Um novo projeto de lei que tem como intuito limitar o uso das letras de Rap como prova em julgamentos criminais e proteger os réus contra o preconceito racial está previsto para ser apresentado nesta semana.
A proposta será feito pelos senadores estaduais de Nova York Brad Hoylman e Jamaal Bailey e tem como objetivo alterar a lei de processo penal estadual para limitar estritamente a admissibilidade das letras, vídeos ou quaisquer outras “expressões criativas” como prova apresentada a um júri.
De acordo com a Rolling Stone, que teve acesso ao projeto de lei, a ideia é estabelecer uma nova barreira que obriga os promotores a mostrar “evidências claras e convincentes” de que o Rap de um réu ou outro trabalho criativo é “literal, ao invés de figurativo ou fictício”.
Para Erik Nielson, professor da Universidade de Richmond e coautor do livro Rap on Trial ao lado da professora de direito da Universidade da Geórgia, Andrea Dennis, “essa lei certamente seria inovadora”.
Nielson destaca que, apesar da ONG União Americana pelas Liberdades Civis estar utilizando nos últimos anos as leis existentes para lutar contra o uso de letras de Rap como evidência, a nova legislação pode ser a primeira criada com a verdadeira intenção de atingir o que o professor chama de “prática racialmente discriminatória”.
O coautor do livro Rap on Trial revela que sua pesquisa com Dennis descobriu centenas de casos em que letras e vídeos de Rap foram utilizados como provas em tribunais criminais. Ele diz:
E posso dizer com certeza que é uma pequena fração do número total. Nós sabemos que está na casa dos milhares. A questão é se está na casa das dezenas de milhares, especialmente se você incluir quando [as letras de rap e os vídeos] também são usados para indiciar pessoas ou usados na sentença.
Além de descrever a prática como “desenfreada”, Nielson reforça que isso não acontece da mesma maneira com outros gêneros artísticos.
Letras de Rap como provas em tribunal
Os legisladores Hoylman e Bailey foram incentivados a propor este novo projeto de lei principalmente pelo componente racial envolvido nos casos.
Especialistas apontam à Rolling Stone que, no momento em que promotores incluem letras de Rap em julgamentos, seu contexto cultural e artístico pode ser retirado e substituído por outro de aparente relevância legal.
Além disso, os profissionais explicam que, quando os réus são negros, o conteúdo hiperbólico pode ser distorcido com o intuito de reforçar estereótipos racistas.
Ratificando o posicionamento de Nielson sobre os casos serem diferentes a depender dos gêneros artísticos, Hoylman relembra que Johnny Cash cantou sobre como “atirou em um homem em Reno apenas para vê-lo morrer” ou que David Byrne versou sobre ser um “psicopata assassino”, mas não sofrem as consequências que rappers sofrem com frequência quando estão envolvidos em processos criminais e têm suas músicas usadas contra si mesmos. Ele destaca:
Há um componente de justiça social nisso que vai de encontro ao momento.
Bailey acrescentou:
Há um duplo padrão gritante que geralmente acontece quando se trata de artistas de cor. Há uma letra de Jay-Z que sempre fala comigo: ‘Scarface, o filme, fez mais do que Scarface, o rapper, por mim.’ Isso enfatiza o fato de que não vemos isso acontecendo com os filmes. Não vemos isso acontecendo com outras formas de expressão criativa. Mas vemos isso acontecendo com o hip-hop.
Caso de Drakeo the Ruler
O portal ainda destaca que um dos casos mais notórios em que a letra de Rap foi utilizada para justificar um réu como culpado foi com o rapper Drakeo the Ruler.
Após ter sido acusado pelo assassinato de um homem em 2016 do lado de fora de uma festa em Carson, Califórnia, os promotores que concordaram desde o início que ele não tinha puxado o gatilho construíram seu caso em torno da teoria de que o tiroteio fatal ocorreu por causa da briga entre o músico e o rapper RJ, nascido Rodney Brown.
Durante o julgamento de Drakeo, a letra de sua música “Flex Freestyle” foi introduzida para convencer os jurados de ele esteve presente na festa em Carson. Sobre isso, o rapper declarou ao portal:
Eu nem pensei que eles pudessem fazer isso. Já ouvi falar que eles faziam isso antes, mas era assim que eles faziam. Como eles estavam usando isso contra mim. Não fazia sentido. Foi uma loucura.
Antes de ser absolvido, o artista passou três anos na prisão enquanto o caso se desenrolava.
Seu advogado, John Hamasaki, diz que nunca viu letras de rap sendo usadas de forma tão “complicada e distorcida” na tentativa de colocar a culpa em alguém “que eles tinham pouca ou nenhuma evidência” de ter cometido o crime. Ele disse:
O estado estava tentando condenar um homem inocente de uma forma ultrajante, com base em evidências realmente especulativas. O tempo todo eu ficava tipo, ‘Por que esse caso está sendo julgado?’ Mas eles estavam entusiasmados em persegui-lo.
Hoylman e Bailey estão com esperanças de apresentar o novo projeto de lei no final desta semana e esperam que ele esteja na mesa do governador antes de Junho do ano que vem. Quem sabe, né?