Reduzir o Bastille ao hit “Pompeii” sempre foi um grande pecado, mas agora mais do que nunca.
O grupo liderado por Dan Smith acaba de lançar seu quarto disco de estúdio, Give Me the Future, que mostra uma sonoridade retrofuturista totalmente nova para a banda e, ainda assim, feita com a mesma maestria de quem acertou em cheio a receita para ter um dos maiores sucessos dos últimos anos.
Recheado de sintetizadores belíssimos e permeado por um conceito de ficção científica que adiciona toda uma atmosfera conceitual ao trabalho, o novo álbum traz possivelmente a versão mais madura do quarteto britânico até o momento, com destaque para faixas como “Give Me the Future”, “Back to the Future” e “No Bad Days”.
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Navegando de forma interessantíssima pela sonoridade Synthpop menos radiofônica sem perder a pegada Pop, Give Me the Future coloca o Bastille em um novo patamar artístico — no qual muitos dos seus fãs já sabiam muito bem que a banda eventualmente chegaria, já que a evolução tem sido constante desde a estreia com Bad Blood lá em 2013.
Para entender melhor todo esse processo, batemos um papo com o simpaticíssimo Dan Smith e você confere a conversa na íntegra logo abaixo.
TMDQA! Entrevista Dan Smith (Bastille)
TMDQA!: Oi, Dan, como você está? Eu sou o Felipe, do Tenho Mais Discos Que Amigos, que significa…
Dan Smith: Olá! Estou bem, obrigado. Significa [em inglês] tenho mais discos que amigos!
TMDQA!: Exatamente! Já te falaram, então. [risos]
Dan: Sim! Eu gosto de pensar nos discos como amigos.
TMDQA!: É, isso funciona bem! Bom, é um grande prazer estar aqui falando com você, estou bem feliz com isso e muito empolgado com esse disco. Está bom demais! Pra começo de conversa, obviamente tem uma inspiração em uma história muito anos 80 e um elemento de ficção científica por aqui, né? E as músicas realmente se encaixam bem com isso. Foi algo que vocês buscaram intencionalmente ou só saiu dessa forma por conta de toda a inspiração nessas coisas?
Dan: Eu acho que veio de colaborar bastante, veio de trazer pessoas diferentes ao nosso processo, e também nós queríamos tentar coisas novas e seguir por direções diferentes. Então várias dessas referências sonoras, a gente não tinha feito antes porque talvez não eram coisas às quais eu era naturalmente atraído. Então foi meio que sobre tentar coisas novas e nos desafiar.
E há alguns sons no álbum que me deixam desconfortável! Eu acho que às vezes quando você está se sentindo desconfortável, é bom, porque significa que você está fazendo algo novo. Acho que foi uma oportunidade muito interessante de mergulhar em algumas músicas dos anos 80 que eu nunca ouvi quando estava crescendo.
Então isso foi meio que novo, eu descobri algo novo. E, sabe, meio que encaixava com o tema do disco — que é ficção científica, mas é também sobre a ficção científica do passado e como ela se relaciona com o hoje. Porque nós meio que superamos várias dessas ficções científicas, sabe? Estamos além, estamos vivendo além do futuro de De Volta Para o Futuro! E isso é muito interessante, então eu acho que foi uma oportunidade de meio que ser retrofuturista, pegar elementos do passado, elementos do futuro e elementos do agora. Tudo se encaixou muito bem com o tema.
TMDQA!: Eu adorei você usar a palavra retrofuturista, acho que é uma ótima forma de descrever o disco. Como foi pra você ficar mexendo com os sintetizadores? Acho que esse foi o elemento mais novo, né. Tem muito sintetizador! Deve ter sido bem divertido.
Dan: Foi incrível. Foi realmente divertido. A gente decidiu quando tinha mais ou menos três quartos de tudo pronto que, “Bom, esse é o nosso disco de ficção científica”. E se nós vamos fazer isso, vamos fazer essa merda direito! [risos]
Sabe, vai ser a única vez na nossa carreira que faremos um álbum assim, então vamos levar isso até onde der. E foi aí que acabamos usando diversos sintetizadores analógicos que temos no estúdio e vários plugins diferentes. Também usamos vários efeitos na minha voz — acho que uma das coisas que faz o Bastille soar como o Bastille é a minha voz e a minha composição, e eu acho que nós nos sentimos confiantes o suficiente para meio que mexer com isso e bagunçar um pouco mais nesse álbum do que normalmente faríamos. Porque, sabe, é o nosso quarto álbum.
Então isso foi realmente bem divertido. Eu amo um vocoder que se chama Harmony Engine e vários artistas interessantes usam ele, e eu fiquei um pouco obcecado com isso enquanto fazíamos esse álbum, então ele aparece pelo disco todo. Ele também meio que me lembra coisas como “In the Air Tonight”, do Phil Collins, e as músicas dos anos 80 e antes. Então, foi realmente divertido.
Nós meio que nos desafiamos a ter sons distintos, mas também tentamos não deixar as músicas tão densas. Então deixamos os elementos que tínhamos meio que “respirarem” e há alguns solos de sintetizadores, há solos de piano, há uns efeitos sonoros malucos e uns saxofones e seções de sopro aleatórios e momentos enormes, com orquestras, e vários momentos de baterias programadas. Foi só um grande experimento.
E o conceito do álbum é se plugar aos seus sonhos, ou à tecnologia, e ser capaz de ir para literalmente qualquer lugar e fazer qualquer coisa. Então a música tinha que refletir isso, e eu acho que isso acontece, ela é quase uma grande jam Gospel futurista e eu espero que, quando as pessoas ouvirem o álbum, elas possam se surpreender constantemente; que elas não saibam para onde as coisas vão.
A experiência visual de Give Me the Future
TMDQA!: Que demais! É exatamente assim que eu me senti, na verdade. E foi bem legal também assistir aos clipes, porque eu acho que eles adicionam uma nova camada de profundidade ao conceito do álbum. E o vídeo de “No Bad Days” foi dirigido por você, né? Como foi essa experiência e quão importante foi pra você colocar sua visão para o mundo dessa forma?
Dan: É algo que eu queria fazer desde o começo, mas eu meio que talvez não tivesse a confiança pra fazer no começo. E tem também a chata realidade de estar ocupado como sempre estamos, quase sempre, e eu só não tinha tempo pra fazer uma direção, sabe? Se estamos em turnê, sempre tem outras coisas, é muito trabalho.
Mas eu acho que por não estarmos em turnê no momento eu pude ter essa ideia para o vídeo — e eu já a tinha por um tempo — como uma forma de expandir os temas da música. E eu fiquei muito empolgado em fazer isso. É um desafio interessante, sabe, ter uma ideia na sua cabeça e todas essas referências e aí o processo durante algumas semanas de tentar transformar em realidade, é bastante desafiador. Foi bem estressante.
E você está constantemente tendo que perceber o que você pode e não pode fazer e mudar a ideia. E, sabe, a vida real entra no caminho da sua visão do que poderia ser, mas foi uma experiência incrível. Eu tive muita sorte de trabalhar com um time incrível de pessoas, tinha cerca de 40, 50 pessoas no set naquele dia e é fantástico ter esse apoio.
Mas como diretor, sabe, você meio que tem que manter todo mundo motivado e manter as coisas acontecendo. Eu amei, mas foram semanas bem difíceis, que me fizeram aprender muito. Eu não acho que eu estava preparado para o quanto seria estressante. Eu falei muito com meus amigos que são diretores na noite antes das filmagens e depois e meio que perguntei pra eles, “Caras, é sempre estressante assim?”, e cada um deles falou tipo, “Sim, essa é a questão”.
Eu pensei que eu estava ficando maluco com o estresse! Mas na verdade é só parte do trabalho, e acho que você tem que absorver muito disso e o produtor tem que absorver muito também. Mas, pra mim, foi muito importante dirigir o vídeo dessa música e eu estou muito feliz com o resultado. Eu acho que a história foi transmitida. É difícil, tentar criar uma ficção científica em três minutos, contar uma história e construir um mundo. Mas estou realmente bem feliz que fizemos isso.
TMDQA!: Você pensa em fazer de novo?
Dan: Sim, 100%! Eu não vou dirigir o próximo clipe porque eu não tenho tempo, mas o que vem depois eu vou escrever novamente. Então sim, eu adoraria. Eu adoraria dirigir outras pessoas também.
TMDQA!: Você já sabe qual vídeo vai ser esse e poderia contar?
Dan: O próximo? Não, não posso contar. [risos] Mas é uma música nova e deve ser tudo divertido!
TMDQA!: Justo! [risos] Voltando para “No Bad Days”, acho que é uma música bastante pessoal, já que fala de um caso da sua família, de uma pessoa que tomou uma decisão muito difícil pela morte assistida para não ficar sofrendo. É difícil pra você lançar músicas assim? Tipo, tem uma parte de você que quer guardar essas músicas só pra si mesmo?
Dan: Sim, com certeza. Várias das nossas músicas têm elementos que são bastante pessoais, mas eu frequentemente não falo sobre elas porque eu acho que é legal ouvir uma música e interpretá-la por si próprio. Com “No Bad Days”, eu não ia mencionar sobre o que ela era mas meus amigos acharam que a experiência da minha tia era algo sobre o que valia a pena falar e meio que me encorajaram a falar sobre isso.
Então eu o fiz, e fico feliz por ter feito, mas foi bem novo pra mim. Eu acho que geralmente nós gostamos de fazer músicas e fazer vídeos e coisas do tipo e lançá-los e deixar que as pessoas pensem o que quiserem sobre isso, então foi uma forma diferente de lançar uma música.
Eu acho que há alguns artistas cujas músicas são como uma autobiografia, funcionam como um diário. E a gente nunca foi uma banda assim. Sabe, sempre teve um elemento de tipo, fantasia e escapismo na nossa música, e uma tentativa de escrever histórias e escrever pequenos filmes na minha cabeça. Eu acho que é sempre algo feito através do filtro da minha vida e das nossas vidas.
Retrofuturismo e relação com o Brasil
TMDQA!: Interessante. Queria falar um pouco sobre “Back to the Future”, que é uma das minhas preferidas do disco. Obviamente, é inspirada em De Volta Para o Futuro, né?
Dan: Sim, claro, claro. O álbum… A gente usa a linguagem dos filmes de ficção científica e dos livros para nos ajudar a articular o que queremos dizer, porque todos esses marcos culturais são tão famosos e tão conhecidos que eles são evocativos. Então, foi bem útil poder usar vários deles como “peões”.
E sabe, essa música, é a ideia de viver dentro de uma sociedade que muitas vezes parece estar de cabeça pra baixo e bastante fodida. E aí querer canalizar a ideia daquele filme e ficar tipo, ‘Se você pudesse voltar e mudar as coisas, você faria isso?’. E só se divertir com isso também, porque há muita escuridão em algumas das letras, e isso reflete o quão complicada a vida é, esperamos, mas acho que também é sobre tentar se divertir com isso. Tipo, não se levar tão a sério.
Mas eu amo essa música também. Foi bem legal de fazer.
TMDQA!: Uma das coisas que eu adorei nela — e não sei se isso foi intencional, se foi algo que vocês fizeram de propósito — é que tem uma percussão brasileira, um triângulo, por quase toda a música. Você estava ouvindo música brasileira ou algo assim? De onde veio isso?
Dan: Pra ser sincero, não veio disso. Mas veio de que nós queríamos meio que fazer a música soar como uma festa. Eu queria que ela soasse como se, sabe, algumas pessoas pudessem ouvir essa música como uma música Disco, e algumas pessoas ouvissem como uma música sombria também.
E o Dan Priddy, que é um dos produtores com quem trabalhamos na faixa, ele é um percussionista incrível. Então nós pedimos para que ele gravasse todos esses poliritmos e elementos de percussão diferentes, e só fomos aumentando e aumentando e aumentando. Porque eu queria que essa música — e várias outras — simplesmente fizessem você querer se mexer.
A gente queria fazer um álbum que fosse realmente bem pensado e que te transportasse para um mundo. Mas também queríamos que ele te fizesse querer dançar, porque todos estamos trancados há muito tempo. E estávamos passando por isso quando fizemos o álbum, e eu só queria poder dançar pelo estúdio! Foi um pouco trabalhoso chegar nesse ponto com essa música mas eu amo o quanto esse ritmo é contagiante. Eu acho que é incrível.
Acho que sem querer nós acabamos caindo em algo bem brasileiro. [risos]
TMDQA!: E falando do Brasil, claro, vocês estiveram aqui em 2015 e finalmente estarão de volta esse ano — se tudo der certo, e vai dar! Então, como está a empolgação para voltar pra cá? Sinto que o Brasil é um dos países que mais ama vocês. E mais, você tem memórias preferidas da primeira passagem por aqui?
Dan: Cara, faz tanto tempo, e nós queremos voltar pro Brasil há tanto tempo! Mas os shows que nós fizemos, os shows em festivais foram inacreditáveis aí. Eu acho que só o tanto de gente na plateia nos deixou completamente embasbacados. E as plateias brasileiras são famosas por serem incríveis, né.
Mas só estar ali no palco, todo mundo cantando junto tão alto, só de estar em um espaço onde tanta gente está se divertindo… Eu amei tanto. Eu sempre quis passar mais tempo no Brasil. E essa foi a nossa única viagem para o Brasil, mas eu amei tanto o Rio de Janeiro, e espero que quando voltarmos no final do ano eu possa passar um pouco mais de tempo viajando por aí e vendo mais do país, porque é um país tão bonito. Há obviamente muito a ver, e a cultura é tão incrível!
Quando nos ofereceram o Rock in Rio, a gente ficou pulando igual criança. Ficamos tão empolgados, é um festival tão lendário. Nós mal podemos esperar — eu mal posso esperar!
10 anos de Bastille
TMDQA!: Vai ser incrível! Espero que eu consiga estar lá pra ver isso! Queria voltar um pouco no tempo, porque já são 10 anos de banda. E eu tenho uma memória muito legal com vocês, porque há uns anos eu estava trabalhando na Disney em Orlando e de repente vejo uma banda marcial passando por ali tocando “Pompeii” e todo mundo cantando junto. Obviamente, essa música é um dos grandes pontos desses 10 anos, e ela acabou sendo ressignificada de diversas formas, né? Como compositor, isso é algo que de certa forma te incomoda? Ver uma música assim se tornar um hit e talvez meio que perder seu sentido original?
Dan: Olha, é um relacionamento tão estranho que você tem com as músicas enquanto compositor. Para mim, pessoalmente… Eu fiz essa música no meu quarto, no meu laptop, na casa dos meus pais. Nunca em um milhão de anos eu sonharia que ela viria a se tornar uma música tão enorme no mundo todo.
Mas eu acho que uma vez que você lançou a música, ela meio que não é mais sua. Eu sei do que a música fala, mas jogá-la ao mundo significa que ela vai encontrar um significado diferente para cada um que a ouve. E é meio que incomum ter uma música tão no início da carreira que vai tão bem assim, que acaba conhecida por tanta gente.
Mas em geral me deixa bastante orgulhoso quando vejo as pessoas interpretando; se alguém quer tirar um tempo para fazer uma cover ou, como você falou, uma versão de uma banda marcial, ou cantar em uma língua diferente ou tocar em um instrumento diferente, enfim, uma versão própria, é um elogio tão grande. Porque isso significa que essa pessoa gostou da música e que ela tem algum significado para essa pessoa.
E, sabe, é uma música que continua aparecendo de novo e de novo e de novo e ressoando com as pessoas. E sempre nos perguntam se ficamos entediados com ela ou algo assim, e de jeito nenhum! Porque nós vemos o quanto as pessoas se empolgam com ela e imediatamente o lugar todo fica eletrizado, e eu nunca imaginaria isso, sabe? É incrível.
Eu acho que estou menos preocupado com o fato dela encontrar novos significados, porque eu acho que isso é parte do que é a música. Pode ser o que o autor quis, ou pode não ser, mas essa é meio que a magia estranha e imprevisível da música muitas vezes. É uma coisa estranha, sabe? Ter uma música que basicamente mudou nossas vidas. É uma loucura. São 10 anos, é uma loucura.
TMDQA!: E justamente, pra fechar nosso papo, como você olha pra esses últimos 10 anos? Tem alguma coisa que você acha que não fez que ainda quer fazer?
Dan: Eu sinto que temos muita sorte por termos sido capazes de fazer quatro álbuns ou mixtapes. Nós fizemos vários projetos com orquestras, algo que eu realmente amei. E nós exploramos tantos gêneros musicais e colaboramos com tantas pessoas, algo que me deixa bastante orgulhoso.
Mas há muito mais que eu quero fazer. Há muitos tipos diferentes de música que eu quero explorar, e eu quero escrever muito mais para filmes e tentar escrever trilhas sonoras de filmes. E dirigir mais! Sabe, o nosso próximo álbum já vai ser completamente diferente desse, e isso é algo que me empolga — tentar fazer algo novo de novo.
Digo, eu acho que eu nunca, nunca, nunca sonhei que nós conseguiríamos estar em uma banda por 10 anos. Eu acho que nunca pensei que seríamos uma banda! Então é tudo meio que completamente surreal, mas enquanto nós tivemos a sorte de continuar fazendo isso, é um privilégio tão grande.
E o meu maior sucesso acontece quando eu estou bastante ocupado e criando o tempo todo. Nos últimos anos, sabe, nós fizemos esse álbum e um EP e um documentário e outro álbum e eu escrevi alguns outros projetos também. E eu amo escrever para outras pessoas, então essa é outra coisa que eu venho aprendendo mais e mais e mais e é bem, bem divertido. É meio diferente; uma habilidade diferente, uma disciplina diferente, mas é muito bom poder ficar perto de artistas e tentar ser útil a eles e ajudá-los a serem as melhores versões de si mesmos.
TMDQA!: E deve ser muito legal, ver a sua música ganhando vida com uma pessoa que não é você.
Dan: Sim! Essa é a questão, escrever com outra pessoa e aí saber que elas vão pegar aquela música e seguir a vida é muito legal, porque é meio que libertador pra mim, sabe? Não ser o que tem que cantar. Eu posso a partir daí curtir como fã, o que é bem legal.
TMDQA!: Que legal. Dan, muito obrigado pelo seu tempo! Foi um prazer enorme e, bom, espero que a gente se esbarre no Rock in Rio!
Dan: Sim, espero! Muito obrigado por me receber. Se cuida!