Quando eu era moleque, lá pelos meus 12 ou 13 anos de idade, me lembro claramente de ter visto o clipe de “Hitchin’ A Ride”, do Green Day, na MTV Brasil, pela primeira vez.
Aquele exato momento foi definitivo para uma nova fase na minha vida repleta de problemas domésticos, onde achei refúgio na música e passei a acompanhar os créditos das canções, devorar os encartes e ficar ligado em cada lançamento deles e de outras bandas que acabaram entrando no meu radar.
Quando consegui comprar o Nimrod em CD, lembro que tudo ficou ainda mais interessante ao perceber que as guitarras ditavam o ritmo da coisa toda mas também tínhamos balada ao violão, trompete e, do nada, algo próximo do hardcore com “Platypus (I Hate You)”.
Pra mim, o Punk Rock sempre foi contestador, inclusive (e talvez principalmente) quando se apropriava de melodias populares para conquistar estações de rádio e canais de televisão mundo afora.
Desde que tivesse bases sólidas, como era o caso do Green Day, que nasceu na cena Punk californiana da região de San Francisco, Oakland e Berkeley, e cujos membros fizeram parte de bandas locais, essas explosões na mídia sempre me pareceram muito interessantes.
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Sebastianismos – Tóxico
24 anos depois do lançamento de Nimrod, o mundo está de ponta cabeça, estamos vivendo uma pandemia que nem a geração dos nossos pais havia vivido e, bem, a música está aí novamente para nos salvar.
Sebastianismos é o nome do projeto solo de Sebastián Piracés-Ugarte, baterista da aclamada banda brasileira Francisco, el Hombre, que eu considero a mais punk do país misturando seus violões à música latina e entoando músicas de protesto como pouco vejo hoje em dia.
Sebastián é um cara mais que acostumado a esse gênero musical e, como citei anteriormente, tem bases sólidas. Nascido no México, sua família se mudou para o Brasil e, jovem, ele só encontrou refúgio quando conheceu bandas do Punk e Hardcore e, assim como eu, colocou CDs delas pra tocar no Discman e montou bandas ainda moleque.
Anos depois, ele mostra como tudo isso moldou sua formação em Tóxico, novo disco do Sebastianismos que é completamente diferente do anterior, mas definitivamente um retrato mais fiel dos sons que permeiam a sua identidade.
Pop Punk, Emo, chame como quiser…
Em uma época onde até pra elogiar se xinga nos comentários da Internet, é inevitável que gêneros que sempre foram tão marginalizados pelo “roqueiro padrão” virem alvo de críticas, mas como sempre foi e sempre será, o vacilo é de quem deixa passar lançamentos tão interessantes por preconceitos imbecis.
Se lá atrás me perguntavam se os CDs do Green Day vinham com um pirulito, insinuando que as músicas seriam infantis, hoje diz-se que o novo Pop Punk não é “rock de verdade”, e talvez seja melhor assim.
Em Tóxico, Sebastianismos abre os trabalhos com a faixa título e a mensagem repetitiva é bem clara quanto a isso. O retrato de 2021 é estampado logo de cara para, na sequência, ouvirmos “Não Mudaria Nada”, uma celebração da vida como ela é (era?) com participação de Badaui, vocalista do CPM 22.
A partir daí, o disco entra em uma sequência de ótimos sons que passam rapidinho, já que o álbum todo tem 24 minutos e 59 segundos.
Autobiográfica, “SOS” é um som que definitivamente irá se conectar com uma molecada que está lá nos seus 13, 14 ou 15 anos e irá adorar a mensagem entoada por cima de várias guitarras pesadas. É assim que o Rock pode voltar a competir com estilos como Hip Hop e Pop, viu?
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Enquanto “Jogo de Azar” se volta ao indie e ao rock alternativo com baterias de WEKS (Nx Zero), “Cicatriza” é o ápice do álbum, uma canção radiofônica que nos Anos 2000 arrastaria multidões para shows lotados sem qualquer tipo de dúvida.
Em um dos melhores momentos de Lucas Silveira (Fresno) com seus vocais característicos e imponentes, a canção tem um refrão impossível de não grudar na sua cabeça e não fosse a forma como as rádios operam hoje em dia, tocaria por todo Brasil facilmente com adesão de público bem fora do comum. Uma obra prima.
“Todo Dia é o Fim do Mundo” talvez seja onde Sebástian se aproxima mais da Francisco, el Hombre, e o primeiro single do álbum, “Bomba Relógio”, é o retrato do Pop Punk moderno entoado por nomes como Olivia Rodrigo, WILLOW, Machine Gun Kelly e mais.
Outra com potencial radiofônico, tem passagens marcantes na letra como a que mais me toca e diz que “essa cidade é um hospício / tirando selfie à beira do precipício.”
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“Se Nem Deus Agrada Todo Mundo…”
O disco vai chegando ao final com “Se Nem Deus Agrada Todo Mundo Muito Menos Eu” e um dueto de Sebastianismos com Malfeitona, sua companheira e uma das figuras mais divertidas da Internet.
Aqui, o Pop Punk ao estilo blink-182 dá as caras e, mais uma vez, irá se conectar com um montão de jovens que se sentem alienados em um mundo pandêmico. Mais um golaço.
“Indestrutível” é a última faixa e, ao lado de Faustino Beats, o fim chega com uma sonoridade moderna, tão atraente para os fãs de trap de hoje em dia. E é genial que um “disco de Punk Rock” tenha sons assim. É a inversão da lógica. A subversão. A quebra.
Tóxico é um dos melhores discos nacionais do ano, em vários sentidos. Com senso popular, de hits e canções grudentas cheias de refrães, não apenas vai conquistar fãs para o artista como ajudará, sim, a popularizar o Rock And Roll entre a molecada.
E não se engane: é só assim que o estilo irá se reerguer. Sem conexão com o público jovem, pode esquecer, o Rock vai virar artigo de museu.
E enquanto tem gente que nem chegou a apertar o play por estereótipos e preconceitos, de outro lado Tóxico já ultrapassou a marca dos 200 mil plays só no Spotify. Não me surpreenderia nem um pouco se boa parte dessas pessoas estivessem agora mesmo procurando por cursos de guitarra no Google para aprender a tocar essas canções.
Você pode ouvir o álbum, lançado pela Olga Music, em todas as plataformas digitais.