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Crítica: “Bela Vingança” expõe cultura do estupro e suas perigosas consequências

"Bela Vingança", filme de estreia da diretora Emerald Fennell, aposta em trama de vingança para criticar o machismo e a cultura do estupro.

Bela Vingança
Foto: Focus Features

Bela Vingança é um filme que chama mais atenção pelas suas intenções do que pelo que entrega. Não que isso desmereça as questões levantadas pela trama – na verdade, é exatamente o contrário. A discussão sobre o machismo, cultura do estupro e algumas de suas consequências são feitas de forma madura e atual, mas acabam se sobrepondo ao contexto no qual a narrativa está inserida

O filme acompanha Cassie (Carey Mulligan), uma mulher traumatizada que praticamente abriu mão da vida pessoal para buscar seu desejo de vingança. Ela arma emboscadas nas quais finge estar bêbada para atrair homens que querem, na verdade, se aproveitar dela.

A impressão inicial é que esta será mais uma produção na qual a protagonista descobre um lado violento e começa uma jornada de punição a homens que tenham alguma relação com o evento que a traumatizou. A própria direção de Emerald Fennell (que também é a roteirista) nos leva a acreditar que este será o caminho traçado a partir dos acontecimentos dos minutos iniciais.

No entanto, Bela Vingança investe em uma quebra nesse gênero que flerta com o terror e, em vez de esconder subtextos por trás de uma capa violenta e sanguinária, põe o pé mais na realidade e abraça o humor irônico como ferramenta para seguir adiante. A narrativa se torna, assim, positivamente imprevisível.

Bela Vingança
Foto: Focus Features

O objetivo de Cassie é expor homens à vulnerabilidade na qual eles constantemente colocam as mulheres com quem se relacionam. Ao inverter essa lógica, ela atrai certa admiração, por estar proporcionando uma espécie de reparação histórica; mas também julgamento, uma vez que a vingança não é exatamente o método mais simpático de se buscar justiça.

É justamente aí que está um dos maiores valores deste filme. Não existe o endeusamento da personagem por causa de suas ações, mas, conforme vamos conhecendo a história de vida dela, passamos a entender ainda mais suas motivações.

Fennell explicou como isso não é por acaso em uma entrevista à BBC News. “Não acho que seja uma crítica aos homens. É uma crítica à cultura em que todos nós crescemos, que tende a ficar mais do lado dos homens do que das mulheres”, disse.

Para o público feminino, naturalmente, a identificação com Cassie vem muito mais rápido, uma vez que as situações em que ela se encontra são comuns na vida de muitas mulheres.

Bela Vingança
Foto: Focus Features

É claro que, para embarcar na história contada por Fennell, é preciso um pouco da famosa suspensão de descrença. Cassie estaria exposta a riscos inimagináveis se realmente colocasse os seus planos em prática sozinha, algo que dificilmente aconteceria na vida real. Porém, um equilíbrio é alcançado quando nem sempre as coisas saem como ela imagina, obrigando-a a lidar com frustrações. Ela não é à prova de erros e isso é uma boa escolha da diretora.

Outra dificuldade é a confusa oscilação entre suspense e comédia. Apenas no terceiro ato temos uma real ideia dos objetivos da trama, mas pode ser cansativo ter que esperar tanto tempo para isso.

Bela Vingança
Foto: Focus Features

O maior destaque de Bela Vingança está na performance de Carey Mulligan. A atuação dela é contida e não recorre a exageros para transparecer pessimismo e ironia. De forma igualmente sutil, apresenta momentos de esperança quando contracena com Bo Burnham, um bom suporte para que ela brilhe nas transições entre o ceticismo e a felicidade quando o assunto é relacionamento.

O título em inglês, no fim das contas, é mais fiel ao que o filme representa. Promising Young Woman, ou Jovem Promissora, é exatamente como Cassie era antes de passar pelo trauma que mudou sua vida. Aí reside a maior mensagem desta obra:

Enquanto são oferecidas segundas, terceiras, infinitas chances de redenção aos autores dos abusos, às vítimas são reservados os lugares de esquecimento e silenciamento, forçado ou induzido. Alguém precisa dar voz a elas e os comportamentos abusivos masculinos precisam ser repreendidos e punidos.

Aqui, trata-se de uma ficção e as resoluções propositalmente são fantasiosas, mas é extremamente importante que este filme tenha recebido tanto destaque por ter sido construído assim. É relevante o fato de ele estar no Oscar sendo escrito e dirigido por uma mulher, além de ter uma das melhores performances do ano com a sua protagonista. Esta, sim, é a tal representatividade.


Confira o trailer de Bela Vingança.

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