O Homem do Norte (The Northman) é um baita filme, mas existem duas óticas interessantes para analisá-lo e elas são curiosamente opostas quanto à grandiosidade da produção. Ao mesmo tempo que consegue ser uma grande obra do ponto de vista cinematográfico partindo de um orçamento digno de blockbuster, o terceiro filme da carreira de Robert Eggers perde profundidade se comparado às produções anteriores do diretor, que tinha maior liberdade criativa apesar de muito menos dinheiro disponível.
The Northman é um conto nórdico famoso e inspirou Shakespeare em Hamlet. Aqui, o jovem príncipe Amleth jura vingança após a morte do seu pai, o Rei Aurvandill, que foi traído pelo tio, Fjölnir. Adulto, ele se junta a uma tribo de homens-lobo que destrói aldeias inteiras em busca de escravos e riquezas, até que reencontra o seu destino e parte atrás do tio com sede de sangue.
O primeiro blockbuster de Eggers
Para fazer esta representação histórica super precisa, Robert Eggers teve 90 milhões de dólares de orçamento, algo que vai muito além dos que ele já havia conseguido antes (A Bruxa e O Farol tiveram disponíveis 5 e 11 milhões, respectivamente).
Se for comparar com outros filmes nessa mesma faixa orçamentária, O Homem do Norte é um show de referências, riquíssimo em detalhes e com um grande apreço pelas questões técnicas, como fotografia e efeitos sonoros. Além disso, as sequências de ação empolgantes mostram que Eggers é capaz de navegar entre gêneros de forma muito habilidosa, misturando elementos de suspense com fantasia e aventura.
Army of the Dead, filme de Zack Snyder distribuído pela Netflix, teve mais ou menos os mesmos recursos e, apesar de ser divertido em certos aspectos, torna-se mais raso que um pires quando colocado ao lado do épico viking de Eggers, por exemplo.
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O trabalho de pesquisa realizado pelo diretor foi tão extenso que existem detalhes que apenas profundos conhecedores da mitologia nórdica poderão identificar. Para isso, foi utilizada uma equipe de acadêmicos liderados por Neil Price, professor do Departamento de Arqueologia e História Antiga da Uppsala University, na Suécia, considerado um dos maiores especialistas do mundo em estudos da cultura viking/escandinava e arqueologia xamânica.
É um nível de capricho que a maioria esmagadora dos espectadores sequer vai notar, mas é isso que diferencia bons filmes de época de produções genéricas hollywoodianas.
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Eggers se vendeu?
Apesar de ter lotado o filme de referências históricas e o resultado ser esteticamente maravilhoso, Robert Eggers não teve total controle sobre as decisões criativas. Conforme o orçamento vai aumentando, mais o estúdio vai opinando – vide a opção pelo idioma do filme ser o inglês, mesmo que carregado de sotaque.
Apesar de elementos muito característicos darem um ar de novidade, o roteiro em si acaba ficando previsível. Isso, especificamente, não é algo ruim, mas o ritmo indeciso e mudanças bruscas devido à divisão em capítulos tiram um pouco da atenção do espectador, que já consegue entender o que está por vir.
A atuação de Alexander Skarsgård também não colabora. Além de apresentar trejeitos que relembram o público de que ele carrega o fardo da vingança nas costas, literalmente curvando-o com o passar do tempo, o personagem não passa de um brutamontes que impressiona mais pelo tamanho do que pelas camadas que deveriam estar ali. Pouco para um protagonista tão interessante, que acaba ofuscado pela excelente Anya Taylor-Joy e a grata surpresa que foi Claes Bang, premiado ator dinamarquês que interpretou Fjölnir.
A existência desses pontos negativos não significa, porém, que Robert Eggers se vendeu para os estúdios e distribuidoras. Ele próprio afirmou que este é, sim, o “corte do diretor” e convenhamos, bater o pé para incluir um duelo de guerreiros vikings nus no pé de um vulcão em erupção não é coisa de quem está “vendido”. O filme é violento, tem cenas perturbadoras e isso obviamente foi decisão dele. Então não, ele não vai virar diretor de filmes enlatados da noite para o dia.
Mesmo assim, Eggers disse em entrevista ao The New Yorker que dificilmente vai trabalhar novamente com um orçamento tão grande, devido à falta de controle sobre o projeto. É notória a dificuldade que ele teve para incluir suas marcas registradas.
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A distribuidora é fã ou hater?
Algo que pesa muito contra O Homem do Norte é a estratégia de lançamento escolhida pela Universal, distribuidora do filme no Brasil. A estreia estava marcada para 28 de abril, mas foi adiada para 12 de maio, simplesmente a segunda semana em cartaz de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura.
Para ter uma noção da incoerência desta decisão, a concorrência na data inicial era com filmes como Downton Abbey: Uma Nova Era, Cidade Perdida e Detetives do Prédio Azul 3. Não faz o menor sentido colocar o filme para concorrer com a maior estreia do semestre.
Apesar da escolha pavorosa de adiar o lançamento, vale muito a pena assistir a O Homem do Norte nos cinemas. Robert Eggers não é um dos diretores mais promissores da sua geração à toa e, mesmo que não volte a fazer filmes de orçamentos estratosféricos, é sempre legal ver as ideias dele sendo levadas para o público de formas inovadoras e criativas.