Por Nathália Pandeló Corrêa
No novo disco da banda escocesa CHVRCHES, Screen Violence, Lauren Mayberry tem lugar de fala. A cantora e compositora já esteve do outro lado da tela enquanto pessoa desacreditada, sexualizada e ameaçada por críticos, pelos trolls de internet, por fandoms, pela mídia. Ela estava pronta para dar um tempo do trio de synthpop após quase 9 anos excursionando praticamente sem parar, exaurida física, mental e emocionalmente. Aí veio 2020.
Como principal compositora das letras do CHVRCHES, Lauren sempre teve muito a dizer, mas parece que ela nunca teve tanto a falar e com tanta propriedade. O novo álbum não é sobre a pandemia, mas é imerso em um mundo de ansiedade, medo, solidão, desilusão e arrependimento. As músicas não se propõem a solucionar esses tantos problemas que adquirimos através das telas – o distanciamento, a falta de empatia, a impunidade -, mas vem para provocar e colocar o dedo na ferida, vezes de forma poética, outras de uma maneira nada sutil.
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Embora muito atual, Screen Violence assume orgulhosamente suas influências de décadas passadas – seja na participação de Robert Smith (The Cure) em “How Not to Drown”; seja no remix de “Good Girls”, assinado por ninguém menos que o icônico diretor de cinema, roteirista, ator e compositor John Carpenter.
Mas o que faz de Screen Violence assustador não é a sua sintonia com os filmes de terror exposta logo na capa – o tipo de narrativa em que as mulheres são as presas mais comuns -, mas a conexão com o que vivemos diariamente na internet. Curiosamente, foi através da rede que Lauren, Iain Cook e Martin Doherty conseguiram concretizar seu quarto álbum de estúdio.
Essa dualidade é um dos assuntos que Mayberry comentou com exclusividade ao Tenho Mais Discos Que Amigos mais de um mês antes do lançamento, direto de sua casa em Los Angeles, via Zoom. Além disso, a cantora falou sobre o processo de composição do trabalho (quando seus gatos, estrelas de seu Instagram, permitem que ela use o piano) e algumas das vezes em que seus aguardados shows no Brasil foram marcados, porém cancelados antes mesmo do anúncio.
Confira abaixo!
TMDQA! Entrevista Lauren Mayberry (CHVRCHES)
TMDQA!: Oi Lauren, obrigada pelo seu tempo! Sei que você está correndo com o disco novo saindo, então quero já começar te perguntando sobre isso. Apesar de não ter ouvido ainda, sinto que vocês estão mais maduros agora – e esse é provavelmente o tipo de comparação que fazem desde o disco número 2, mas no sentido de saberem o que querem dizer e como querem soar. Você acha que isso é algo que vem com o tempo?
Lauren Mayberry: Sim, eu sinto que esse disco é mais maduro por ser mais confiante e mais completo, mais certo do que queremos dizer. Talvez isso tenha a ver com a sua maturidade, ou talvez com o momento em que você está da vida. Mas é, daqui a dois anos vai fazer 10 anos que estamos juntos e começamos a banda, e eu tenho 33 anos agora, então tinha 23 quando iniciamos. Você escreve coisas diferentes aos 33 do que aos 23. Mas acho que estávamos dispostos a experimentar mais coisas nesse disco, talvez pelo momento em que todos estavam no último ano. Tentar criar alguma coisa apenas porque precisávamos fazê-lo era algo que não existia mais.
Então não sei… Acho que paramos de colocar tantas regras rígidas. E se libertar significa que você pode escrever melhor. Ou não melhor, mas coisas diferentes, que não nos teríamos permitido fazer antes, se é que isso faz sentido.
TMDQA!: Super. Eu também tenho 33, então sei exatamente o que você quer dizer. Mas olha, quase 10 anos… Vocês estão planejando algo especial pra comemorar?
Lauren: Acho que quando for o aniversário do primeiro disco, talvez a gente faça alguma coisa sim. Teoricamente, quando completarmos esse aniversário da banda, estaremos em turnê, se der tudo certo – dedos cruzados – mas quando eu penso em 10 anos de uma banda, fico tipo “Meu Deus” (risos).
Eu sempre fico surpresa quando coisas incríveis acontecem com o CHVRCHES. Eu fiquei muito maravilhada quando conseguimos um contrato com uma gravadora. E depois quando chegamos ao segundo disco. E a cada marco eu fico “uau, nós conseguimos!” (risos). Então o lance dos 10 anos nos pegou de surpresa, só nos demos conta quando começamos a fazer entrevistas e as pessoas nos perguntaram, aí percebemos “Ok, chegamos a mais uma conquista”.
TMDQA!: E as pessoas continuando ouvindo.
Lauren: Sim. E nós valorizamos muito isso. Uma banda como o CHVRCHES aconteceu por causa da internet. Nós conseguimos um contrato porque muita gente ouviu nossa música no Soundcloud – o que parece estranho falar agora, sobre blogs e Soundcloud.
TMDQA!: Você soa antiga! (risos)
Lauren: Total! Mas sempre foi movido pelas pessoas. Nós esgotávamos shows antes mesmo do contrato com a gravadora, o que é bem louco. Então somos muito conscientes e sortudos por termos isso.
TMDQA!: Com certeza. Mas sonoramente, vocês sempre andam naquela linha tênue entre o que é pop e o alternativo, algo que vocês recalibram a cada disco. Nesse novo trabalho, como foi encontrar esse novo equilíbrio entre essas duas vertentes?
Lauren: Interessante você dizer isso, porque pra mim há tantas canções pop nesse disco quanto tinha no terceiro álbum, só que vestidas de forma diferente. E o conteúdo lírico é diferente, mas talvez com Love is Dead nós nos colocamos pressão demais para fazer um disco que parecesse pop, mas também esse é o lugar onde estávamos naquela época. Não é como se estivéssemos fazendo algo que não acreditávamos, só nos sentíamos mais naquela vibração no momento. E quando chegou agora, não estávamos nada nesse clima!
Talvez como uma reação a já ter feito um álbum tão açucarado. Nós queríamos o açúcar, mas chegamos ao fim dele e só pensamos “Ok, já fizemos isso. E agora, o que fazemos depois?”. E casou que em 2019 tínhamos decidido fazer um novo disco que seria autoproduzido e que seria um pouco mais sombrio e nos comprometemos a passar o último ano fazendo isso. Se tivéssemos pensado em fazer um trabalho mais pop e brilhante, seria mais difícil de fazer nas circunstâncias físicas e emocionais. Acho que nenhum de nós queria fazer música pop dançante.
TMDQA!: Agora, liricamente, sei que você escreve no piano… Quer dizer, quando os gatos te deixam (risos)!
Lauren: É, quando eles deixam, e não é muito frequente (risos)!
TMDQA!: Mas fico com a sensação que você escreve as letras e os rapazes contribuem mais musicalmente. É assim mesmo? E como mudou a parte da composição agora que vocês fizeram remotamente?
Lauren: É, as letras em geral são secundárias à melodia. Então em geral o Iain ou Martin tem uma demo que fizeram separados e trazem para a sessão de gravação, ou estamos todos juntos e eles começam a puxar uma melodia e fazemos um rascunho dela. Se eu consigo pensar em uma letra na hora que se encaixe, eu faço isso, mas em geral a gente fecha a melodia primeiro e depois entra a letra.
Acho que minha experiência desse processo não mudou tanto com o trabalho remoto. Você perde aquela faísca inicial de quando você constrói o esqueleto da música junto, mas se as letras já são escritas separadamente, era só uma versão mais isolada disso. Estou orgulhosa e surpresa de termos conseguido fazer esse disco dessa forma, mas acho que não quero fazer outro assim.
De certa forma, foi algo bom no sentido de não haver espaço para egos ou besteiras, porque todo mundo estava passando por uma experiência profunda de alguma forma ou de outra. Então quando entrávamos no Zoom todo dia ao meio dia, sempre havia algo no ar que não era dito. Não sei, a banda se transformou em algo que era enorme nas nossas vidas, uma coisa incrível mas também uma besta indomável que virou nossas vidas de cabeça para baixo. É uma besta que nunca está satisfeita e sempre pede mais.
Mas ano passado foi algo mais centrado e confortável, porque toda a parte brilhante dos holofotes foi embora e no fim ficaram três pessoas escrevendo músicas, e isso pareceu muito necessário, acho.
TMDQA!: Falando sobre o Zoom, sei que você teve seus altos e baixos com a vida na internet.
Lauren: Todos nós (risos).
TMDQA!: Isso! Mas você acaba tendo isso mais exacerbado por estar mais no olho do furacão! E agora estamos todos passando ainda mais tempo online. De alguma forma isso mudou o jeito como você olha para esse aspecto do trabalho?
Lauren: Bem, eu me sinto sortuda por ter acesso a isso. Com essas tecnologias eu consigo falar com a minha família e amigos, consigo falar com os caras da banda, consigo falar com você, consigo fazer um disco. Tudo isso é importante. Mas antes mesmo de acabar a turnê do último disco eu já tinha feito um check-out mentalmente, certamente das redes sociais.
Eu meio que entendi que as redes sociais pra mim têm que ser uma combinação de mood board e fórum. É legal poder compartilhar coisas de bastidores, coisas que você ama. Mas fico tão consciente com isso que acabo programando antecipadamente os posts, então não fico sentada olhando as respostas chegarem. Acho legal focar em como você pode usar isso para algo positivo, mas certamente já fui sugada pelo vortex em alguns momentos.
Agora prefiro postar sobre uma banda que amo, ou algo divertido dos bastidores da banda, e não interagir com a parte negativa disso. Eu só perdi a vontade de colocar minha cabeça acima do parapeito e também não sei se é a melhor forma de termos discussões importantes.
Houve uma época em que eu não quis usar nada da internet, mas isso é ignorar as coisas boas que ela tem a oferecer. Pode ser um lugar de conexão. Como dizia antes, ano passado as pessoas conseguiram encontrar algum consolo. Então agora estou nesse meio termo em que quero usar para me conectar com as pessoas e me comunicar, mas não confio nela de forma alguma (risos).
Eu até achei que as pessoas iam ficar mais legais ao longo de 2020. Houve um mês em que eu pensei “Ok, isso é horrível, mas talvez todo mundo vai querer ser mais gentil”. Mas aí eu entrei de novo e falei “Não não, todo mundo continua péssimo” (risos). Não todo mundo, mas é aquela faca de dois gumes – pode ser algo muito positivo mas que também amplifica as nossas partes mais feias.
TMDQA!: Nem me fale! Mas eu li na sua entrevista para a NME que você queria dar um tempo, mesmo antes da pandemia. Talvez você estivesse bem esgotada, mas e agora… você está pronta pra voltar pro mundo, com disco pronto, turnê anunciada? Sei que tudo e todos mudaram de alguma forma, mas o que mudou pra você?
Lauren: Acho que foi muita coisa que acontecia na estrada. E estávamos em turnê há uns 8 ou 9 anos de forma bem sólida. Estávamos nessa jornada incrível, mas que às vezes parece uma esteira em que não há espaço para você fazer a sua limpeza emocional, que todos precisam fazer. Especialmente em 2019, teve muitas coisas pesadas acontecendo relacionadas à banda e que foram bem difíceis de lidar emocionalmente. Não quero que as pessoas pensem que sou reclamona, a mulher branca vitimizada, “tenham pena de mim”. Mas…
TMDQA!: Mas vem com seus desafios, certo?
Lauren: Isso. É fácil para as pessoas dizerem “Ah, mas a internet não é real, não se preocupe com isso”. Mas se você acorda todo dia e tem centenas de ameaças de morte, então você não pode dizer pra mim que não é. Porque emocionalmente você processa isso de uma forma específica e pensei “Ok, isso não é legal para um ser humano”. E quando estamos trabalhando, eu fico teimosa. “Não vamos mudar nada, não vamos cancelar nenhum show, só vamos em frente e em frente e em frente”. E quando chega ao fim disso e você precisa parar, há muitas coisas que precisam ser reequilibradas.
Não é que não ame a banda e não seja grata pelo que fazemos, era só o caso do estado mental de um ser humano se tornar insustentável depois de um tempo. Foi bom ter tempo longe disso para recalibrar, porque como pessoa não dá pra viver assim. Mas quando você é escritora, não dá pra escrever nesse estado, senão sobre o que você vai escrever? Não quero só fazer músicas sobre pânico e vingança. Mas também sinto que muito desse período se reflete nas letras do novo disco, então algo de bom saiu da escuridão.
TMDQA!: E dá pra sentir isso. Sei que nosso tempo está acabando, mas tenho uma última pergunta. Estávamos falando de turnê, e… Bem, acho que você já sabe o que vou perguntar.
Lauren: (risos) Sei!
TMDQA!: Isso já está uma vergonha, Lauren! Quando veremos vocês aqui no Brasil?
Lauren: (Sem graça) Eu sei! Me sinto péssima, nós chegamos a marcar três ou quatro shows no Brasil e eles caíram antes mesmo de conseguirmos anunciar. E toda vez eu falo para as pessoas “Não se preocupem, vai acontecer”, e aí não acontece e ficamos parecendo babacas (risos)!
Mas por favor saibam que sentimos muito e queremos muito tocar aí. Se tem algum promotor de eventos lendo isso e que tenha uma oferta real, adoraríamos ir. Somos muito gratos pelo apoio das pessoas online e vemos isso nas estatísticas das plataformas de streaming, fico tipo “como assim?”. Somos sortudos que as pessoas se importam. Vamos fazer isso, estamos trabalhando para isso. Assim que o mundo voltar a um pouco mais normalidade, vamos resolver isso.
TMDQA!: Aposto que quando vocês vierem, as pessoas estarão lá. Ótimo saber que quando a gente posta “Please come to Brazil”, funciona!
Lauren: Sim, funciona! Eu me sinto mal, porque a gente tenta e acaba caindo. Às vezes um show cancela, ou uma turnê inteira. Aí eu fico sem graça, porque eu falo pras pessoas que vamos e depois parece que eu menti. Realmente tinha shows agendados que eu achei que iam acontecer.
TMDQA!: Mas não tem problema, quanto mais o artista demora a vir, mais alto a gente canta.
Lauren: Espero que sim!