TMDQA! Entrevista: Big Thief detalha o processo por trás de seu incrível novo disco

Ao conversar com o TMDQA!, James Krivchenia fala sobre como foi gravar o extenso álbum duplo do Big Thief em diversos estúdios dos Estados Unidos.

Big Thief
Foto: Josh Goleman / Divulgação

Desde o lançamento de seu primeiro álbum de estúdio Masterpiece há cinco anos, o Big Thief já gravou outros quatro álbuns — um feito cada vez mais raro nos dias atuais. A prolificidade da banda sempre foi uma de suas características mais marcantes e, pouco a pouco, o grupo vem conquistando seu espaço entre os grandes nomes da cena indie mundial.

A trajetória do grupo culminou em 2019, quando a banda lançou dois discos — UFOF e Two Hands — que renderam diversas indicações ao Grammy, incluindo Melhor Álbum de Música Alternativa e Melhor Canção de Rock. O próximo passo “lógico” para uma banda como o Big Thief seria capitalizar em cima de seu sucesso conquistado com um disco focado e decisivo. A resposta da banda, no entanto, é um álbum duplo de quase uma hora e meia de duração que transita por baladas country, baterias eletrônicas e hinos sujos de Rock.

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Dragon New Warm Mountain I Believe in You também marca o primeiro álbum da banda sem Andrew Sarlo na produção. Em seu lugar, o baterista do grupo comandou as sessões de gravação com uma ideia diferente: James Krivchenia levou o resto da banda para quatro estúdios espalhados em localidades diferentes dos Estados Unidos (Califórnia, Arizona, Nova York e Colorado) para gravar todas as dezenas de canções que Adrianne Lenker, a frontwoman do Big Thief, havia escrito ao longo dos últimos anos. De todas as músicas gravadas, a banda selecionou 20 para compor seu novo disco — com outras 25 sendo deixadas de fora. E para detalhar como foi esse processo, o TMDQA! conversou com James sobre o incrível resultado final.

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TMDQA! Entrevista Big Thief

TMDQA!: E aí, James, como você está? Tudo certo?

James Krivchenia: Estou indo bem, sim. Limpando um pouco a casa… estou em Los Angeles agora!

TMDQA!: Ah, que ótimo. Como tá o tempo aí?

James: Lindo. Está ensolarado e agradável. Eu definitivamente não posso reclamar.

TMDQA!: Perfeito. Então, eu só quero começar aqui dizendo que eu amo o novo álbum, ele está rapidamente se tornando o meu álbum favorito de vocês. A principal coisa que chamou minha atenção imediatamente é que este é seu quinto álbum, mas é o primeiro em que vocês decidiram mudar de produtor. Qual foi a motivação por trás de você decidir produzir este por conta própria?

James: Nós tínhamos uma vaga ideia de como queríamos fazer isso. Estávamos pensando em algo como estúdios diferentes, mas era uma ideia meio vaga e eu ainda estava pensando muito sobre isso, sabe. [Estávamos] em turnê e esse plano mais específico ainda estava vindo para mim… trabalhar com engenheiros de som diferentes, estúdios diferentes que poderiam ser interessantes e aí talvez nós escolheríamos músicas diferentes da Adrianne reagindo de maneira diferente em cada lugar e eu meio que continuei construindo a logística e como isso poderia acontecer. E conhecendo a banda muito bem neste momento e obviamente passando tanto tempo com eles e gravando juntos eu sabia o que funcionava e o que não funcionava e o que era bom. E aí eu percebi que isso tudo soava como se eu tivesse uma ideia firme sobre a produção do próximo disco, então apresentei essa ideia para ver o que eles pensam. E eles disseram, ‘sim, vamos fazer isso’.

TMDQA!: Foi difícil fazer esse discurso pro resto da banda?

James: Sim, definitivamente. Eu sentia que era uma boa ideia, sabe? Mas eu estava pensando se eles iriam gostar, porque eu não queria que isso mudasse a dinâmica da banda porque há algo tão especial [entre nós], e eu não queria que houvesse dinâmicas de poder e outras coisas do tipo por conta de eu me tornar o produtor. Mas sim, eles toparam tentar e isso estava para acontecer.

TMDQA!: Que legal! Qual foi o maior desafio que você enfrentou enquanto produzia o disco? Tudo aconteceu naturalmente ou foi muito difícil?

James: Bom, um dos maiores desafios foi justamente a logística de tudo. Começamos a fazer isso em agosto de 2020, então o lockdown ainda estava acontecendo e tinha a COVID e isso é uma camada extra de reunir as pessoas, engenheiros de som e colocar todo mundo em quarentena, fazer a testagem, etc… fora o fato de isso por si só já ser logisticamente muito ambicioso — fazer quatro sessões diferentes em quatro lugares diferentes. Foi um desafio logístico e definitivamente um estresse a mais para todos, com certeza. Talvez eu diga que o outro desafio real das sessões foi a duração. Tipo, uma coisa é pensar, ‘oh, estaremos em estúdios diferentes e estaremos revigorados para uma nova sessão’. Mas quando chegamos ao final da última sessão, nós estávamos exaustos. Não poderia ter mais um dia de gravação sequer. Era como se tivéssemos dado tudo de nós, pensávamos apenas ‘uau, estamos acabados’. Não ficou nenhuma dúvida. Acabou e precisávamos de uma pausa, então foi difícil, é como um desafio que nos empurrou para lugares diferentes — especialmente no final, quando você só pensa ‘usei todos os meus truques e agora não sobrou mais nada’. Nessa hora, você só pensa ‘bem, vamos tocar um pouco mais de música e é isso’.

TMDQA!: É difícil pensar muito nisso porque o que ouvimos é basicamente o produto final, mas imagino que vocês provavelmente gravaram muitas músicas diferentes e outras músicas que não foram incluídas. Então isso provavelmente foi cansativo, certo?

James: Sim. Quero dizer, isso foi um grande desafio também… reduzir tudo no final. Ter que se unir e realmente concordar como uma banda sobre o que o álbum deveria ser entre todas essas músicas. Foi difícil ter essa perspectiva.

TMDQA!: Sim. É um álbum tão variado. Eu não consigo nem imaginar como vocês decidem uma lista de faixas. Como vocês decidiram a ordem das faixas?

James: Foi difícil. É difícil de lembrar, demorou um pouco. No começo nós decidimos as músicas que nós quatro gostávamos, unanimemente. Músicas que seriam o núcleo do álbum, umas 10 delas ou algo assim. E então houve basicamente uma grande troca de mensagens entre nós para decidir o resto. E ah, nós também tivemos muitos amigos fazendo listas de faixas também… amigos muito próximos em quem confiamos. Enviamos para eles 45 músicas que gravamos. E aí perguntávamos ‘como é sua sequência para um álbum de 10 músicas? Qual é a sua favorita?’, apenas para obter alguma perspectiva. Ou para tentar perceber alguma transição legal entre faixas, e aí pensávamos ‘vamos tentar lembrar disso’.

TMDQA!: Isso é fascinante. E quando pensamos em sucesso comercial, alcance mundial e também em indicações ao Grammy… esse é o maior momento que a banda já teve. Mas aí vocês decidiram lançar um álbum duplo bem variado, que é basicamente uma estratégia muito ousada. Isso foi intencional de uma maneira?

James: Sim. Acho que principalmente estávamos tentando não fazer o sucesso da carreira ditar o que queríamos fazer. Tentamos agir como se estivéssemos apenas fazendo um disco e alguém nos dissesse, ‘ei, você pode fazer um disco, eu pago por isso’, e aí apenas pensamos ‘o que gostaríamos de fazer?’, sabe? É tentar manter alguns pensamentos do lado de fora, como ‘as pessoas vão adorar ou odiar essas músicas?’, porque isso pode ser muito incapacitante quando você tá no estúdio tentando julgar e pensar em tudo de forma imparcial. Você pode não gostar de tudo, mas no final só você sabe do que gosta — então no final do dia você tem que se agradar. Então foi definitivamente um esforço conjunto para tentar não se importar com isso. E se isso tudo se transformasse em três LPs como um disco gigante triplo, então que assim seja, se apenas se transformasse em uma coisa realmente focada e tivéssemos todas essas coisas extras que não são boas, que assim seja, sabe? Apenas tentamos agradar a nós mesmos. Eu diria que foi o mais importante — manter a influência externa no mínimo.

TMDQA!: Você fala sobre se sentir focado ou não mas, de um ponto de vista positivo, eu acho que a banda tá mais solta nesse disco. Você acha que isso é algo pontual ou você sente que esse tipo de mentalidade vai acabar afetando os próximos discos da banda também?

James: Eu sinto que vai continuar rolando porque eu acho que quanto mais gravamos, mais percebemos que as coisas que realmente gostamos são esse tipo de coisa mais relaxada, que não é algo perfeito, mas tem um sentimento que quando você ouve a gravação, você sabe que é a certa. É bom poder sentir as pessoas realmente tocando e ouvindo juntas. E aí, quem se importa se há uma batida ruim de bateria ou alguém cantando um pouco fora do tom? Ninguém realmente percebe essa merda de qualquer maneira. É como tentar olhar pra isso como um todo… tipo, ‘uau, esses quatro minutos são incríveis’.

TMDQA!: Parece tudo natural, de uma forma boa. E é também legar ver você falar que vocês fizeram gravações diferentes e tudo mais. Eu imagino que vocês também tentaram versões diferentes da mesma faixa. Se vocês gravam versões diferentes da mesma faixa, como decidem o que acaba entrando no disco?

James: É difícil fazer isso porque inevitavelmente há coisas que gostamos em versões diferentes. Você acaba sentindo, e eu acho que muito disso é realmente tentar pensar qual a melhor forma de contribuir para aquela música em vez de pensar apenas no que é super emocionante. Tipo… ok, uma versão específica pode ser super emocionante, mas qual é a versão que eu mais ouço da música, sabe? E isso pode significar qualquer coisa. É meio abstrato, mas geralmente nós, como um grupo, decidimos isso. Mesmo se não for uma versão super empolgante, a gente decide o que acha que se encaixa melhor.

TMDQA!: Entendi! Falando nisso, cada membro da banda tem a chance de brilhar ou está contribuindo de maneiras diferentes neste novo álbum, mas a sua forma de tocar bateria também está muito inventiva. Como saber quando uma música precisa de uma batida de bateria eletrônica ou uma batida de rock, etc?

James: Na maioria das coisas que criamos, o primeiro pensamento é geralmente o que acaba entrando na música. É geralmente a primeira coisa que surge quando estou reagindo a uma música que a Adrianne traz ou então é algo que só acaba sendo descoberto no final… não existe meio termo. É como pegar todas essas iterações e tentar encontrar coisas, como foi com a bateria eletrônica em “Wake Me Up to Drive”. Nós tentamos de algumas maneiras naquele dia e nunca estava muito bom. E então, finalmente, nós desistimos. E aí eu comecei a brincar com a bateria eletrônica e o Buck tava sentado na bateria apenas improvisando e tal. Aí nos simplesmente decidimos fazer uma versão boba, sabe? Decidimos parar de tentar tanto. E foi quando tudo se encaixou, assim que ouvimos, vimos como isso se encaixava na música. É como se não precisasse necessariamente ser algo com a cara do Big Thief. Pode acabar sendo outra coisa.

TMDQA!: Sim. Funcionou muito bem. Uma coisa que eu queria perguntar é que eu não sei se você concorda comigo ou não, mas o cenário da indústria da música mudou drasticamente ao longo das décadas, desde os anos 60 até agora. O foco das bandas tem mudado de discos para turnês, mas o Big Thief é bem único nisso, tendo em vista que vocês gravaram cinco álbuns em seis anos. Você sente que o cenário atual desencoraja as bandas de serem mais prolíficas ou não?

James: Eu não tenho certeza. Eu acho que financeiramente isso definitivamente coloca um pouco de pressão nas bandas para fazer mais turnês, porque é a única maneira de ganhar dinheiro — especialmente para uma banda no início da carreira. E aí quando se fala de gravação e discos, você recebe quase nada do Spotify. E aí você pensa ‘bom, isso não faz absolutamente nada por mim’, é basicamente um dólar por mês ou algo do tipo. Então existe uma pressão financeira, com certeza, em termos de precisar fazer shows apenas para poder ganhar um pouco de dinheiro apenas pra poder se sustentar. Nem mesmo ganhar dinheiro, mas apenas como ponto de equilíbrio pra banda, o que é difícil. Então a pressão social força você nessa direção, de certa forma. Eu também acho que é difícil focar em gravar um disco. Eu não posso falar pelas outras bandas ou se isso é um problema geral, mas apenas manter esse foco se torna algo desafiador. As vidas de cada um são complicadas, todos têm diferentes interesses… a minha cabeça tem um déficit de atenção natural, basicamente. E a sociedade de forma geral também contribui com isso. Então se concentrar em algo por um mês é espiritualmente desafiador às vezes, também. É por isso que acho que às vezes isso pode ser difícil para as pessoas.

TMDQA!: Às vezes a sensação é que existe um excesso de informação, e a pandemia também acaba potencializando muitos sentimentos. Vocês estavam todos morando na mesma cidade quando a pandemia começou?

James: Então, no começo, eu e o Buck estávamos morando em Los Angeles, e Adrianne foi ficar na casa da irmã dela e Max voltou para Tel Aviv — ele é de Tel Aviv, Israel. Tudo começou quando estávamos no meio de uma turnê, então quando a pandemia começou, a gente precisou tomar decisões em cima da hora. Cada um pensou ‘ok, para onde eu iria se eu precisasse ficar por tempo indeterminado sem fazer nada’. Então foi basicamente uma decisão de cada um, tomada como se o mundo estivesse chegando ao fim. Então não estávamos juntos no início da pandemia e logo no início percebemos que deveríamos nos reunir porque parece muito mais significativo fazer algo criativo como um grupo e simplesmente reagir em vez de ficar sozinho e sem saber quando realmente vamos fazer algo. Então decidimos trabalhar em algo produtivo, porque a única coisa que sentíamos era um sentimento de desamparo durante o começo da pandemia, porque mesmo tendo esse sentimento altruísta de querer ajudar de alguma forma, não há nada que você possa fazer. Então decidimos aproveitar esse tempo para tentar ser produtivos.

TMDQA!: Muito tempo se passou!

James: É uma loucura. É tão bizarro que tudo isso parece algo tão pessoal para cada um e aí eu faço essas entrevistas e converso com amigos e eu penso ‘claro, você passou pela pandemia também… todos nós passamos’.

TMDQA!: Sim, e cada um teve uma forma diferente de lidar com isso, e tá sendo complicado para muitas bandas. Mas no final das contas, o momento em que vocês se encontram e o crescimento do Big Thief é algo incrível de acompanhar, especialmente levando em consideração que vocês não seguem algumas das “regras” da indústria — como gravar clipes ou seguir alguma sonoridade que esteja “em alta”. Vocês possuem alguma ambição como banda? As suas motivações chegaram a mudar nesses últimos cinco anos?

James: No fundo, nós só queremos ter certeza de que ainda gostamos da música em geral, com ou sem banda. Queremos realmente proteger nosso relacionamento com a alegria de fazer música e pelo fato de termos começado a fazer isso quando crianças pode ser estranho manter esse sentimento quando se torna sua carreira. Então isso é o foco principal… e também tínhamos um objetivo. Depois que lançamos Masterpiece, tudo virou uma bola de neve. Pensávamos que seria ótimo se isso fosse sustentável o suficiente para que não tivéssemos que voltar para Nova York e imediatamente começar a trabalhar desesperadamente em um emprego “comum” para compensar o fato de não ter dinheiro. Então parecia que nós poderíamos realmente fazer música e quando não estávamos em turnê ou fazendo um disco, não teríamos que trabalhar. Eu estava entregando pizzas em Manhattan, sabe. [Depois do primeiro álbum] nós não precisávamos mais passar sufoco, podíamos descansar e nos preparar para a próxima coisa. E então, agora que alcançamos esse objetivo, há um senso de sustentabilidade, ganhamos dinheiro suficiente para viver com o Big Thief, o que é uma loucura — eu não esperava isso. Eu já tinha desistido disso quando me mudei para Nova York, eu não podia fazer nada pensando em dinheiro porque fazer sucesso em termos de carreira na música tem muito pouco a ver com talento. Tantas pessoas incríveis estão lutando tanto para ganhar a vida fazendo isso. O aspecto da sustentabilidade era um objetivo, mas pra ir além disso, nós não queremos ficar ricos. Não é como se a gente achasse que vamos ficar super ricos e famosos. Nós construímos algo e trabalhamos muito duro para organizar nossas vidas em torno dessa banda, vamos manter isso, mas não vamos deixar isso subir à cabeça, sabe?

TMDQA!: É uma boa mentalidade. Quais são os próximos passos da banda? Eu realmente estou torcendo por alguns shows no Brasil.

James: Nós realmente estamos tentando ir para a América do Sul em breve. Queremos colocar esse disco na estrada e voltar com os shows. Para te falar a verdade, nós estávamos planejando uma ida para o Brasil na segunda metade de 2020 — uma turnê completa para América do Sul, mas no final… aconteceu tudo, né. Mas queremos ir para lugares que ainda não fomos, eu acho que isso é importante para nós. Queremos ir para o Japão, para o sudeste asiático, para a América do Sul — todos esses lugares que as pessoas pedem muito por shows. Acredito que isso ainda vai acontecer!

TMDQA!: Assim espero! Obrigado pela conversa, James. Parabéns pelo disco novamente, te desejo tudo de bom, abraço!

Dragon New Warm Mountain I Believe In You sai oficialmente nas plataformas de streaming e em edição física no dia 11 de Fevereiro pela gravadora 4AD.

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