Goste ou não, a estética saudosista tem sido revivida cada vez mais por uma indústria musical que ocasionalmente busca encontrar no passado um conforto para os dias atuais. Mas, em meio a tantas bandas do gênero, o duo holandês Feng Suave realmente se destaca — e muito.
Desde o lançamento de seu primeiro EP autointitulado em 2017, Daniel de Jong e Daniel Elvis Schoemaker ganharam notoriedade por suas canções que unem inspirações de nomes mais comuns ao Rock, como os Beatles, a influências do Soul de artistas como Bill Withers e Ray Charles.
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Em seu mais recente lançamento, o EP So Much for Gardening, a dupla dá mais um passo na direção certa e foge dos clichês ao mesmo tempo em que abraça a estética sessentista e setentista sem qualquer vergonha.
Você pode escutá-lo ao final da matéria e, abaixo, conferir uma conversa exclusiva do TMDQA! com Daniel de Jong sobre esse novo trabalho!
TMDQA! Entrevista Daniel de Jong (Feng Suave)
TMDQA!: Oi, Daniel! Primeiramente, queria te agradecer pelo seu tempo e te parabenizar pelo novo EP. O mais legal de tudo, pra mim, é o quanto ele fez com que eu me sentisse bem. Ao mesmo tempo, ele tem uma vibe muito pacífica e que faz você se sentir, sei lá, simplesmente bem. É algo que vocês realmente buscam quando estão compondo?
Daniel de Jong: Olha, eu não sei… eu acho que, em geral, a gente tenta — pelo menos no último EP e nesse agora — a gente tenta fazer com que cada música tenha pelo menos duas emoções, se é que você me entende. Então, não é como se tudo fosse apenas triste ou apenas feliz ou tudo só, sabe… meio que faz com que seja mais complexo e mais parecido com a vida real, já que raramente há um momento em que você esteja só feliz ou só triste. Sempre há algo além daquela única emoção, presa naquele momento, e nós tentamos isso com a música também.
Eu acho que… eu ouço isso muito das pessoas, de que elas se sentem muito felizes e muito tranquilas, mas… [risos] a verdade é que as músicas não necessariamente são muito felizes, quando eu paro pra pensar. Tipo, às vezes são. Elas podem ser. Elas são bem românticas, isso é verdade, mas a gente em geral escreve letras que contrastam bastante. As músicas soam muito felizes, mas as letras não são tanto e isso é bem engraçado pra gente. A gente curte fazer isso.
TMDQA!: E isso é algo realmente perceptível, porque no meio de uma música feliz vocês estão ali criticando o capitalismo. [risos] É algo que vocês fazem intencionalmente para contrastar?
Daniel: A música sempre vem primeiro pra gente. A gente pode ter uma ou duas frases que curtimos e queremos colocar em alguma música, mas a gente nunca tem uma letra completa antes de escrever uma música, é sempre o contrário.
Então, sim, quando uma música é superficialmente muito feliz — como é o exemplo de “Come Gather ‘Round” —, a gente meio que sente que funciona muito bem balancear isso com letras que não são tão felizes. E também é só bem engraçado, porque quando você meio que não ouve a música direito — ou não ouve a letra direito — você tem um sentimento bem diferente com ela. E isso também ajuda a incorporar diversos sentimentos diferentes em uma única música.
Tipo, quando você escreve uma música muito pesada com uma letra muito pesada sobre o capitalismo, pode ser que seja um pouco demais para engolir. Nesse sentido, meio que também ridiculariza a ideia e mostra que você não se leva tão a sério assim. Tipo, a gente não sabe a resposta para todas as questões acerca do capitalismo, sabe? [risos] A gente não planeja saber isso.
TMDQA!: E falando sobre essa parte instrumental, sinto que vocês têm muitas influências do passado, claro. É impossível ouvir “Come Gather ‘Round”, por exemplo, sem perceber uma inspiração nos Beatles. Quão desafiador é fazer com que isso soe como algo único, sem que pareça ser simplesmente algo igual às suas inspirações?
Daniel: [risos] Essa é uma pergunta engraçada, porque a gente realmente tenta soar exatamente como os Beatles. A gente só não conseguiu. [risos]
TMDQA!: [risos] Mas ninguém consegue, tá tudo bem!
Daniel: Não, não mesmo! A gente realmente tentou fazer com que essa música fosse o mais “vintage” possível, mas sempre vai soar como… não sei, com exceção das letras, que são bem século 21, claro, no sentido de que, não sei, há muito humor dos dias atuais nessas letras. E a minha voz, que eu sinto que não soa como se fosse dos anos 70. Mas, fora isso, a gente realmente tenta manter tudo o mais anos 70 possível. Mas é impossível.
TMDQA!: Quando vocês gravam, vocês tentam gravar dessa forma também, com fitas e tudo mais?
Daniel: Sim, para esse disco nós tocamos tudo ao vivo e na fita. Mas foi a primeira vez, nós não tínhamos feito isso antes e foi meio que uma experiência de aprendizado. Foi muito divertido, mas ao mesmo tempo também te dá muito mais respeito pelos artistas do passado, porque você tem um número limitado de faixas. Então nós tivemos que fazer, tipo, os backing vocals no computador.
Ou seja, eventualmente nós tivemos sim que usar um computador porque simplesmente não havia faixas suficientes. Se não, teríamos que ter exportado tudo muito no começo e… é um processo muito estranho, e faz com que você tenha muito mais respeito ao pensar que uma música como, sei lá, “Bohemian Rhapsody” foi gravada na fita, sabe? Com todas aquelas faixas ali. Você tem que ser um gênio para fazer algo assim, é maluquice.
TMDQA!: Você e o outro Daniel são, tecnicamente, os únicos membros da banda. Mas há muito mais gente envolvida, né? Quando se trata do processo de composição, vocês escrevem tudo ou as outras pessoas participam também?
Daniel: Bom, essencialmente escrevemos tudo. Mas a gente recebe, sim, alguma ajuda dos membros da nossa banda de vez em quando. Em uma música ou outra você vai vê-los nos créditos como compositores, porque temos dificuldade em finalizar músicas.
Para essa música que soa como os Beatles, nós trabalhamos com um cara chamado Vince, que teve uma ideia para um refrão que nós realmente curtimos. Então nós pegamos o refrão dele e fizemos o resto da música ao redor disso.
TMDQA!: Uma coisa que eu acho engraçado é que vocês provavelmente não estavam vivos nos anos 70. [risos]
Daniel: É, não. [risos]
TMDQA!: A ideia de abraçar essa estética vinculada a essa época foi mais pela música em si ou ela vem com um fator de nostalgia, apesar de você não ter efetivamente vivido esses tempos?
Daniel: Há um elemento de nostalgia, sim. Porque eu sinto que, nos anos 60 e 70, havia muitos acidentes felizes, sabe? [risos] Tipo, com muitos artistas que transicionaram dos anos 70 para os anos 80, eu passei a não gostar mais das produções deles nos anos 80. Então, eu sinto que as coisas nos anos 70 eram perfeitas para os meus ouvidos, no sentido de gravação.
E há também coisas como, sabe, Pet Sounds [dos Beach Boys] e Abbey Road [dos Beatles], que são grandes marcos da indústria e que foram feitas de maneira genial. Mas mesmo as coisas que não foram geniais, nos anos 60 e 70, também vão ter meio que esse som que eu realmente curto e várias outras pessoas também.
TMDQA!: Outra música que também me chamou atenção foi “Show Me”, que também tem esse contraste que falamos em “Come Gather ‘Round”. Ela trata de uma dor emocional mas, ao mesmo tempo, é uma música que faz com que o ouvinte se sinta, sei lá, abraçado. Como você lida com isso, de colocar no papel coisas tão pessoais?
Daniel: Eu não sei se chega a me ajudar a lidar com essas dores emocionais, mas eu tenho tido dificuldades para encontrar palavras para descrever o tipo de sentimento que estou tentando descrever naquela música sem ser tão literal. Porque, em geral, quando eu escrevo letras — o Dan, o outro Daniel, é quem escreve letras melhor, mas essa faixa fui eu quem escrevi porque ela é muito querida para mim, muito pessoal.
Mas eu sempre tenho dificuldade em escrever algo que não seja simplesmente uma afirmação do que é o problema. Sabe? Tipo, “Eu sinto isso, então eu quero fazer isso”. Eu meio que queria fazer algo um pouco mais abstrato, que não fosse tão na cara e que fizesse com que as pessoas sentissem a mesma coisa sem viver algo que foi exatamente similar ao que eu estava vivendo.
Se me ajuda? Bom, faz com que eu me sinta bem, poder transformar isso em algo que as pessoas podem curtir ouvir. E é bem legal que, quando você se sente dessa forma, você pode ter algo para cantar. Porque escrever algo, para mim, é um processo longo demais para que quando eu esteja me sentindo uma merda eu sente e escreva algo. Pra mim, realmente… [risos] não é assim que funciona. Eu prefiro só cantar quando eu me sinto uma merda. E agora eu tenho algo pra cantar quando eu me sentir assim. Então, nesse sentido, ajuda sim.
TMDQA!: Bom, e até agora vocês vêm lançando EPs, agora chegou mais um… [risos] Sem pressão, mas vocês estão se preparando para um disco ou a ideia é continuar com os EPs mesmo?
Daniel: [risos] Majoritariamente, estamos nos preparando para um disco. A próxima coisa que queremos lançar é um disco, e por trás das câmeras nós temos trabalhado nele por algum tempo. Vai soar bem diferente, eu acho, em relação à música de agora; nós temos empilhado ideias que não se encaixavam com esses EPs.
Mas, tipo, a gente meio que sente que o EP que acabamos de lançar, junto com o Warping Youth, poderia ter sido um disco. Se tivéssemos gravado tudo de uma vez, poderia ter sido um disco. Eu não sei. Também há uma pressão para que você lance coisas ou então as pessoas vão esquecer de você, e nós trabalhamos bem devagar, então é sempre algo que você fica ouvindo aquela voz dentro da cabeça… “Você é um ninguém, eles vão te esquecer, então lance algo logo”. [risos]
Então, é, isso está sempre em mente pra gente. Mas nós só vamos ter que pegar um tempo para finalizar o álbum, e é algo para o qual nós realmente estamos bem empolgados — ter um disco de estreia.
TMDQA!: Pra minha última pergunta eu vou até te pedir desculpas. Em geral, me recuso a perguntar sobre o nome das bandas porque sei que é chato, mas minha curiosidade está me matando! Feng Suave é um nome muito brasileiro, né? A parte do “suave”, principalmente… vem do português? Algum de vocês fala português? [risos]
Daniel: [risos] Vem do português sim! Porque o colega de quarto do Daniel comprou um shampoo em Portugal e o levou para a casa deles, e lá dizia “ultra suave”, e daí veio o Feng Suave. Então, é meio chinês, meio português, e se traduz para algo como “vento suave” — ou seja, meio que uma brisa tranquila, se você tiver uma abordagem bem liberal para isso. Então, sim, chegamos nisso depois de ter bastante dificuldade para pensar no nome e chegamos em um nome muito bom.
TMDQA!: Daniel, muito obrigado pelo seu tempo. Espero que possamos nos falar novamente em breve, quem sabe aqui no Brasil!
Daniel: A gente iria amar fazer isso! Foi um prazer te conhecer. Até mais.