poderia facilmente caminhar para uma trajetória de superação, com toda a jornada do herói se construindo de forma previsível. No entanto, O Som do Silêncio se diferencia por sair do lugar comum e mostrar suas maiores forças bem longe dessa zona aparentemente mais confortável.
Primeiro porque o design de som nos coloca totalmente dentro da mente do protagonista. Em vez de assistir de longe à evolução de Ruben, a alternância entre os sons do ambiente e o silêncio percebido pelo personagem nos dá a clara sensação de desconexão que ele está sentindo.
Quando ele conhece a clínica frequentada por outros deficientes auditivos, por exemplo, os diálogos em linguagem de sinais não têm legenda. Assim, os espectadores ficam igualmente perdidos, sem conseguir entender o que está acontecendo e criando uma imersão incrível.
Uma vez estabelecido esse vínculo com Ruben, ouvindo o que ele ouve, sentindo falta do que ele sente falta e entendendo as dúvidas que o incomodam, os dilemas apresentados ganham ainda mais força.
O risco de escolher o caminho das drogas, de onde já havia conseguido sair, é um fantasma que o acompanha por muito tempo. Esse é um dos motivos que fazem da escolha pelo caminho da aceitação algo tão relevante – e difícil – para ele.
O diretor Darius Marder se apoia nas atuações de Riz Ahmed e Paul Raci e consegue extrair muito do potencial deles. Joe, vivido por Raci e um dos pontos mais fortes do filme, é o líder da comunidade de surdos que acolhe Ruben e assume o papel de mentor. Vem dele a voz da experiência, o carinho e a atenção necessários para convencê-lo a ficar, mas sem deixar de lado a dureza e disciplina de quem se propõe a ser uma força e uma liderança para as pessoas daquele local.
Apesar da grande concorrência ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, o reconhecimento com a indicação para Raci já deixou uma parcela dos fãs bem feliz. Já Ahmed tem boas chances na categoria Melhor Ator, mesmo com nomes de peso como Anthony Hopkins e Gary Oldman ao seu lado.
Uma das maiores lições deste filme é o entendimento de que a surdez não deve ser vista como um problema a ser consertado, mas, sim, uma condição a ser entendida. A partir daí, o próximo passo seria criar condições de inclusão dessas pessoas na sociedade, e não o desenvolvimento de estratégias para torná-las “normais” de novo.
Ruben, claro, não chega a estas conclusões facilmente. A verdade é que o roteiro nem forçou para que ele chegasse a elas sozinho e, com uma cena final aberta e lindamente construída, joga para a gente a reflexão sobre todo aquele processo de aceitação e autoconhecimento.
Esse final é o fechamento perfeito para a ideia de imersão que O Som do Silêncio propõe, contando apenas com detalhes da atuação de Riz Ahmed combinados com o uso certeiro do som. Daí vem o impulso para que a gente reflita sobre o desapego do passado, o medo de novas experiências e a conscientização de que certos caminhos nunca mais serão possíveis. Uma experiência única!
O Som do Silêncio está disponível no Amazon Prime Video: