Não há dúvidas de que a cena do Rap é, atualmente, uma das mais inflacionadas no mercado. Em meio a tantos grandes artistas modernos que fazem seus trabalhos muito bem, D Smoke é um respiro de novos ares, com sua sonoridade pra lá de especial que faz ótimo uso da formação clássica do músico, que também não tem receio de usar e abusar de seus talentos como um poeta da crueza do cotidiano.
Ganhando notoriedade pela sua participação na série Rhythm + Flow, da Netflix, Daniel já conquistou público e crítica com o lançamento do elogiado Black Habits em 2020. Agora, em 2021, retorna se reinventando completamente com War & Wonders, seu segundo disco que faz um mergulho nas lutas internas e pessoais do que é ser um homem negro em uma sociedade violenta, racista e que vive com cicatrizes abertas de uma política de ódio em meio a uma pandemia.
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Para realizar suas ideias, D Smoke contou com a participação de grandes nomes como John Legend, Ty Dolla $ign, BJ the Chicago Kid e até do seu próprio irmão, o também elogiado rapper SiR.
Mais do que os feats, no entanto, o grande diferencial de War & Wonders é a capacidade de soar moderno enquanto não se prende ao que torna o Rap atual tão radiofônico. Com forte uso de instrumentações orgânicas e arranjos belíssimos, o álbum é um dos belos destaques da cena em 2021 e você pode saber mais detalhes sobre tudo isso em uma entrevista exclusiva com o TMDQA! logo abaixo.
TMDQA! Entrevista D Smoke
TMDQA!: Oi, Daniel! Primeiramente, que prazer falar com você e parabéns pelo novo disco. Uma das primeiras coisas que me chamou atenção é o quanto esse disco soa moderno, enquanto ao mesmo tempo me lembra da vibe clássica do Rap dos anos 90 — e você até faz umas referências a isso. Esse som ainda é algo que te inspira? Quão desafiador é ter essas influências e ainda soar moderno?
D Smoke: Isso é um desafio diário pra mim, como tentar ser respeitoso com quem veio antes de mim fazendo algo novo. E esse é um desafio muito bom. Eu gosto de me inspirar por aquelas músicas que parecem desafiar o tempo e continuar atuais. Tem muita coisa bacana sempre rolando na música, mas meu objetivo é tentar atingir um outro nível com as pessoas sem perder o foco de nos divertirmos no processo.
TMDQA!: Agora, pelo menos se olhássemos só pro seu nome, não daria pra dizer que você tem uma conexão com a língua espanhola. Mas você é um professor de espanhol e você sabe fazer Rap em espanhol muito bem, como podemos ver no disco. De onde veio essa paixão pela língua e por que você decidiu usá-la na sua música?
D Smoke: Crescer em LA é crescer em um meio muito latino. Meus amigos falavam, os pais deles falavam. Aí quando ia sei lá, almoçar na casa deles, do nada eles começavam a falar em espanhol e eu ficava perdido e sem entender nada! [risos] Eu sou muito competitivo e não gosto de ficar para trás e pensei “quero aprender isso”. Eu nem tinha chegado ao ensino médio e já pedia pros meus amigos me ensinarem uma palavra por dia. Aí quando cheguei no ensino médio eu comecei a estudar e me apaixonei.
Eu me formei em Literatura Espanhola na faculdade mas eu não estava tão interessado em ensinar Cervantes ou Lorca ou Garcia Marquez. A literatura foi um caminho para me especializar na língua. Eu ficava sempre com dois livros, o que precisava ler e o dicionário! [risos] Mas, antes mesmo disso, eu fiz parte da minha vida virar em espanhol. Ouvia muita rádio da comunidade latina, assistia aos filmes com legendas.
Esse é um lado ótimo de LA: você pode viver como se estivesse na América Latina. E a América Latina sempre foi uma paixão pra mim desde jovem. Meus pais e eu passamos férias, quando era ainda criança, no norte do México e eu fiquei encantado com as pessoas, com a energia, com a comida. Eu queria fazer parte.
TMDQA!: Preciso falar sobre “Find My Way”, minha música preferida no disco. O seu flow é incrível como sempre, mas há algumas cordas belíssimas e a batida é simplesmente fantástica. Como você faz para incluir essas escolhas melódicas na sua música? Quanto você acha que ter um estudo de teoria musical te ajuda nesse sentido?
D Smoke: Ajuda totalmente. Meu primeiro contato com música foi no piano — na verdade estou te respondendo agora sentado no piano! Foi minha paixão e isso me fez conhecer muitos músicos desde jovem, que fazem parte da minha vida. Aí sempre que faço algo eu já chego pros caras e falo, “Então, topa tocar nessa?”. [risos]
Essa faixa tem o beat feito pelo Andre Scott, que é um daqueles caras que fez de tudo com todo mundo. Ele fez do Usher ao Destiny’s Child e ele me mandou a batida e eu incluí um amigo para fazer esses violinos. E foi algo muito pessoal pra letra, de saber que não sou o único perdido e encontrar o conforto com os amigos e com as suas raízes.
Eu não seria o D Smoke se eu também não fosse o Señor Harris, o professor de espanhol. Essa conexão é o que faz histórias serem reais. Essa música traz o clima aqui da costa oeste e da conexão que tenho com meus alunos, de ver as histórias e sonhos deles. Sinto que temos que respeitá-los e tratá-los como iguais para que possamos andar juntos. Essa música é muito especial. Sinto que poderia escrever um disco inteiro só com as experiências de sala de aula. Acho que consegui um pouco nessa música.
TMDQA!: E “Find My Way” é só uma das faixas do disco que tem um convidado, e tem tantos ótimos. Como você escolheu os nomes que iriam participar e em quais músicas eles estariam? É algo que você pensa quando está escrevendo ou só depois que a música já está pronta?
D Smoke: Acho que é no meio do processo que surge isso. Tipo, você começa a pensar “ficaria foda alguém aqui”. Na própria “Find My Way”, o Tobe [Nwigwe] é um cara que traz sua alma pro que faz e é respeitado por isso. É o tipo de gente que quero me aproximar.
O BJ The Chicago Kid é um cara muito inovador e com um clima de soulman. É incrível. E tipo em faixas como “Crossover”, eu trouxe o Westside Boogie que é um dos caras mais respeitados dentro da cena aqui. Gosto de trazer pessoas que me inspiram a melhorar e que vão trazer mensagens reais. Seja o meu irmão SiR, seja o John Legend. Se for alguém pra falar qualquer coisa, pode ser só eu! [risos]
TMDQA!: Falando nisso, como é trabalhar com o seu irmão? É uma experiência mais profissional ou uma coisa mais de irmãos mesmo?
D Smoke: Um pouco de ambos. No campo profissional nós dois respeitamos muito o outro pois nosso processo é muito diferente. Quando fizemos “Closer to God”, anteriormente, eu cometi o erro de estar na sala quando ele estava gravando e ficar dando pitacos. Ele não falou nada, só me encarou com uma cara de “sério isso?”. [risos]
Acho que o trabalho tem esse respeito a ponto de deixar cada um fazer a sua coisa. A participação dele foi tipo no primeiro take. Tenho muito orgulho dele pois sempre fizemos musica juntos e é legal demais ver o rumo que ele tomou.
TMDQA!: Você começou sua carreira como um produtor e compositor. O que te fez decidir virar um artista solo e como você acabou participando do Rhythm + Flow? Essa experiência te mudou ou só te deu mais exposição para fazer o que você já estava fazendo?
D Smoke: Virei um artista solo pois eu sentia que eu amava muito mais o material que fazia do que as pessoas pra quem eu o apresentava. E as melhores que tinha eu ficava pensando, “E se conseguirmos algum grande hit e esse legado não ficar com a gente?”.
Isso chegou a acontecer e começamos a pensar duas vezes antes de apresentar para outros artistas. Isso foi algo que acho que minha geração próxima fez. Eu, meus amigos, meu irmão. Queríamos provar que éramos tão bons quanto achávamos que podíamos ser.