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True crime: por que gostamos tanto de séries e filmes desse gênero?

Possíveis explicações estão na espetacularização das coberturas e no senso de pertencimento gerado pelas discussões sobre os casos

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Foto: Reprodução/Globoplay

O Globoplay lançou recentemente a série documental O Caso Evandro, inspirada em um dos crimes de maior repercussão na história do Brasil. Mesmo tendo ocorrido há 29 anos, em abril de 1992, até hoje o caso desperta a atenção e a curiosidade do público. Mas por quê? O que será que existe por trás do fascínio por histórias de crimes reais?

Apesar de ser bem mais popular nos Estados Unidos, o gênero true crime também tem sua parcela de fãs brasileiros e vai crescendo por aqui. As coberturas sensacionalistas por parte da mídia contribuem para a criação dessa aura fantástica em torno das histórias reais, mas há também um componente psicológico que explica isso.

Um artigo publicado na BBC britânica pela Dra. Julia Shaw, pesquisadora da University College London, escritora e especialista em psicologia criminal, listou alguns fatores que são motivos para que gostemos de histórias sobre crimes que aconteceram na vida real:

Celebridades

Pesquisadores como a socióloga Julie Weist, professora na West Chester University, na Pensilvânia (EUA), apontam que existe uma tendência para tratar serial killers e outros criminosos como celebridades. Um tipo bem distorcido de celebridade, convenhamos.

Quando um crime ganha muita notoriedade, os veículos de comunicação o divulgam à exaustão, a repercussão só aumenta e vira um ciclo que se retroalimenta até que a história tenha algum desfecho.

Casos famosos acabam virando “marcas próprias”, ao ponto de gerar alcunhas aos criminosos depois certa exposição nos noticiários e programas de debate.

Dennis Rader, o BTK; David Berkowitz, o “Filho de Sam”; Richard Ramirez, o “Night Stlaker”; Kenneth Bianchi e Angelo Buono, os “Estranguladores de Hillside”…

A realidade norte-americana parece distante? Pois o mesmo acontece aqui no Brasil: Pedrinho Matador, Bandido da Luz Vermelha, Chico Picadinho, Maníaco do Parque.

No Caso Evandro, a espetacularização do crime foi tão grande que ficou ele conhecido como “As Bruxas de Guaratuba”.

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Celina Abagge, uma das acusadas do assassinato do menino Evandro, no caso que ficou conhecido como “As Bruxas de Guaratuba”. Foto: Reprodução/Globoplay

O sensacionalismo por trás de casos como esses cria verdadeiras celebridades. Lá fora, Ted Bundy teve sua história contada em uma infinidade de séries e documentários ao longo dos anos. Aqui, Suzane Von Richtofen é tão conhecida quanto qualquer artista e também teve seu caso adaptado para o cinema.

Agora, Lázaro Barbosa, que ainda não foi encontrado pelas autoridades policiais até o fechamento desse artigo, já entrou no imaginário popular e não sai dos trending topics do Twitter há dias como o “serial killer de Brasília”.

Indignação coletiva

A criminologista Oriana Binik chama essa característica de “o carnaval do crime”. Segundo Binik, vivemos em uma sociedade capitalista emocionada, na qual as pessoas buscam constantemente o consumo de fortes emoções. Essas emoções atuam diretamente no nosso desejo por coesão social.

Traduzindo: gostamos de true crime porque é algo que podemos conversar sobre isso em grupo. Fofocar, especular e até mesmo sentir medo juntos.

Em O Caso Evandro, podemos observar que, já na época do desaparecimento do garoto, em 1992, a cobertura massiva da mídia confirmava essa forma de consumir “entretenimento”. Apesar de opções limitadas de acesso às informações sobre o crime, o Brasil inteiro ficou atento ao noticiário durante meses para descobrir o que havia, de fato, acontecido.

Quando o podcast Projeto Humanos resgatou o caso, em 2017, o desaparecimento de Evandro e o julgamento dos envolvidos voltaram a ser bastante comentados, especialmente nas redes sociais, assim como a investigação realizada pelo jornalista Ivan Mizanzuk, responsável pelo podcast.

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Cena da série documental “Caso Evandro”. Foto: Reprodução/Globoplay

Dois lados da moeda

Tratar casos reais de forma sensacionalista é um dos pontos mais delicados quando se trata de discussões sobre adaptações e/ou documentários true crime. A jornalista Melissa Chan já trouxe o tema para um artigo na revista Time, questionando o custo de popularizar o gênero, que passa por etapas como reviver sentimentos traumatizantes nas vítimas.

Como disse Shaw, no artigo da BBC, existem pessoas reais que foram afetadas por esses crimes. Elas não têm o luxo de apenas desligar o podcast ou a televisão e voltar às suas vidas normalmente. As nossas histórias de entretenimento são memórias extenuantes para elas.

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Fotos de arquivo usadas na série. Foto: Reprodução/Globoplay

Mas parar de produzir esse tipo de conteúdo não parece ser uma opção considerada pela indústria, então, o que fazer? O segredo pode estar no meio termo para não desrespeitar as vítimas em troca de entretenimento (e lucro).

O Caso Evandro é um bom exemplo. Apesar de trazer de volta os holofotes para o caso e possivelmente reaproximar da tragédia as pessoas envolvidas, a produção acabou ajudando. Durante as investigações e entrevistas, Mizanzuk descobriu conteúdos que simplesmente não entraram no inquérito e, portanto, não foram investigados. Com isso, novas interpretações dos acontecimentos podem surgir, inclusive mudando o entendimento de algumas decisões.

O mesmo aconteceu com outras séries, como Mistérios Sem Solução, lançada pela Netflix, em 2020. A repercussão foi tão grande que houve até a reabertura de um caso há muito engavetado.

Em um campo mais abrangente, como explica o autor Harold Schechter, esses criminosos célebres ainda fazem parte da estrutura da civilização desde os primórdios. Só é possível considerar o comportamento deles condenável se todo mundo souber o que eles fizeram e como foram responsabilizados por isso.

E aí? Você é de qual time? Dos que ficam com a consciência pesada quando assiste documentários true crime ou dos que acham que eles podem ser construtivos de alguma forma? Ou dos dois, por que não?

Assista ao trailer de O Caso Evandro, disponível no Globoplay:


Fonte: BBC UK