Na ativa desde os anos 60, Santana é uma das maiores lendas vivas da música.
O guitarrista tem um carreira longeva e cheia de marcos impressionantes, desde a sua apresentação na primeira edição do festival Woodstock até o grande hit “Smooth” já em tempos modernos, mostrando o talento de um músico diverso, inclusivo e capaz de se adaptar a todos os tempos.
Prova disso é o seu mais recente álbum, Blessings and Miracles, lançado em Outubro de 2021 e gravado durante o período pandêmico graças a ajuda de tecnologias como o Zoom. Por lá, ele trouxe algumas de suas mais interessantes colaborações da carreira, inclusive revivendo a parceria com Rob Thomas que resultou no mega sucesso citado acima.
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Além de Rob, nomes dos mais diversos — de Kirk Hammett a Chick Corea — aparecem no trabalho, que definitivamente é o mais ambicioso do músico em muitos anos e está sendo lançado em formato físico aqui no Brasil no próximo dia 15 de Abril, com a pré-venda já disponível por este link.
Como o próprio Carlos Santana diria, a “graça divina” fez as coisas se alinharem na hora certa e batemos um papo exclusivo com o músico mesmo após ele ter sofrido com um problema no coração um dia antes da data original dessa entrevista. O resultado desse papo especialíssimo você confere na íntegra logo abaixo.
TMDQA! Entrevista Santana
TMDQA!: Oi, Carlos! Como estão as coisas por aí?
Carlos Santana: Olá! Tudo bem! Grato e feliz.
TMDQA!: Que maravilha! Bom, primeiramente, que prazer estar falando com você hoje. Queria começar te perguntando justamente sobre o novo disco. Você já está há tanto tempo nessa indústria, mas o que foi diferente no processo de fazer um álbum durante a pandemia, através do Zoom e tudo mais?
Santana: Por este ser o tempo em que vivemos, eu me adapto a ele e eu o aceito. Então, foi basicamente igual a tudo que eu tinha feito e, com toda a clareza e a sinceridade, tudo que eu já fiz desde o começo é um passeio, é fácil. A gente não tem desespero, a gente não, sabe, a gente só se adapta à situação.
E, pela graça divina, tudo flui. Todos os artistas nas músicas e os produtores e os engenheiros, pela graça, tudo se alinha de uma forma que faz com que seja um passeio, fácil.
TMDQA!: É curioso porque, realmente, mesmo com o processo diferente esse disco definitivamente soa como Santana. E acho que essa questão da música latina tem sido muito forte atualmente, o que é ótimo, mas você sente que talvez tenha surgido um pouco à frente do seu tempo?
Santana: Como guitarrista e como artista, a sensação é de que nós não sabíamos o que estávamos fazendo, mas a gente estava só fazendo, sabe? Simplesmente deixando fluir. E fomos capazes de ser algumas das primeiras pessoas a dar à luz a world music, sabe, tipo o Bob Marley.
E o que eles chamam de world music é algo que está profundamente conectado com a música africana de um jeito ou de outro, e até mesmo à música irlandesa, porque tudo é música africana e Folk. As raízes estão lá, mas isso é algo que vai além das nacionalidades, entende? Porque os dois principais componentes são melodia e ritmo. E essas coisas não conhecem bandeiras, elas não conhecem o patriotismo ou qualquer coisa do tipo.
Sabe, uma melodia é simplesmente… é como o Jimi Hendrix. É o Jimi Hendrix dizendo [em “Purple Haze”], “me dê licença enquanto eu beijo o céu”, sabe? Isso é uma outra forma de dizer que eu estou dançando com o infinito; minha música não está presa a uma era ou uma certa geração, sabe. As músicas do Jimi Hendrix, do Bob Marley, de Miles Davis e Billie Holiday, elas transcendem o tempo.
Parcerias de Blessings and Miracles
TMDQA!: Sem dúvidas. E acredito que uma das razões para a sua música transcender o tempo é que você sempre se conectou com tanta gente. Queria falar um pouco das parcerias do disco e começo com o Corey Glover, que eu acho fantástico, e “Peace Power” é um dos grandes momentos desse álbum. Como essa música surgiu? De onde veio a inspiração para falar dessa questão social e de tê-lo nessa música especificamente?
Santana: Foi bem no auge [da questão do] George Floyd, sabe, o incidente que tinha acontecido. Mas na verdade foi uma sugestão da minha esposa, porque nós ligamos para duas pessoas diferentes que tiveram seus motivos para não poder colaborar conosco.
Uma delas foi o Lenny Kravitz, que ia cantar nessa música, e a outra era o Steven Tyler, que estaria em “America For Sale”. Então, sabe, nós graciosamente convidamos estes dois mas eles não podiam porque eles estavam em uma outra ilha [Santana está no Havaí no momento da entrevista] em outro lugar — literalmente no caso do Lenny, ele estava em outra ilha, tipo Maui ou Bahamas ou algum lugar do tipo.
Então acabou funcionando com o Corey Glover, mas foi uma sugestão da Cindy. “Por que não ligamos para o Corey?”, sabe. E ele disse sim, funcionou perfeitamente. Mas foi pela graça e pela sugestão da Cindy que conseguimos o irmão Corey Glover. E da próxima vez que fizermos algo, quem sabe chamamos o Vernon Reid [guitarrista do Living Colour, banda de Corey]?
TMDQA!: Nossa, cara, você e Vernon Reid… eu ia ficar maluco! Bom, e você falou de “America For Sale”, essa é outra música que eu queria abordar. Porque, sabe, uau. Não esperava isso. Kirk Hammett ali mandando ver, e ao mesmo tempo tem o seu toque tão único… Como é pra você explorar gêneros diferentes assim? Você fica mais confortável em algum lugar específico?
Santana: Eu sou um cara sem gênero, sabe, mais como o vento que não pertence a nada em particular. Dessa forma, eu posso só fechar os meus olhos e imaginar que eu sou do AC/DC, ou do Led Zeppelin, ou da formação original do Fleetwood Mac, sabe, de “Green Manalishi” e “Oh Well”. Os primeiros Heavy Metal antes de todos os outros Heavy Metal.
Então, por eu ter uma imaginação vívida, eu consigo me ver nesses lugares. Eu com, sei lá, o Stevie Ray Vaughan ou com o Jimi Hendrix ou o Led Zeppelin, ou AC/DC, Metallica, sabe. Porque depois de um tempo, tudo só precisa de uma coisa e é a mesma coisa: respire fundo e deixe estar. É basicamente isso.
Eu não penso em mudanças de acordes, eu não penso em, sabe, captação ou guitarras ou amplificadores. É só confiar nos seus dedos, abençoar seu coração e ir.
TMDQA!: E pra fechar essa parte das colaborações, precisamos falar sobre o Rob Thomas, com quem você já havia construído algo tão legal ali com “Smooth”. Por que retomar essa parceria agora?
Santana: Como sempre, foi um convite. Da primeira vez nessa ocasião, havia um grupo de músicos que se juntou para esculpir a música junto com o Rob, mas quando eles terminaram eles falaram, Carlos, a gente ouve você tocando aqui. Você quer? Quer conferir? Eu falei, “Claro”. Foi uma vez e estava pronto. Eu disse, “Vai entrar no seu disco? Vai entrar no disco de quem?”. Ele disse que não.
Então, agora eu já estava trabalhando no meu também. “Posso tê-la?”. E tudo funcionou bem para que estivesse no nosso disco Blessings and Miracles.
TMDQA!: Que legal. Uma coisa que eu sempre senti é que um dos grandes motivos pelos quais as suas parcerias dão tão certo é porque você parece deixar de lado o seu ego, entregando sempre o que cada música precisa em cada momento. Você concorda com isso?
Santana: Acho que sim. Sim. Sabe, desde que eu me entendo por gente, aprendi a complementar e não competir ou comparar. É só ouvir — e eu não tenho problema em deixar a modéstia de lado um pouco ao falar sobre como eu aprendi a interagir com um vocalista. Eu aprendi com o disco Lady Soul, da Aretha Franklin.
Sabe, eu aprendi tudo naquele disco. O baixo, a bateria, a guitarra e o vocal, e eu aprendi quando eu deveria tocar a guitarra para não passar por cima da cantora, para dar àquela pessoa aquele espaço. Então, eu acho que a base do meu aprendizado, para além de BB King e todos esses outros músicos, foi tocando por cima do Lady Soul repetidas vezes até que eu tivesse a confiança, porque é realmente muito importante ter confiança quando você toca.
E eu sou muito, muito, muito grato que tem funcionado e estou pronto para o próximo. A Cindy e eu vínhamos falando sobre fazer um disco novo com o John McLaughlin, na pegada do Love Devotion Surrender. E nós vamos chamá-lo de God/Self, “Deus/Si”, sabe. E ele já escreveu uma bela música chamada “Guitar Love”. Então, fico feliz de anunciar isso — Cindy e eu já estamos embarcando no próximo.
Woodstock e música brasileira
TMDQA!: Uau! Que demais! O John McLaughlin é incrível, vocês dois juntos é algo surreal. Pra fechar, tenho duas perguntas rápidas. A primeira: qual a sua memória preferida de Woodstock?
Santana: Minha memória preferida de Woodstock foi o Jerry Garcia [do Grateful Dead] sorrindo como se fosse o Gato de Cheshire [de Alice no País das Maravilhas]. Na mão dele, ele tinha alguns cogumelos. E ele disse, “Que horas você entra?”. Eu digo, “Bom, duas bandas depois de você”. Ele diz, “A gente não vai entrar até meia-noite, eu acho”, e era meio-dia. Ele diz, “Por sinal, sabe, eu tenho alguns desses aqui, quer provar?”. E eu falei tipo, “Claro, tenho bastante tempo para dividir”.
Então, a minha coisa preferida foi essa conexão com o Jerry Garcia nessa coisa intergaláctica, que vai além da mente. Por sorte deu tudo certo — eu não surtei nem fiquei paranoico mas o que eu mais lembro do festival é o Jerry Garcia e o Bill Graham.
TMDQA!: Pra fechar, então. Sei que você curte bastante a música brasileira, mas quem você diria que é seu artista preferido daqui?
Santana: Meu artista brasileiro preferido? Ah, meu Deus. Bom, acho que eu diria que é o Milton Nascimento. O Milton Nascimento com o Wayne Shorter é algo que veio dos céus, sabe. [canta um trecho de “Vera Cruz”] Enfim. Muito obrigado pelo seu tempo, eu realmente aprecio isso. Obrigado por ser um amante da música e continue resplandecente!
TMDQA!: Eu que agradeço, Carlos. Obrigado pela performance improvisada! [risos]
Santana: Até mais!