Música

#TBTMDQA: "Love Will Tear Us Apart", o retrato do relacionamento conflituoso do líder do Joy Division

O maior sucesso do Joy Division marcou não apenas um movimento musical, como também a história da música em diversas homenagens entre covers, games e mais.

Ian Curtis
Foto: Divulgação

O amor, em suas mais diversas formas de expressão, é indiscutivelmente o principal tema do mundo da música. Tudo é motivado por ele e a maioria das canções, desde as mais românticas às mais tristes, não fogem disso.

Mas, tal como na vida, nem tudo são rosas. Nem todo relacionamento soa tão saudável quanto as histórias contadas pelo The Cure em “Friday I’m In Love” ou pelo Boston em “More Than a Feeling”. Em 1980, uma banda de rock lançou uma das músicas mais tristes já feitas dentro da temática amorosa. Estamos falando do Joy Division e de seu maior sucesso comercial, a canção “Love Will Tear Us Apart“.

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Mesclando uma letra triste e autobiográfica com um instrumental pulsante que veio a ser usado como referência para futuros grupos, o hit marcou época e até hoje é lembrado por seu contexto e importância dentro da cena pós-punk. Abaixo, contamos um pouco sobre a história da música e sobre seu legado. Confira logo após o vídeo abaixo.

 

Um relacionamento conflituoso

A música é dita como autobiográfica por traçar semelhanças com a vida pessoal do vocalista e principal compositor Ian Curtis. Na época, Ian vivia um relacionamento conturbado com sua companheira Deborah Woodruff, com quem havia casado em 1975.

Em 1979, o músico havia começado uma relação com a jornalista belga Annik Honoré que, obviamente, causou conflitos com sua esposa. Em entrevistas, Honoré dizia que, apesar dos rumores, jamais havia tido relações sexuais com Curtis. Em depoimentos, ela também citou os problemas do vocalista com epilepsia, doença com a qual foi diagnosticado no mesmo ano.

Woodruff, por sinal, falou com detalhes sobre o casamento (e o seu fim) na biografia “Touching From a Distance“. Sobre “Love Will Tear Us Apart”, já na “fase final” do relacionamento, a escritora conta que Curtis chegou inclusive a bani-la dos shows da banda.

 

O “shade

A frase que dá nome à música foi uma resposta cínica à canção “Love Will Keep Us Together“, lançada pela banda Captain & Tennille em 1975. Apesar da versão original ter sido composta e gravada pelo cantor Neil Sedaka dois anos antes, foi o duo que transformou a música em um hit mundial.

Caso você não conheça o hit original, basta imaginar uma versão “invertida” da música do Joy Division. Enquanto “Love Will Keep Us Together” retrata uma relação saudável e uma promessa de amor eterno, a “resposta” escrita por Ian Curtis parte da perspectiva de alguém que sofre de depressão e que está sozinho.

 

Diferentes estúdios, diferentes versões

Sabemos que o processo musical não consta apenas da composição. Para dar vida a uma canção, é necessário pensar nas pessoas certas para viabilizarem a gravação ideal da ideia de quem está gravando. Afinal, nem todo produtor consegue entender bem a proposta de um artista.

A primeira versão de “Love Will Tear Us Apart” foi gravada no Pennine Studios, em Oldham, no início de 1980. No entanto, o produtor Martin Hannett e o próprio vocalista não gostaram muito do resultado final. A alternativa encontrada foi gravar no Strawberry Studios, em Stockport, em Março do mesmo ano.

Ambas as versões foram lançadas, apesar das claras diferenças. A do Strawberry Studios, que ganhou mais fama, é claramente mais lenta e foi inspirada pelo estilo vocal de Frank Sinatra.

Confira abaixo a versão do Pennine Studios e perceba a velocidade diferente.

 

“Faz o ré maior aí, Ian”

Um dos elementos mais expressivos da música é a sua linha de teclado. “Love Will Tear Us Apart”, naturalmente, precisaria do instrumento nas apresentações ao vivo. Coube ao guitarrista Bernard Sumner essa função. Mas, se Sumner assumiria os teclados, quem ficaria com a guitarra?

Sobrou para Ian Curtis, que precisou ser ensinado por sua banda a tocar o acorde de ré maior (o tom original da música). O guitarrista, em entrevista para o livro “Instrument“, conta:

“O Ian não queria tocar guitarra mas, por algum motivo, a gente queria que ele tocasse. Eu não lembro direito o motivo. Mostramos para ele como tocar o acorde de ré maior e escrevemos a música. Eu me pergunto se é por isso que a escrevemos assim. Você pode zunir um ré maior na música toda.”

Mas, apesar de o teclado ter seu peso significativo em “Love Will Tear Us Apart”, ainda existe um elemento instrumental ainda mais marcante.

 

A linha de baixo

O baixista Peter Hook, em seu período no Joy Division (e, posteriormente, no New Order), desenvolveu um estilo particular de tocar baixo. Sempre optando por notas mais agudas, suas linhas geravam constantemente uma disputa com a guitarra base por protagonismo nas músicas. Talvez “Love Will Tear Us Apart” seja um dos exemplos mais simbólicos disso.

A linha de baixo basicamente carrega toda a música. Para o ouvinte, é perceptível que é ela que guia a melodia instrumental. É a ela que todos os demais instrumentos seguem, desde a bateria “disco” de Stephen Morris até os vocais de Curtis. É melódica, atmosférica e marcante ao mesmo tempo.

 

Melhor single da história?

Para os veículos especializados internacionais, “Love Will Tear Us Apart” é uma canção mais do que emblemática. Isso vale especialmente para a NME. Em 1980, a canção foi considerada o Single do Ano. Em 2002, a mesma revista deu ao hit a moral de ser o Melhor Single de Todos os Tempos.

Outros veículos relevantes, como a Pitchfork e a Rolling Stone, também destacam a música em listas editoriais. Em sua lista das 500 Melhores Músicas de Todos os Tempos, por exemplo, a RS elencou o dito sucesso na 181ª posição.

Não é pra qualquer um, não!

 

Fall Out Boy já gravou e você provavelmente não sabia disso

É no mínimo previsível pensar que “Love Will Tear Us Apart”, diante de seu sucesso, receberia várias covers ao longo dos anos. Desconsiderando as homenagens do New Order, destacamos algumas versões para vocês.

Algumas delas se destacam por se distanciarem do pós-punk da original. A cantora londrina Odina, por exemplo, gravou uma versão indie em 2018, bem mais intimista e contida, mas igualmente bela. Em uma atmosfera semelhante, mas mais voltada ao folk, José González e o popular cantor Passenger também disponibilizaram interessantes versões.

Mas uma cover que chama bastante atenção é a do Fall Out Boy. A banda norte-americana regravou uma versão acústica do hit do Joy Division, mas com a mesma energia pop punk pela qual foi marcada no início da carreira. A releitura faz parte do EP My Heart Will Always Be the B-Side to My Tongue, lançado em 2004 junto a versões acústicas de hits da banda e algumas inéditas.

 

Adaptação para videogame

Em 2013, chamou atenção da cena um videogame independente desenvolvido com base na música. “Will Love Tear Us Apart?” adapta cada um dos versos da música em um nível diferente.

Na época, o jogo recebeu críticas favoráveis de alguns veículos, que relataram que o jogo é o retrato de uma relação turbulenta. Um dos sites elogiou que “essa é a maneira perfeita de comunicar os sentimentos de um relacionamento opressivo”.

 

A lápide

Ian Curtis tirou a própria vida no dia 18 de Maio de 1980, aos 23 anos, na véspera da primeira turnê norte-americana do Joy Division. “Love Will Tear Us Apart”, por sinal, é o que está escrito em sua lápide, no cemitério de Macclesfield, na Inglaterra.

Em entrevista ao Songfacts, Peter Hook conta que ficou chocado com a letra da música em um primeiro momento. Ele só veio a analisar de fato o que estava sendo dito ali quando, já com o New Order, cantou a música.

“É estranho, porque a letra é muito obscura, mas descobri que trata-se de uma música muito inspiradora. Nenhuma outra música do Joy Division funcionou assim. As pessoas vão à loucura quando tocamos ao vivo, mas realmente é bem obscura.”

Esteja em paz, Curtis!