É difícil imaginar como a introversão pode fazer parte da vida de uma artista que sobe em grandes palcos ao redor do mundo e entrega algumas das performances mais poderosas do planeta. Para Little Simz, no entanto, esse é o grande superpoder que ela resolveu expor em seu mais novo disco.
Sometimes I Might Be Introvert chegou nesta sexta-feira (3) transformando o já impressionante currículo da britânica em algo ainda mais especial, já que as 19 músicas que compõem o trabalho passeiam por direções que vão desde a grandiosidade de um Rap orquestrado pra lá de único até reconexões com suas raízes africanas de uma maneira genuína, de quem está experimentando tudo que pode com sua música.
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Para além da mensagem poderosa das letras, Little Simz entrega no seu novo álbum um recado de que chegou para ficar em um cenário que precisa urgentemente de mais artistas como ela própria: apaixonada pela sua arte, disposta a fazer absolutamente tudo para alcançar o resultado de sua visão criativa.
Você pode ouvir a obra na íntegra ao final da matéria e, logo abaixo, confira um papo exclusivo do TMDQA! com a excelente artista!
TMDQA! Entrevista Little Simz
TMDQA!: Oi, Simbi! Como estão as coisas por aí?
Little Simz: Oi! Tudo certo por aqui. O tempo está melhorando, é um bom começo. Me sinto bem.
TMDQA!: Primeiramente, parabéns pelo novo disco. Me surpreendeu de tantas formas positivas. Ele soa tão ambicioso e ao mesmo tempo que soa complexo, é bem agradável. Acho que a primeira música é logo um ótimo resumo de como ele funciona, por ser tão grandiosa e também profunda, bem pessoal e íntima. Como foi trabalhar esses extremos, de grandiosidade e introversão?
Simz: Foi super legal, cara. Eu meio que literalmente só fui pro estúdio e o que quer que estivesse me inspirando na época era meio que o que eu estava deixando sair. E eu não queria… em relação ao meu último álbum, obviamente há algumas expectativas e as pessoas esperam que eu vá em uma certa direção ou acham que vai soar como uma área cinzenta ou qualquer coisa assim, mas eu realmente tentei só trazer tudo isso e mergulhar de cabeça e criar livremente.
E isso, pra mim, significa ser super experimental e tentar coisas diferentes e trabalhar com sons diferentes. Ainda que seja muito enraizado no Hip Hop, eu ainda queria testar coisas diferentes — seja Jazz, Funk ou Afrobeat, o que fosse — e queria que soasse coeso com meu corpo de trabalho.
TMDQA!: E ficou incrível. E nessa mesma música você fala sobre uma guerra interna, o que me remeteu não só à letra mas ao instrumental dela. Dá pra dizer que é uma representação de como essa guerra interna funciona pra você?
Simz: Sim, com certeza. Acho que o fato da música ser tão grandiosa e ao mesmo tempo chamada “Introvert” é uma justaposição bem legal, sabe? Sou eu encontrando o poder através dessa introversão, enxergando isso como se fosse um tipo de superpoder ao invés de uma fraqueza, o que eu acho que eu provavelmente passei boa parte da minha vida sentindo como se fosse meio que uma fraqueza.
Foi bem legal fazer isso, especialmente na primeira música do álbum. Acho que ela te prepara para o que resto do álbum vai ser.
TMDQA!: Falando do resto do álbum, dá uma sensação de que a segunda metade dele — em especial em uma música como “Point and Kill” — é muito focada na conexão com as raízes africanas, e até vi que você falou sobre isso em outras entrevistas. Isso foi uma coisa recente pra você ou você já tinha esse contato com o Afrobeat e tudo mais desde antes?
Simz: O Afrobeat sempre tocou na minha casa, sempre. Desde que eu era bem jovem. E, sabe, minha família sempre me manteve conectada com as raízes, eles tiveram uma conversa comigo. E toda essa coisa sem dúvidas foi parte do meu crescimento, mas eu acho que eu só me senti mais confortável em mostrar isso nesse álbum porque eu estava sendo tão livre, sabe? Ao invés de ficar presa em um estilo só. E eu também quis me desafiar um pouco, o que é algo que eu gosto de fazer em todos os projetos. Foi super divertido trabalhar com isso.
TMDQA!: Deve ter sido divertido mesmo brincar com essa coisa de fazer uma música tão grandiosa como “Introvert” e algo tão diferente como “Point and Kill” no mesmo disco.
Simz: Sim, com certeza! Até, tipo, o fato de… obviamente o último ano teve a pandemia, e o álbum foi feito durante quatro meses, no lockdown e tudo mais. E foi super interessante. Eu via tanta incerteza no mundo que eu pensava que queria colocar pra fora tudo que eu pudesse logo, porque eu não sabia o que ia acontecer, sabe? E isso me deixou mais livre.
Reflexões internas e passagem pelo Brasil
TMDQA!: Outra música que me chamou muita atenção foi “How Did You Get Here”. Ela meio que parece uma conversa consigo mesma, né? Refletindo sobre o caminho pra chegar até onde você está hoje.
Simz: Sim, eu acho que por tudo ter acontecido tão rápido desde que eu entrei na música eu não havia parado para processar a jornada, ou o que eu fiz para chegar até esse ponto, conquistar o que eu conquistei. Então, pra mim, esse foi só um momento no álbum em que eu tentei refletir sobre literalmente como eu cheguei aqui, na esperança de que isso pudesse inspirar outra pessoa, entende?
TMDQA!: Sim! É curioso que de certa forma esse disco inteiro parece uma grande reflexão interna, salvo alguns momentos aqui e ali. Como se talvez você finalmente tivesse a maturidade e o tempo pra entender onde você se situa como artista e como pessoa e resolveu expressar isso.
Simz: Sim, sem dúvidas! Em todo projeto eu sinto que tenho que ser sábia e olhar pra mim mesma. E nem sempre é a coisa mais fácil a se fazer mas eu acho que é super recompensador. E eu consigo ver o meu crescimento pessoal, como artista e como pessoa, dentro desse processo. Então é bem legal.
E ao mesmo tempo é bom estar em um lugar seguro para trabalhar com isso. Eu estava trabalhando com o Inflo [produtor] e ele definitivamente me empurra na direção certa, e eu o empurro também, e isso realmente nos ajuda a cultivar esses bons resultados.
TMDQA!: Legal! Queria saber, claro, sobre a música “Rollin Stone”. Você menciona São Paulo e o povo brasileiro naturalmente adorou — a gente gosta muito quando vocês falam daqui. [risos] Mas fiquei curioso porque logo de cara o verso diz que você estava em SP e “não acreditava nos seus arredores”. Você ficou impressionada com a cidade ou com o fato de estar no Brasil, tocando em um grande festival?
Simz: Acho que foi mais o fato de que uma garota de Islington, em Londres, chegou na América do Sul e estava se apresentando. Antes de estar nessa parte do mundo, eu acho que não pensava que a minha música poderia emigrar assim, entende? Chegar lá e me sentir tão bem recebida, tão amada, foi tipo, “Uau, isso é incrível”. E ver as coisas também! Eu vi tanta coisa, tanta gente legal, foi muito bom.
TMDQA!: O que mais você conseguiu ver aqui no Brasil?
Simz: Eu fui em uns restaurantes muito legais, fui a algumas festas. E foi isso, basicamente. Eu fui a uma livraria muito legal também — acho que era uma das maiores livrarias [de São Paulo], o que foi bem legal. Eu queria ter tido mais tempo, espero que na próxima vez seja possível.
TMDQA!: Espero também! E você conseguiu ver a reação das pessoas por aqui quando lançou essa música? Porque, pelo visto, muita gente teve um dia bem especial nesse show.
Simz: Foi muito especial! E todo esse amor, como você falou, por mais que eu não esteja aí nesse momento eu ainda consigo senti-lo online ou qualquer coisa assim. Eu definitivamente senti que havia muito amor por mim; sempre houve muito amor por mim no Brasil, para ser específica, em São Paulo. Acho que eu só quis devolver isso um pouco, mostrar que aprecio isso. Esse ponto da minha vida foi tão importante e eu estava no Brasil para isso, sabe?
Eu acho que foi em 2019, né? E foram alguns dos últimos shows que eu fiz [por conta da pandemia], então foi uma época muito importante antes de entrar em um lockdown e não poder estar em um palco por dois anos… eu sempre vou lembrar desse tempo no Brasil.
TMDQA!: É uma coisa boa para se manter agarrada, né.
Simz: Exatamente. E me faz ter vontade de voltar também.
A jornada de Sometimes I Might Be Introvert
TMDQA!: Voltando ao álbum, há uma mistura bem interessante na produção com vários elementos orgânicos como as orquestras, o baixo, enfim, e também vários elementos eletrônicos. Qual foi seu envolvimento nessa parte do processo? E como você decidia qual era a hora de usar cada coisa?
Simz: Eu fiquei bem envolvida! Estava em todas as sessões quando os músicos da orquestra vieram tocar para gravar as suas partes. E foi uma experiência super interessante, só de estar ali vendo tudo isso acontecer e pensar, “Uau, isso é música de cinema mas esses caras estão tocando para o meu álbum”. Foi muito surreal.
E eu tive uma participação no sentido de escolher o que a gente podia fazer e onde podíamos implementar cada coisa, mas nós tivemos uma equipe criativa muito boa, desde os engenheiros até os músicos especiais; além de mim, claro, e do Inflo. Tinha ainda o pessoal dos arranjos das cordas, enfim, foi um processo bem colaborativo e é isso que eu amo fazer. Eu amo colaborar; pra mim, a melhor ideia sempre vence.
TMDQA!: E esse provavelmente foi o maior orçamento que você já teve, né. Foi a primeira vez que você sentiu que realmente tinha essa liberdade pra fazer o que você queria, colocar cordas e tudo mais?
Simz: Sim, foi definitivamente… não barato. [risos] Mas isso é legal, também. Tipo, toda a música que eu fiz até esse momento foi muito DIY [do it yourself, faça você mesmo] porque eu tinha que conter o orçamento ou só gravar em casa ou qualquer coisa assim, então só de ter a liberdade de fazer o que eu quisesse foi muito bom.
Em especial ter todo mundo confiando na minha visão, confiando que é tudo pelo bem maior de fazer uma grande arte.
TMDQA!: Sim! E só deixando claro, obviamente isso foi um elogio. Não foi do dia pra noite que as coisas caíram do céu, né? Você trabalhou duro pra que as pessoas confiem na sua visão e te deem essa liberdade. Deve ser uma sensação ótima.
Simz: É demais!
TMDQA!: Li em uma outra entrevista sua que “Standing Ovation” era sua música preferida do disco. Ainda continua sendo ou você mudou de ideia?
Simz: Não mudei, “Standing Ovation” ainda é minha preferida nesse momento! Eu realmente amo o arranjo, amo o quanto ela é grandioso, amo o que eu digo nessa música e as mudanças que acontecem, ela ser quase um hino e de repente muito cheia de alma, tendo um sentimento bom, mais leve no meio. Acho que é uma música legal.
TMDQA!: Foi uma das minhas preferidas também! Queria falar um pouco sobre os interlúdios também, porque acho que eles são fundamentais pra transformar o disco em uma experiência completa, uma jornada. Quão importante foi pensar neles e como foi esse processo?
Simz: Os interlúdios são super importantes nesse álbum, por ele ser tão longo — são 19 músicas — e só ter 2 participações especiais. Então há muito de mim nesse álbum, e eu achei que seria legal ter pontos onde ele meio que “quebra” e eu deixo outra pessoa meio que direcioná-lo, de certa forma.
E ao mesmo tempo isso acaba fazendo com que ele seja uma experiência visual, além de auditiva, com as cordas e com a forma dos arranjos e tudo mais. E meio que deixa essas partes para que o ouvinte use sua imaginação ou algo do tipo, para entenderem o que o interlúdio significa pra eles. Mesmo que estejam em uma jornada, em uma história, eu ainda queria que eles falassem com as pessoas diretamente na esperança de que alguém pudesse se identificar.
TMDQA!: E eu queria dizer que “The Rapper That Came to Tea” fez exatamente isso pra mim. Foi uma experiência visual, me senti transportado para um filme da Disney do nada. [risos] Foi bem legal. E bom, você falou sobre o disco ter 19 músicas, algo que a gente não vê tanto hoje em dia. Você sentiu necessidade de ter todas essas para expressar tudo que precisava?
Simz: Sim, exatamente isso. Eu provavelmente não vou fazer um disco desses de novo, e certamente não vejo problemas nisso. E eu acho que só, tipo, ter essa liberdade dessa vez de fazer tantas músicas assim — mesmo que o tempo de atenção nos dias atuais seja, em geral, menor do que 19 músicas em um disco e as pessoas não vão absorver todas de uma vez, eu sabia que eu tinha que encontrar uma forma de manter as pessoas engajadas, porque é uma audição longa.
E não só é uma audição longa, como tem muita coisa acontecendo, entende? Então eu queria ter certeza de que há um alcance por ali, para que você não sinta que está ouvindo a mesma música repetidas vezes. Você está recebendo coisas diferentes a cada música que ouve.
TMDQA!: Quando você estava montando tudo, quão difícil foi achar o lugar certo para cada coisa no álbum?
Simz: Foi definitivamente desafiador, mas eu acho que conforme a gente foi fazendo as músicas ele foi ganhando forma sozinho. Eu não sei, acho que às vezes as coisas só acontecem sem intenção mesmo e você meio que só deixa rolar. Então, por mais que haja muito pensamento por trás de tudo, às vezes as coisas só acontecem, sabe? E só fez sentido pra mim.
Então, eu acho que teve sim um trabalho para fazer com que a primeira metade fosse mais uma história e, na segunda metade, uma coisa mais dançante, mais cheia de energia, esse tipo de coisa. Só encontrando uma variação nas vibes.
Clipes, Gorillaz e retorno aos palcos
TMDQA!: E, novamente, funcionou. Queria falar também sobre os clipes do disco, em especial o de “Introvert” que ficou realmente fantástico. Quando você está fazendo essa parte do trabalho, você acha que o fato de ter trabalhado como atriz te ajuda na hora de pensar nas ideias, no que vai ser o clipe? Como esses mundos se conectam pra você?
Simz: Com certeza ajuda! É super divertido poder estar ao mesmo tempo na música e na atuação, e acho que eles dois se complementam de certa forma. Mas esses vídeos em especial eu queria que fossem só… grandiosos. E que fizessem jus às músicas.
“Introvert” foi super divertido. A gente gravou tudo em um período de dois dias e tinha muita coisa acontecendo, mas a gente realmente estava determinado a fazer acontecer. E eu trabalhei com um diretor com quem eu já tinha trabalhado como atriz, então ele entende de história, ele entende de narrativa, ele entende como mostrar isso através das lentes.
TMDQA!: Queria voltar no tempo alguns anos agora, quando você colaborou com o Gorillaz. Você sente que foi um ponto de virada na sua carreira? Não necessariamente pelo Gorillaz em si, mas por ser algo que foge do seu nicho. Te ajudou a perceber que você poderia ir além de onde você estava, “furar a bolha”, por assim dizer?
Simz: Sim, com certeza. Eu cresci ouvindo o Gorillaz, tá ligado? Poder trabalhar com eles e com o Damon [Albarn] foi super incrível, foi uma experiência realmente maravilhosa. Eu aprendi tanto, em especial com o tanto que eles experimentam nas suas músicas e até mesmo nas apresentações ao vivo, há tanta coisa envolvida nisso.
E isso realmente me inspirou bastante dali pra frente. Só, sabe, com o quão implacável o Damon é — ele não tem medo de nada, e ao mesmo tempo é tão colaborativo, gosta de tentar novas coisas e tentar novos estilos e eu acho que isso é ótimo. Acho que isso é ser um artista de verdade. Eu definitivamente aprendi e cresci muito com essa experiência, foi uma parte importante para eu chegar onde estou agora.
TMDQA!: Bom, e as coisas estão reabrindo aí no Reino Unido, né. Como você está enxergando tudo isso? Ainda está tudo muito incerto, né? [Nota: a entrevista foi feita em Julho]
Simz: Eu estou empolgada, eu estou muito empolgada na verdade. Eu mal posso esperar para voltar aos palcos, ver a plateia, tocar minhas músicas ao vivo para as pessoas. Em especial tocar essas músicas novas ao vivo, é algo que me deixa realmente ansiosa porque quero ver as reações das pessoas. Acho que vai ser divertido.
Meu primeiro show vai ser nesse final de semana, e eu espero que corra tudo bem. Estou realmente empolgada.
TMDQA!: Legal, ficamos na torcida aqui também! Simbi, muito obrigado pelo seu tempo. Se quiser, deixa uma mensagem pro pessoal do Brasil e até a próxima!
Simz: Cara, eu só quero dizer um grande obrigado a todo mundo que continua me apoiando e garanto que o amor de vocês definitivamente não passa despercebido. Eu o sinto o tempo todo, e eu mal posso esperar para voltar a São Paulo, ao Brasil, tocar essas músicas ao vivo. Espero que todos possam estar lá!