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"Eu só quero ser a Lia": ao TMDQA!, Lia Clark fala sobre autoconfiança e revela detalhes de "LIA (pt. 1)”

Lia Clark conversa com o TMDQA! sobre como ela reencontrou sua verdade na pandemia e como isso influenciou na primeira parte do seu novo disco. Saiba mais!

"Eu só quero ser a Lia": ao TMDQA!, Lia Clark fala sobre autoconfiança e revela detalhes de "Lia (pt. 1)”
Foto por Maicon Douglas Fotografia

Lia Clark, conhecida também como a “drag queen do funk”, está de volta com LIA (pt. 1), a primeira parte do seu novo disco que chegou depois de uma profunda reflexão sobre sua vida e sua carreira.

A cantora ganhou reconhecimento nacional em 2016 com seu hit “Trava Trava” e no mesmo ano lançou seu primeiro EP, Clark Boom, que também contou com a faixa de sucesso “Chifrudo”, em parceria com a funkeira Pepita.

Decidida a explorar outras vertentes da música para tentar alcançar o mainstream — assim como Pabllo Vittar, que disparou nas plataformas com o single “K.O” e Gloria Groove, que começou a marcar seu território na indústria com “Bumbum de Ouro” — Lia apostou em uma sonoridade mais pop em seu álbum de estreia, É da Pista.

O disco lançado em 2018 apresenta colaborações com Wanessa Camargo, Heavy Baile e Gloria Groove e, segundo uma recente publicação feita por Lia em sua conta do Instagram, o álbum fez com que ela se firmasse como uma artista dali em diante.

Nova era de Lia Clark

Durante o período de isolamento causado pela pandemia, Lia Clark percebeu que estava vivendo no automático e decidiu usar o tempo afastada dos palcos para repensar suas prioridades e amadurecer sua autoconfiança.

Foi a partir disso que a drag queen começou a elaborar seu novo projeto LIA (pt. 1), que resgata fortes influências do funk feminino como Valesca Popozuda, Tati Quebra Barraco, MC Carol e Bonde das Maravilhas e que também apresenta elementos do pop, que agora já fazem parte de sua sonoridade.

Em um papo exclusivo com o TMDQA!, Lia compartilhou mais detalhes sobre a primeira parte do disco e falou sobre sua trajetória na música. Confira na íntegra logo abaixo.

TMDQA! Entrevista Lia Clark

TMDQA!: Oi Lia, tudo bem? É um prazer estar falando com você. Primeiro queria te parabenizar pelo novo disco. Eu adorei as músicas, não consegui ficar parada em nenhuma faixa.

Lia Clark: Oi Lara, o prazer é meu. Que bom saber disso, essa é a intenção!

TMDQA!: Lia, nesses dois últimos anos de pandemia você dividiu seu tempo entre a produção do novo álbum e refletindo sobre você mesma e suas vivências, como você disse na descrição do projeto. Você aponta que LIA (pt.1) é onde você se reencontra com a sua verdade. O que você definiria como essa “sua verdade”?

Lia Clark: Esses dois anos foram uma pausa louca na nossa vida que a gente não esperava, então eu aproveitei para me desacelerar. Eu acho que eu estava vivendo muito no automático, muito acelerado. Muito “vai, faz, show, números, o que eu vou fazer depois? Como? Quando? Com quem?”. E daí quando parou tudo eu comecei a repensar tudo, comecei a me perguntar: “Cara, tu tá feliz? O que que tu quer para o teu futuro? Quais são seus objetivos? Quem você é? O que você quer fazer? Até musicalmente, o que você quer fazer?”.

Então, eu acabei conversando muito comigo, eu fiquei muito tempo comigo, eu acabei me entendendo e amadurecendo a autoconfiança e o confiar em mim. Nesse tempo eu fui me conectando com uma energia que eu fui, e que eu ainda sou, só que estava lá atrás; antes de fazer as músicas, antes dessa pressão, antes da Lia Clark virar um trabalho e uma música, antes de virar meu sustento.

Então, eu fiquei me questionando. Cara, é isso que eu sou. Eu sou essa gay feliz que gosta de fazer funk, que se destacou porque faz funk e faz funk do seu próprio jeito como ninguém faz e, enfim, esse é todo o meu diferencial.

Então, esse meu reencontro com a verdade é isso, deixar toda a pressão, que infelizmente a partir do momento que vira seu trabalho — que a sua arte vira seu trabalho, seu sustento — acaba criando uma pressão, acaba criando toda uma expectativa, todo um sonho maior do que a grande possibilidade. E eu me desprendi disso. Eu só quero ser a Lia, pessoa que gosta de fazer o que faz, que se ama, e sabe que os dela vão se divertir com seu trabalho.

TMDQA!: Você disse em uma publicação recente no seu Instagram que em “É da Pista” você tentou não perder sua essência, mas ao mesmo tempo tentou “se moldar um pouco para colocar o pé na possibilidade do mainstream”, que foi quando você experimentou mais o Pop em suas músicas. Você destacou que foi ali que você se firmou como uma artista que não ia sair da cena tão cedo. Eu queria saber se, depois de você ter essa sensação de ter firmado seu trabalho, você acredita que é mais fácil apostar em um disco como LIA (pt. 1), em que você resgata mais elementos de funk e das suas referências do início da carreira?

Lia Clark: É exatamente isso. Porque o É da Pista foi exatamente o que eu falei no texto, foi: “Cara, drag tá podendo ir um pouquinho além, então vamos tentar entender aonde eu me encontro ali”. Porque eu não tinha como fazer alguma música igual “K.O” [da Pabllo Vittar], não tem nada a ver comigo, e eu não podia fazer rap igual a Gloria [Groove], não é o que eu sou, eu gosto de fazer funk. Não que eu me limite, mas vamos pegar o funk e transformar num pop com a Wanessa Camargo, vamos fazer um funk só que um pouquinho mais pop com a Gloria Groove? Então isso foi o É da Pista, apostar mais na indústria do que no que realmente eu fazia e o que eu acreditava.

Não que eu não acredite nessas músicas, mas é que foi muito mais pensado na indústria do que no meu eu artista. Eu acho que deixei o meu lado empresário falar um pouco mais alto, o meu lado ambicioso, sonhador, de querer também quebrar barreiras e a possibilidade do mainstream. Então, não conseguimos alcançar o mainstream porque, como eu disse, temos muitas barreiras. Tipo, a Gloria foi conseguir agora e a menina é foda pra caralho! E eu ainda sou funkeira, preta, não tenho voz tão potente, não sou uma Mariah Carey, então já temos obstáculos maiores. Mas o disco fez o que ele tinha que fazer; ele me firmou ali, tem músicas ali que são eternas para a galera que me acompanha. Então, é esse mix de sensações e isso com certeza me facilita agora a fazer o que eu realmente quero.

TMDQA!: Além de voltar com o funk raiz, você decidiu experimentar o rave funk nesse novo álbum, deixando as músicas ainda mais dançantes. Qual é o seu intuito em apostar também nesse ritmo?

Lia Clark: O rave funk foi um dos ritmos que eu mais escutei na pandemia. Como a gente não podia sair eu ficava no apartamento com meu namorado e a gente desligava as luzes, colocava um set de rave funk e começava a beber, eu e ele, só. Eu falei: “cara, isso é muito bom. Eu preciso muito fazer”. Porque anima de um jeito que o funk favela não anima, são animações diferentes.

Eu falei: “se eu sou a drag do funk e eu que trouxe isso para esse universo, então sou eu que tenho que fazer, eu preciso experimentar essa vertente”. E o álbum traz muito isso, tem o rave funk, tem o funk favela, tem o funk pop, tem o funk meio marchinha em “Não Fui Eu”. Essa é a graça do “LIA (pt. 1)”.

TMDQA!: Na capa do álbum você faz uma referência ao ensaio da revista Playboy com Valesca Popozuda. Queria saber o que essa capa representou para você na época em que foi lançada, o que ela representa hoje em dia e o que te motivou a recriá-la?

Lia Clark: A verdade é que eu não sei porque eu já tinha visto essa Playboy da Valesca. Eu sempre fui gay, eu nunca tive [as revistas], mas é tão icônica — “Playboy da Valesca Popozuda” — que ficou marcada na minha cabeça. E para mim, enquanto passado, essa é minha grande referência de mulher, pelada, empoderada e dona do seu corpo e funkeira. É o que eu falo, eu acho que se não tivesse Gaiola das Popozudas, Valesca, eu provavelmente não seria a Lia Clark.

Então, eu aproveitei esse momento que é um álbum autointitulado e que tem que ser pautado na minha vida, porque eu sou o grande foco do álbum. Aproveitei para homenagear um grande ícone que foi um dos propósitos de eu ser Lia Clark, a drag do funk. Então, pra mim, essa foto representa o poder da mulher. E é por isso que eu coloquei o peito de plástico, é por isso que a foto tem muita edição na cinturinha, porque eu queria realmente representar a Valesca da Playboy. Pra mim, é muito importante homenagear ícones; como eu falei, a Valesca fez uns tweets ficando muito agradecida porque a indústria é muito cruel com mulheres e com a galera do funk. E, pra mim, ela não recebe a atenção que merece. Eu acho ela muito foda.

TMDQA!: Na faixa “VRAU” você une o funk com o pagodão baiano e define a música como uma homenagem ao Carnaval, que foi uma das festas que abriu portas para suas primeiras músicas. Como está sendo para você enfrentar esse segundo ano sem o Carnaval, onde sua música consegue chegar também em outros públicos?

Lia Clark: Tá sendo muito difícil, porque eu segurei bastante esse álbum. Eu já tinha ele semi pronto, mas eu segurei mais porque eu queria lançar perto do Carnaval. Porque pra mim todas as músicas tem um “quê” de Carnaval, tem esse lance de festa, para as pessoas se divertirem, não é para elas escutarem em casa. É o que eu falo, tem álbuns maravilhosos para escutar em casa: tem Marina Sena, Duda Beat, que são álbuns que você coloca de boa, escuta em casa. Mas o meu não. O meu é festa, bebida, esquenta, ficar louca, rebolar.

Então, pra mim, é muito difícil estar lançando esse álbum nesse momento em que o Carnaval foi adiado. E principalmente “VRAU”, né? Que é uma super homenagem ao Carnaval, e eu quis muito colocar o pagode baiano porque eu queria muito homenagear todos os tipos de Carnaval, sabe? Temos o Carnaval aqui de São Paulo e Rio que a gente super conhece, mas temos o pagodão, temos os instrumentos. O Carnaval no Brasil é super diverso, temos muitas culturas dentro do nosso país. E é isso, é triste, mas espero que essa Ômicron seja vencida pela vacina. Todo mundo vai se vacinar, sim!

TMDQA!: Queria que você me falasse sobre a parceria com a MC Naninha, que colaborou na música “PQP! (tu fez do jeito que eu queria)”. Como rolou o convite e como foi trabalhar com ela?

Lia Clark: Foi uma loucura, porque isso me marcou muito. Eu mandei uma mensagem para ela no Instagram dizendo “quero que você participe do meu novo álbum, acho você muito foda, tenho interesse e tal”, aí ela falou “obrigada pelo carinho” e me perguntou se era um álbum de fotos, eu achei muito engraçado. E eu disse que não, que era um álbum de música, tipo um CD, aí ela me mandou o número dela, eu mandei a música, ela amou e a gente se encontrou no Rio, trouxe ela para o estúdio do Thai. E ela é uma personagem, né? Ela é uma persona, que é uma mulher louca, funkeira, mas é muito gente boa, divertida, educada, enfim. Eu acho que ela merece muito mais visibilidade musicalmente falando, não só ser vista como meme, como uma engraçada, eu acho que ela é foda mesmo e aposto muito nela.

TMDQA!: No disco você tem uma colaboração com a Pocah, em “Eu Viciei”, e ela é uma pessoa que trouxe visibilidade para essa cena musical quando participou do Big Brother Brasil e os números mostram o quanto as pessoas se identificam com ela e com esse som. E agora a gente tá vendo a Linn da Quebrada no BBB trazendo outro tipo de visibilidade, o do cenário trans — apesar dela não ter uma música necessariamente ligada ao funk, mas são tipos de visibilidades que são muito importantes. Queria saber como você enxerga isso, ter esse tipo de representatividade e não só pra quem tá lá, mas pra quem tá aqui fora, tanto como artista e como fã.

Lia Clark: Para mim a entrada da Linn da Quebrada nesse BBB é um ato histórico. Eu acho que ela enquanto pessoa, estando lá dentro, vai muito além da representatividade. Ela é além de: “Cara, que legal, tem uma travesti. Cara, que legal, tem uma travesti preta lá dentro que canta sobre coisas muito importantes, que traz visibilidade”. Ela é uma pessoa muito incrível. Eu acho que ela ultrapassa muito essa linha de “que legal, estamos torcendo para uma travesti”.

Pra mim, enxergando todos como iguais, não sei se é porque eu sou amiga dela, mas eu acho ela muito incrível. Pra mim é a mais incrível que tá lá dentro. Quando ela começa a conversar, as ideias, o jeito que ela desenvolve, o jeito que ela gesticula, o magnetismo dela que traz olhares. Eu acho ela uma pessoa muito foda e muito importante. Por mais que ela seja foda, não podemos negar que é muito importante termos uma travesti todos os dias no maior canal, no maior reality show do nosso país aonde mais matam LGBTQIA+ no mundo. Então, pra mim, é um momento histórico. Ela tem que ganhar.

TMDQA!: Você já anunciou também a segunda parte do disco, que vai receber como título “CLARK (pt. 2)”. Queria saber se as músicas dele vão continuar na mesma pegada que você apresenta em “LIA (pt. 1)”, ou o público pode se surpreender com alguma faixa que você vai incluir nele?

Lia Clark: Eu tenho a estrutura do “CLARK” na minha cabeça, mas ainda não tá feita. Porém, eu quero fazer essa junção das duas eras, mas em dois momentos da minha vida. A “LIA (pt. 1)” é o começo, acho que dá pra ver bastante nos visualizers. O começo, uma Lia sem recurso, que sonha, que quer estar lá e faz de tudo para conseguir alcançar a música. E o “CLARK” eu já quero trazer uma coisa mais tipo, “Lia Clark conseguiu”. Então, vamos ver. Eu sou muito louca. Eu já estruturo as coisas na minha cabeça, às vezes pode ser frustrante, mas às vezes não, porque você estrutura tanto que você corre atrás e consegue. Então, vamos rezar.

TMDQA!: E para finalizar, Lia, você é considerada uma das primeiras drag queens a entrar no universo funk. Queria saber o quão massa é receber o título de “drag queen do funk”?

Lia Clark: Eu acho isso massa. É uma coisa muito louca, porque quando eu surgi não foi uma coisa pensada. Isso pra mim é o mais mágico, foi muito natural. Eu quis fazer um funk, não era “vamos fazer um funk, porque você vai ser a primeira do funk, você vai pra história, ninguém vai estar antes de você”. Não, foi uma coisa assim, vamos fazer. E agora que passou cinco, seis anos da minha primeira música, eu falo: “Caralho, olha que coisa foda que a gente fez. Uma drag queen se adentrando ao mundo do funk e trazendo referências pop né”. Porque o mundo do funk não investe muito em clipes, aí eu sou uma drag queen que traz grandes visuais, com grandes produções e trazendo um ritmo brasileiro das nossas favelas que é o funk. Então, eu fico muito feliz. O que eu fico mais feliz é de ter sido orgânico, de ter sido natural. E eu fico feliz que eu possa estar inspirando várias outras.

TMDQA!: Com certeza. Lia, muito obrigada pelo papo, te desejo muito sucesso com esse lançamento e já estou curiosa pela repercussão do público.

Lia Clark: Muito obrigada, Lara. Adorei você, você é muito simpática, muito fofa e me deixou muito confortável, obrigada mesmo. Um beijo.