A passos largos, o mundo da música está mudando. Em uma equação que balanceia talento com algoritmos, potencial imagético e até com um pouco de sorte, artistas independentes e lançamentos de grandes gravadoras disputam a atenção do público, que tem um gosto cada vez mais específico e rebuscado. É preciso se reinventar sempre, tal como faz a cantora catarinense Jade Baraldo.
Após se consolidar como artista independente, tendo lançado um álbum (Mais Que Os Olhos Podem Ver, de 2019) e várias parcerias ao longo dos anos (de Gabriel, o Pensador a Fresno), Jade assinou com a Warner Music e agora deu entrada a um novo momento em sua carreira. O passo inicial foi dado com o single “Não Ama Nada“, um pop alternativo que fideliza a base de fãs da cantora ao mesmo tempo que tem potencial de atrair ainda mais.
TMDQA! Entrevista Jade Baraldo
“Não Ama Nada” é uma canção pessoal e intensa ao mesmo tempo, que traz sonoridade inspirada em nomes como Rosalía e Beyoncé. A produção “agressiva” ficou por conta de Lucs Romero, que já trabalhou com nomes como Pabllo Vittar e Tuyo.
A canção veio acompanhada por um ótimo clipe, com direção de Dauto Galli. O vídeo mostra a personagem de Jade como uma poderosa e influente anti-heroína. Vale adiantar que qualquer semelhança ou referência ao mundo que envolve Cruella, uma das mais clássicas vilãs da Disney, não é mera coincidência. Afinal, é a personagem favorita da cantora, conforme ela contou durante uma descontraída conversa com o TMDQA!.
O papo também abordou temas como a relação entre gravadoras e músicos independentes, a importância social de um artista e alguns spoilers sobre o que está por vir. Confira na íntegra logo abaixo!
“Sempre preferi as vilãs do que as princesas”
TMDQA!: Na sua visão, o que diferencia a Jade Baraldo de antes da “nova” Jade?
Jade Baraldo: O que diferencia as duas Jades é que a de agora está muito mais madura, muito mais segura de si para o caminho que ela quer seguir. Ela também está muito mais sem paciência, sem tempo para perder. Ela vai explorar muito essa dualidade que é o bem e o mal, essa coisa de ser patricinha e, ao mesmo tempo, ser underground. Então, eu vou brincar muito com isso a partir de agora com várias personagens.
TMDQA!: Essa discussão de vilão e anti-heroi é uma coisa muito rica, né? Antes, a gente tinha aqueles vilões unilaterais, maus simplesmente por serem maus. Agora, de uns tempos pra cá, a gente tem visto cada vez mais vilões com mais camadas, e aí entra um pouco a coisa do anti-herói. Várias séries e filmes têm se aprofundado em seus vilões, fazendo com que a gente se identifique com eles. Você tem algum vilão favorito?
Jade: Eu, particularmente, sempre preferi as vilãs do que as princesas [risos]. Sempre me identifiquei mais com elas. A minha vilã favorita, desde muito novinha, sempre foi a Cruella. Tem ela, a Malévola (“A Bela Adormecida”) e a Yzma (“A Nova Onda do Imperador”). Uma curiosidade que eu descobri foi que quem dubla a Yzma no filme é uma atriz-cantora que eu amo demais, a Eartha Kitt. Ela interpretou uma das primeiras vilãs que existiu: a Mulher-Gato. Isso me fez pensar que eu realmente nasci para ser uma vilã [risos]. Mas a Cruella é a minha favorita em todos os sentidos, por ela ter esse lado “Paty”, nojenta e muito sarcástica ao mesmo tempo. Ela meio que tira com a cara de todo mundo. É uma coisa divertida e meio doida. Eu gosto muito dessa confusão.
TMDQA!: Qual foram as principais inspirações para esse clipe? O vídeo certamente me passou uma vibe meio Cruella, mas eu percebi que ali não é só uma personagem. Percebo que a verdade da Jade está ali e que ela está falando por si mesma. Como foi trazer essa e outras referências que você usou na construção do personagem?
Jade: Bom, eu não pensei em nenhuma história específica. Eu pensei em passar a mensagem mesmo. O mais importante para mim é passar a mensagem para todos. Foi isso que eu pensei. Uma coisa que eu aprendi é essas pegadinhas e essas armadilhas sempre vão se revestir e ter uma capa diferente todas as vezes. Vai parecer a mesma situação, para ver se você aprendeu a se defender daquilo, sabe? Eu acho que o melhor de tudo, na verdade, é você estar consciente daquilo e usar a sua versão mais clean, sabe? Então, eu começo atraindo as pessoas para essa Jade aqui como se fosse uma armadilha, do tipo “Vem cá, a Jade agora virou pop”. Depois, eu vou passar uma mensagem que é muito forte, tentando juntar um “360” e transparecer algo, essa coisa desse grito, essa necessidade de ser ouvida.
“É foda quando você vê que você não está fazendo aquilo só por você”
TMDQA!: Acho que, até pelo clipe, dá para perceber isso. Toda obra de arte é passível de interpretações diferentes, mas eu sinto que, além da questão do empoderamento feminino, existe uma pauta contra o machismo no trabalho em si. Eu queria saber mais como está sendo a repercussão da faixa. O que você tem ouvido dos seus fãs, especialmente das mulheres?
Jade: Eu fiquei muito emocionada. Acho que tem a ver com a força que essa música tem e com o momento em que eu a lancei. É engraçado que a gente fica em uma correria tão grande de pré-lançamento e de preparação que a gente não consegue parar para pensar naquilo que está sendo dito. É como se eu me desumanizasse, para que eu pudesse chegar como produto. Então, isso não chega nos meus sentimentos. Depois, quando eu lancei e prestei mais atenção, eu comecei a chorar, chorar e chorar. Ao mesmo tempo, o mesmo aconteceu com a minha mãe. A gente se ligou na hora, lembrando da nossa história e tudo mais. Choramos muito juntas.
O dia inteiro do lançamento foi muito emocionante. Eu acho que eu nunca chorei tanto assim. Essa música é muito forte e tem um significado muito importante para mim. Ao longo do dia, eu fui recebendo muitas mensagens de fãs que me fizeram chorar igual a uma criança. Eram mensagens do tipo “Jade, eu sofro abuso desde os 8 anos de idade pelo meu pai e, escutando suas músicas, finalmente tomei coragem para sair de casa”. Não tem como você não chorar. É foda quando você vê que você não está fazendo aquilo só por você, né? Está fazendo isso para muitas outras pessoas e acaba as ajudando. Essa é a parte mais bonita do meu trabalho. Independente de números e de qualquer coisa, o que mais me motiva, me emociona e me impulsiona é esse feedback que eu recebo.
TMDQA!: Você, com isso, basicamente está falando o que muitas pessoas querem e até precisam ouvir. O próprio vídeo que você divulgou no Instagram, com várias mulheres falando “Não Ama Nada”, prova essa força.
Jade: É importante também falar o que você mesmo precisa ouvir. É muito engraçado porque eu comecei a fazer música por causa disso. Eu não conseguia me expressar. Eu não conseguia falar e eu tinha muita coisa para falar. Então, quando eu comecei a escrever e botar para fora, as pessoas começaram a se identificar com aquilo e entender o que eu estava sentindo de certa forma. É muito legal.
“O independente é muito legal para aprender como se faz as coisas”
TMDQA!: Essa nova Jade também está por trás de uma gravadora grande, o que é uma mudança brusca para você. Eu queria saber mais sobre esse como está sendo esse novo momento. O que está sendo notavelmente mais diferente para você? Quais estão sendo seus maiores desafios e os maiores prazeres?
Jade: O mais prazeroso é eu estou conseguindo realizar tudo que eu quero fazer. Isso está sendo incrível para mim, muito mais tendo a liberdade artística que eu tenho. Ter as regras da minha carreira e da minha vida na minha mão está sendo inexplicável. É um sentimento de realização muito grande. Eu sei que eu estou no meu caminho e, graças a Deus, todo mundo apoia minhas ideias, até porque eu tenho umas ideias muito doidas [risos]. Eu estou muito feliz com toda a equipe com a qual estou trabalhando. Não tenho o que reclamar.
TMDQA!: De uns tempos para cá, com o avanço de artistas independentes, as gravadoras perderam um pouco o controle sobre efetivamente “lançar um artista”. Hoje, elas recorrem muitas vezes a artistas já consolidados no cenário independente. Como se deu esse contato? Você ficou surpreendida?
Jade: Eu sempre sonhei em ser grande, alcançar mais pessoas e levar a minha mensagem para mais pessoas. Conscientemente, eu não esperava esse convite, mas eu acho que, de certa forma, eu atraí isso. O independente é muito legal para aprender como se faz as coisas. Hoje, graças à minha trajetória, eu tenho muito domínio daquilo que eu falo e faço. Então, eu sinto que passei por uma escola muito boa, onde eu consigo ter esse lugar de fala com muita propriedade para buscar o que eu quero. Se alguém de dentro da gravadora, por exemplo, chegar pra mim e falar que o que estou fazendo não está legal, eu vou ter argumentos para justificar meu ponto de vista.
Fiquei quatro anos na Altafonte e eu amo todo mundo de lá. Fazem parte da minha história. Só que pegou um momento em que eu via que eu tinha uma barreira e eu não conseguia passar dela, sabe? E é aí que entra o romantismo do independente. É claro que cada carreira tem o seu tempo e que cada um tem seu caminho e a sua sorte, mas eu vi que, sendo independente, eu não alcançava alguns caminhos nos quais a gravadora tem uma entrada muito grande. Meu único medo era de perder a minha liberdade artística e ser transformada em algo que não sou. Mas fico feliz porque eu tenho bastante liberdade artística. Eu realmente estou muito feliz. Eu sou muito respeitada e as pessoas realmente acreditam. Foi a escolha mais sábia que eu pude fazer nesses últimos tempos.
TMDQA!: Ouvir você falar isso é muito bom. A maior crítica que fazem normalmente a esse cenário é a possibilidade de um artista “se perder” e ser rotulado como “vendido” por conta disso. O fato de você não ter feito uma mudança brusca no seu posicionamento artístico é uma prova de que não houve essa radicalidade na sua transição. É bom e até inspirador saber que você ainda tem o controle.
Jade: Eu acho que o mais importante para qualquer pessoa é saber se posicionar. É muito importante a gente estudar o que a gente está fazendo para a gente ter propriedade no que a gente está falando, né? É preciso ter jogo de cintura, tem que entender de comunicação também para entender a função de cada pessoa. Tem que ter, sim, uma certa empatia com a equipe toda, porque todo mundo está fazendo o corre. A ideia é não deixar fazerem com a gente o que a gente não é, e isso vale para qualquer lugar de trabalho.
TMDQA!: Sim! Isso de certa forma diferencia o cenário. Quando uma gravadora pega um artista cru, ela tem que realmente moldar o artista. No caso de artistas independentes, a gravadora lida com alguém que já tem experiência e bagagem. É preciso se adaptar a cada caso.
Jade: É um aprendizado mútuo, porque muita coisa mudou no mercado e continua mudando. Então, eu acho que nivelou muito este lugar de fala. A gravadora é obrigada a escutar o artista independente que já vem de uma história e que já teve um percurso. Acho que, muito por isso, eles têm muito respeito por mim, e eu por eles, porque eu me propus a fazer isso. Acho que vai ser uma grande faculdade para minha vida e para minha carreira estar em uma gravadora e pensar junto com ela.
“Quero chegar ao máximo possível de pessoas”
TMDQA!: Eu queria saber também quais são as suas expectativas para essa nova era. Como a gente estava falando, entrar em uma gravadora dá um maior impulsionamento para um artista e faz com que ele alcance mais pessoas.
Jade: Eu acho isso muito mágico. A minha expectativa, na verdade, é que, quanto mais longe a minha mensagem chegar, mais feliz eu vou estar. Esse é o meu lema. Voltando ao que eu tinha falado, eu não estou vendendo simplesmente uma personagem. O que eu estou falando vem de dentro e é uma mensagem muito forte que, para mim, vai além do trabalho. Por isso, eu me sinto muito realizada. Quero chegar ao máximo possível de pessoas e vê-las conhecendo meu universo e se identificando com ele. Acho que é uma grande troca do público com o artista, porque eu aprendo com eles e eles aprendem comigo. É bem gratificante.
TMDQA!: Você pode adiantar o que que vem por aí? Você já planeja o lançamento de mais singles, de um EP ou álbum?
Jade: Cara, só esse ano vai sair uma cambada de singles! Álbum, neste ano, não vamos ter. Vamos deixar para o ano que vem. Mas já existem muitas, muitas músicas. A questão é mais a organização para o álbum, mas talvez vamos deixar para o ano que vem. Os próximos passos são várias facetas da Jade. Enfim, não vou mais dar spoiler [risos].
TMDQA!: Você tem no seu currículo diversas colaborações com artistas grandes. Agora, assumindo que você ficará cada vez maior e que você poderia escolher alguém para um “feat”, quem você acionaria?
Jade: É muito safadinha essa pergunta [risos]! Tem uns nomes que eu gosto mesmo considerando que a minha realidade tem uma sonoridade e uma proposta diferente. Gosto muito da AZZY. Também gosto muito da Luísa Sonza, que lançou esse último disco incrível. Adoro o Xamã e, apesar de já ter trabalhado com ele, gostaria muito de fazer uma música. Por enquanto vou dar esses nomes só [risos].