Steven Van Zandt é uma daquelas entidades da música.
Conhecido por seu trabalho com a E-Street Band de Bruce Springsteen, o guitarrista e ocasionalmente vocalista tem boa parte de sua carreira associada ao seu trabalho como a “mão direita” de The Boss. Ainda assim, quem conhece sua história sabe que, sob o pseudônimo de Little Steven, ele também tem uma carreira solo sensacional.
Mais focado em um estilo de música que une o Soul e o Rock and Roll quando assume o papel principal, Steven resolveu celebrar justamente essa grande parte de sua história com um novo relançamento da coleção Soulfire Live!, que está disponível para streaming e reúne algumas de suas melhores apresentações com sua banda, o Disciples of Soul.
Por lá, também está incluso um especial de covers dos Beatles — que são quase uma religião para Steven — gravado no lendário Cavern Club no horário do almoço, remetendo às origens do quarteto de Liverpool. E tem até participação especial de Paul McCartney!
Em um papo onde esbanjou simpatia, Van Zandt conversou com o TMDQA! sobre todos esses assuntos e detalhou esses pontos altos de sua carreira. Confira logo a seguir!
Entrevista com Steven Van Zandt
TMDQA!: Oi, Steven! Que grande prazer falar contigo. Como você está?
Steven Van Zandt: Eu estou bem, cara. E você?
TMDQA!: Por aqui também. Muito legal poder conversar sobre um projeto tão interessante e claramente tão especial pra você. Então eu queria começar te perguntando logo de cara: como foi tocar no Cavern Club? Deu pra sentir aquela magia dos Fab Four por lá?
Steven: [risos] Você sente, mesmo. E é engraçado porque… e olha, eu digo isso a minha vida inteira, o Rock and Roll é a minha religião. Então, sabe, Liverpool é a minha Meca, e o lugar mais sagrado possível. É uma atmosfera incrível; a cidade inteira meio que voltou à vida nos últimos dez, vinte anos, e eles têm uma universidade maravilhosa lá agora que é apoiada pelo Paul McCartney. E eu falei com o Paul sobre dar algumas aulas por lá, e sempre que eu passo por Liverpool — essas últimas três turnês — eu dou uma aula por lá. E aí você passeia pela Matthew Street e tem um Museu dos Beatles e, sabe, há muita ação por lá agora, o que é ótimo. E tudo isso vai voltar, eu tenho certeza, quando esse apocalipse zumbi acabar. [risos]
Mas é, sabe, é tão especial… A gente só viu aquele pequeno vídeo, quando crescíamos, deles tocando “Some Other Guy”, do Ritchie Barrett, canção que fizemos também durante nosso set. Era o único videozinho que eu tinha visto do Cavern! Esse vídeo curto, e você vê esses arcos por cima do palco e, sabe, é muito estreito; você consegue ver no [nosso] DVD. Então tivemos que colocar os [músicos de] sopro e as garotas no corredor, perto do palco. [risos] Onde tem uma parede! Tipo uma partição. E aí não conseguíamos vê-los. [risos] Estávamos esperando que desse pra terminar as músicas do jeito certo, mas, sabe, foi simplesmente divertido. Muito divertido. Eu acho que ninguém tinha feito um show na hora do almoço [por lá] em muitas, muitas décadas, como os Beatles costumavam fazer sempre. Eles tocaram no Cavern quase 300 vezes, sabia? Às vezes à noite, às vezes no almoço! As pessoas traziam seus almoços e os Beatles tocavam por meia hora. Temos que amar essas coisas excêntricas, não é? Eu amo.
TMDQA!: É inacreditável, né? E realmente, fazer um show desse porte no Cavern Club foi algo espetacular. Aliás, você sempre faz alguns shows incríveis, cheios de belos arranjos e músicos por todo lado. Tirando de lado o fato do espaço em si ter deixado tudo mais desafiador, quão complicado é montar esses arranjos e ensaiar tudo e quão satisfatório é estar ali no palco vendo tudo funcionando como deve?
Steven: É magia. É muito mágico. Por algum motivo, bem no começo, eu comecei bem cedo com o Southside Johnny and the Asbury Jukes, então bem desde cedo a gente curtiu esse som bem grande. Essa coisa meio Soul se encontrando com o Rock and Roll. E nós tínhamos sopro, tudo mais. Então eu comecei a curtir isso desde muito cedo, e meio que isso reviveu há uns 3 anos, por acidente — é uma história mais longa do que temos tempo para falar, infelizmente — mas, enfim, por circunstâncias que me fizeram voltar a curtir isso.
E eu tinha feito há alguns anos um disco com a Darlene Love, que é uma das maiores vocalistas de todos os tempos, e nunca tinha feito um disco! Então finalmente fizemos seu disco de estreia aos 73 anos de idade e ela, sabe, se você ouve o disco — se chama Introducing Darlene Love — eu tinha o sopro ali, tinha cordas, e ela também tinha as cantoras de fundo. Então eu realmente me apaixonei por elas. E, sabe, eu realmente amo fazer arranjos; agora, estamos arranjando os sopros, as cordas, os vocais de fundo… tudo pra fazer isso um maravilhoso quebra-cabeça. Então quando eu voltei com a minha coisa, eu adicionei as vocalistas de fundo. Era uma coisa totalmente nova pra mim.
E, sabe, eu subi ao palco dessa vez como um apresentador, na verdade. Eu estava curtindo o show tanto quanto qualquer outra pessoa, porque, sabe, eu não estou realmente em forma pra ser um frontman como eu costumava ser nos Anos 80. Você vê meus vídeos nos Anos 80, sabe, eu virei um frontman de verdade, e eu era bem bom nisso, ainda que não fosse minha inclinação. Eu gosto de ficar por trás das câmeras, ser a “mão direita”, ser o produtor, eu gosto. Eu não preciso dos holofotes, mas eu fiquei bem bom nisso nos Anos 80. E eu sabia que eu não conseguiria fazer isso agora; eu levaria vários anos para voltar àquela forma, se é que eu vou voltar algum dia.
Então eu disse a mim mesmo: eu não vou ser o entretenimento, a banda vai ser o entretenimento. A música vai ser o entretenimento. E eu vou só apresentar, mesmo. Vou ser tipo um MC, um mestre de cerimônias.
Little Steven e Soulfire
TMDQA!: E realmente, você sempre introduz as músicas, fala um pouco antes de tocá-las… É bem divertido, é bem legal de ouvir! Faz com que a gente se sinta em uma festa na qual você é o anfitrião.
Steven: É isso. E o disco Soulfire é um resumo de toda a minha vida. Eu decidi, sabe, eu não estava realmente no clima para escrever um novo disco depois de 20 anos. Então eu pensei, deixa eu fazer um disco com músicas que eu escrevi para outras pessoas — e então virou um resumo de toda a minha vida, e eu até joguei algumas coisas ali que eu nunca joguei em álbuns antes, tipo uma música doo-wop, “City Sleeps Tonight”, e o show virou meio que uma história do Rock and Roll, sabe. Rock and Soul, eu diria!
Não era como se estivéssemos tentando fazer isso, mas foi o que virou. Virou um museu móvel da história do Rock e do Soul. [risos] E as pessoas realmente curtiram isso. E aí, de novo, por conta das circunstâncias e por voltar a me familiarizar com as minhas próprias músicas por conta da turnê Soulfire, finalmente voltaram a surgir novas músicas pra mim. E isso virou um novo álbum, Summer of Sorcery, meu primeiro disco de material totalmente novo em 25 anos, sei lá quanto tempo. E foi tudo muito acidental, mas foi a primeira vez na minha vida que fiz dois discos em seguida com a mesma banda. Então eu fiquei bem, bem interessado em ver onde isso chegaria. E Summer of Sorcery realmente virou algo bem significativo na minha vida por conta disso.
TMDQA!: E imagino que tenha sido um alívio, por assim dizer, reencontrar essa paixão depois de tanto tempo nessa carreira.
Steven: Eu concordo… [risos]
TMDQA!: E, bom, grande parte dessa carreira está intimamente ligada ao Bruce Springsteen, né? Não tem como escapar de falarmos disso. [risos] Ainda mais dado que ele está nesse disco, tocando com você. Como é recebê-lo no palco para “inverter os papéis” — ao invés de tocar uma música do Bruce, é ele tocando uma música sua?
Steven: [risos] É divertido. A gente sempre fez isso, sabe? Quando éramos jovens, às vezes eu estava na banda dele, às vezes ele estava na minha banda. Ele cantou todas as harmonias no meu primeiro álbum; a gente não deu créditos a ele porque ele estava brigando com a gravadora na época, então eles não estavam deixando ele cantar em qualquer outro disco. [risos] E nós dissemos, “Que se dane isso! Você vai cantar no meu primeiro disco, vem”. [risos] Então ele cantou todas as harmonias no primeiro álbum e a gente sempre vai e vem. Tem sido muito divertido, nós continuamos sendo os melhores amigos depois de tantos anos.
O que foi realmente de explodir minha mente foi o Paul McCartney subindo no meu palco!
TMDQA!: Bom, essa era minha próxima pergunta!
Steven: É, isso… o Bruce é uma coisa, mas eu cresci com ele! O Paul McCartney… se o Rock and Roll é a minha religião, você pode imaginar o que o Paul McCartney significa pra mim. [risos] Ele já havia subido ao palco com a E-Street Band, no Hyde Park [em Londres], o que foi maravilhoso. Ele então convidou o Bruce e eu para cantarmos com ele no Madison Square Garden, quando tocou em Nova York, e isso foi divertido. Mas para ele estar no meu palco… Uau! Que moral. Foi de explodir a minha mente. Realmente fez minha vida se fechar, sabe.
O primeiro álbum que eu comprei na minha vida foi o Meet the Beatles, que nós pensávamos [nos EUA] que era o primeiro álbum mas, na verdade, era o segundo álbum. Foi o primeiro álbum que eu comprei, e foi o que me fez curtir o Rock and Roll. E agora ele está no meu palco, dizendo que o que eu faço tem valor. Meu Deus, que emoção.
TMDQA!: Teve algum motivo específico para você escolher “I Saw Her Standing There” como a música que vocês iam apresentar?
Steven: Bom, sabe, é a que ele curte fazer jams. É a mesma que fizemos no Hyde Park e no Madison Square Garden. Então foi a terceira vez que tocamos juntos, mas uma vez que eu tinha a seção de sopros ali, eu adicionei uma coisa meio Little Richard ali no arranjo. E eu sabia que ele era um fã do Little Richard, porque foi ele quem me contou sobre o Little Richard! Eu nunca tinha ouvido falar do Little Richard quando estava crescendo, sabe. Não tínhamos como! Não ouvi falar do Chuck Berry, do Buddy Holly, são pessoas que os Beatles me fizeram curtir.
Então eu sabia que o Paul era fã e achei que isso ia funcionar. E na verdade a gente só teve um pequeno ensaio disso, mas nunca com ele; a gente ensaiou na passagem de som, cinco minutos antes de acabar. Porque as pessoas estavam tentando entrar [na casa de shows], era uma plateia bem, bem grande naquele dia. E eu não esperava que ele fosse tocar. Eu falei pra ele antes, “Olha, você nunca mais sai [para se divertir], você está tocando o tempo todo, está em turnê o tempo todo, você está aqui com sua belíssima esposa Nancy, sente-se com minha maravilhosa esposa Maureen e curta o show, nem pense em subir no palco”.
E eu acho que ele ficou feliz em ouvir isso, mas aí quando estávamos agradecendo a plateia antes do bis, meu roadie chega em mim e diz, “O Paul está subindo”. [risos] E eu fiquei tipo, “Meu senhor…”. [risos] E aí chega o Paul, com sua guitarra, ele nunca ouviu o que íamos fazer, ele só tinha fé em mim e fizemos lá; o que você ouve é o que aconteceu. [risos] Foi o momento mais extraordinário da minha vida.
Carreira como ator e ativista
TMDQA!: Eu imagino! Com certeza seria o da minha também. [risos] Steven, além do seu trabalho na música, você também tem uma carreira incrível como ator. Mais recentemente você participou de O Irlandês, e imagino que isso tenha te lembrado dos seus tempos de Sopranos. Como foi isso, estar ali com o Al Pacino e tudo mais?
Steven: Foi uma cena incrível! O Pacino estava nela, o Joe Pesci estava nela, o Bobby [Robert] de Niro estava nela… trabalhar com o Martin Scorsese, claro, era um sonho da vida. Na ocasião, eu achei que era o maior evento da minha vida. E aí na noite seguinte foi quando o Paul McCartney subiu no meu palco. [risos] Então, digamos, eu tive uma bela sequência de dias. Foram dois sonhos que viraram realidade em um período de 24 horas.
TMDQA!: Steven, outra coisa impressionante que eu descobri recentemente é que lá em 1984 você liderou um movimento anti-Apartheid. Obviamente, acho que esse assunto está mais relevante do que nunca hoje em dia e ainda vemos muita controvérsia quando tratamos dele, mas você já estava falando disso tudo lá em 1984. Então, queria saber duas coisas: quão esperançoso você fica com a possibilidade dessa nova geração trazer as mudanças que você e tantos outros tentam trazer há tempos e, também, quão renovadas estão suas esperanças com a troca de presidentes no seu país?
Steven: Eu vejo o futuro com bons olhos. Eu tenho muita fé nos adolescentes de hoje, eu acho que eles são muito naturalmente sem preconceitos, ambientalistas. Eu sou muito, muito extremo com o meio ambiente; eu não uso palavras como [mudanças] climáticas ou aquecimento global, eu uso “veneno”. Sabe? A nossa terra está envenenada, o nosso ar está envenenado, a nossa água está envenenada. E eu gostaria de não ter mais veneno em 2030, esse é o meu sonho. Mas eu acho que vai ajudar quando esses adolescentes crescerem e começarem a votar, porque temos um longo caminho a percorrer.
Eu espero que esses últimos dois anos consigam trazer alguma coisa positiva. A gente ficou cara a cara com o nosso racismo, que nunca foi resolvido e nunca nem chegou perto disso, o que é bom. Começamos a ter alguns movimentos querendo tirar esse veneno da atmosfera, então eu espero que estar no outro extremo nesses últimos 4 anos, a gente finalmente possa acordar e fazer algo a respeito de tudo isso.
E eu sei que vocês têm o mesmo problema por aí, e não somos só nós, é o mundo inteiro. Eu estive no mundo todo nesses últimos três anos e, sabe, há muitos problemas. Muitos, muitos problemas, desde a Indonésia até a Hungria, a Polônia, está em todo lugar. Temos muito nacionalismo, extremismo religioso, e ambos têm que ir embora. Temos que voltar para a estrada de unificação do nosso planeta. Esse deveria ser nosso objetivo, todos os dias: nos unir e não erguer barreiras, quebrar e sair de tratados. Deveria ser o oposto, as barreiras caindo, os tratados em todos os lugares, e nós deveríamos estar desmilitarizando e sendo bem extremos com relação ao clima porque temos que ser agora. E espero que consigamos fazer algumas mudanças antes de algum imbecil queimar a floresta amazônica inteira. A gente resolveu parcialmente o nosso problema e agora temos que controlar os danos. Vamos ver o que vai acontecer.
TMDQA!: Pra fechar esse papo sensacional, Steven, eu achei bem curioso que há algum tempo você fez uma participação em um trabalho do The Hives. Há alguma outra banda dessa nova geração que você curta ou conheça e acha interessante?
Steven: Eu tenho um programa de rádio, chamado Little Steven’s Underground Garage. Estamos em 100 estações nos EUA e em 100 países, talvez até no Brasil, onde estão as nossas Forças Armadas; se tivermos uma base por aí, estamos. [risos] Mas é um grande formato que toca tudo de Rock e Soul e as melhores músicas já feitas desde 1950 até hoje, e nesse formato eu já introduzi mais de 1000 bandas! Como o The Hives, o The White Stripes, por exemplo.
Infelizmente, poucas delas conseguem atingir o sucesso atualmente. É bem difícil, mas nós damos o espaço e isso as ajuda a conseguir shows e, às vezes, os promotores ouvem o nosso programa e colocam bandas em um festival, coisas assim. Fazemos o que podemos para tentar ajudar. Mas há muita gente fazendo música boa hoje em dia, talvez mais do que nunca. Mas, sim, a infraestrutura não está mais presente para o Rock and Roll atualmente. Nós temos que tentar reconstruir essa infraestrutura, e o meu programa de rádio é um começo nisso.
Eu sempre falo com [as pessoas do] Hard Rock Cafe para fazermos um circuito do Rock and Roll. Aqueles que forem grandes o suficiente para receber equipamento, a gente coloca por lá e faz tipo um circuito de Rock and Roll ao redor do mundo. Eles estão em uma posição boa para isso, então nos falamos sempre. Eles são os patrocinadores do meu programa desde o começo, então espero que algo do tipo possa acontecer. Talvez um programa de TV que mostre novas bandas, é algo que sempre tento fazer. Tenho muitas ideias, mas no geral, precisamos trazer de volta a infraestrutura para trazer de volta o Rock and Roll e a música Soul, as ótimas músicas dos Anos 50, 60 e 70. Precisamos achar um jeito de trazer isso de volta de um jeito que as pessoas possam ter acesso.
TMDQA!: Incrível! Bom, espero que da próxima vez que a gente se fale esse sonho já tenha virado realidade. Muito obrigado, Steven! Poderia ficar horas por aqui, mas infelizmente nosso tempo acabou. Foi um prazer conversar contigo e até mais!
Steven: O prazer é meu, meu amigo. Até mais!