O universo de Harry Potter era um dos mais vastos, criativos e abertos a novas adaptações que Hollywood tinha à disposição na última década. Depois de finalizada a história principal, inspirada nos livros escritos por J.K. Rowling e com o próprio Harry como protagonista, a Warner e a criadora dessa mitologia tinham um mundo inteiro de possibilidades para manter o mundo bruxo vivo no cinema, mas a escolha por Animais Fantásticos se mostra cada vez mais equivocada.
Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore tenta se aprofundar na história de Dumbledore e Grindelwald, apresentando mais alguns detalhes sobre a relação deles dois e oferecendo um panorama maior da influência do vilão no mundo bruxo.
No entanto, o diretor David Yates novamente falha na intenção de mostrar muita coisa e não contar, efetivamente, nada. Já Rowling, que se manteve no roteiro, reforça a impressão de que não sabe o que fazer narrativamente com a própria obra.
O maior sinal disso já estava escancarado no filme anterior, Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald. Colocar a história de dois dos maiores bruxos daquele universo como acessório de uma franquia protagonizada por Newt Scamander chega a ser ofensivo. A quantidade de minutos perdidos para incluir o magizoologista na trama principal é gigante.
Urgente, pero no mucho
Para quem leu os livros ou é grande fã dos filmes de Harry Potter, Gerardo Grindelwald tinha uma aura quase mitológica quando era citado. Afinal, como pode um bruxo ter sido tão poderoso quanto Alvo Dumbledore? Como assim eles eram amigos? Será que eles eram mais do que isso?
Quando finalmente tivemos acesso à juventude desses personagens tão importantes, a superficialidade se manteve e quase nada do que se esperava dessa história foi realmente contado. Neste terceiro filme, com ambos já mais velhos, houve a confirmação de que eles eram apaixonados e que veio daí o pacto de sangue entre os dois — mas só.
Não há profundidade, não há reflexão sobre as relações estabelecidas. Até o romance entre o trouxa Jacob Kowalski e Queenie Goldstein é mais explorado, e olha que Jacob sequer deveria estar ali. Se ele fosse removido, não haveria nenhum prejuízo para a história, algo que vale para outros personagens também.
No que depende de roteiro, não há urgência nos acontecimentos apresentados e Grindelwald não parece ser tão imponente quanto sempre pareceu. Quanto mais Animais Fantásticos se estende, mais a reputação dos seus grandes ícones é diminuída.
Influências externas
Problemas externos também contribuem fortemente para a dificuldade do público se conectar com esta franquia. Após toda a polêmica envolvendo a escolha de Johnny Depp para interpretar Grindelwald, os escândalos envolvendo o ator e a sua substituição por Mads Mikkelsen após o segundo filme, a imagem de Animais Fantásticos já ficou arranhada.
A sorte é que o ator dinamarquês é a cara do personagem e conseguiu atribuir um pouco do senso de ameaça que o bruxo representa naquele universo fictício. Mesmo atuando no piloto automático, ele era o que os filmes precisavam para não degringolar completamente.
Para completar, J.K. Rowling parece não cansar de se envolver em polêmicas por causa de posicionamentos transfóbicos nas redes sociais e o que parecia apenas uma opinião impopular se transformou em uma espécie de ativismo. Com isso, cada vez mais fãs estão deixando de consumir produtos relacionados a ela e é inevitável assistir aos filmes de Harry Potter sem pensar que esse tipo de pensamento está sendo incentivado.
Para quem acha exagero, o romance entre Dumbledore e Grindelwald é um clássico exemplo de queerbaiting. Apesar de ser evidente que há um romance entre eles, nunca houve uma confirmação na obra original.
Em vez disso, J.K. se posicionou pela primeira vez sobre o assunto apenas em 2007, três meses após o lançamento do último livro, oficializando a orientação sexual de Dumbledore quando a série já era um sucesso comercial garantido, fazendo com que a revelação não influenciasse de qualquer forma o desempenho das vendas.
Em Os Segredos de Dumbledore, como já citado, o relacionamento entre eles é tão deixado de escanteio que é difícil lembrar que eles já tiveram um passado juntos considerando os acontecimentos dos dois atos finais.
Decepcionante, para dizer o mínimo.
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos continua sendo uma franquia sem propósito. Os Segredos de Dumbledore termina e a impressão que se tem ao assisti-lo é de que nada mudou em comparação ao início do filme.
Newt já está há anos em aventuras com um dos bruxos mais espetaculares de todos os tempos e não apresentou nenhum desenvolvimento. A postura arqueada, a fala para dentro e a insegurança nos trejeitos oferecidos por Eddie Redmayne mostram que ele não evoluiu nada desde o primeiro filme.
Jacob não tem nada a acrescentar na história, apesar do carisma de Dan Fogler, e os personagens novos são tão irrelevantes que dá para esquecer do nome deles em questão de minutos. E o que falar de Credence, que vinha sendo uma figura muito interessante construída por Ezra Miller, mas se tornou um dos maiores potenciais desperdiçados desde Kylo Ren, em Star Wars?
A participação de Maria Fernanda Cândido foi legal por colocar uma atriz brasileira em uma posição de destaque nesse universo, mas o roteiro não pareceu concordar com essa relevância e deu a ela um total de três ou quatro falas, mesmo sendo uma das candidatas a líder mundial do mundo bruxo.
É tudo muito difícil de entender, mas Jude Law parece ser o único destaque no mar de “tanto faz” que virou Animais Fantásticos.
Os Segredos de Dumbledore não guarda tantos segredos, assim como Os Crimes de Grindelwald não revelou tantos crimes. O que resta aos fãs é esperar por mudanças, ou se tornará cada vez mais real o meme que diz: “Harry Potter sem Harry Potter? É golpe”.