My Chemical Romance: uma análise completa do novo single “The Foundations of Decay”

De surpresa, o My Chemical Romance lançou sua primeira música inédita em 8 anos, "The Foundations of Decay". Veja nossa análise completa da faixa!

My Chemical Romance em 2022
Foto do My Chemical Romance por Devin Sarno

Na tarde desta quinta-feira (12), o My Chemical Romance mexeu com as estruturas do mundo da música ao lançar “The Foundations of Decay”, sua primeira canção inédita em 8 anos, como te falamos por aqui.

Passado o choque inicial, finalmente encontramos palavras para tentar explicar e dissecar a excelente nova faixa, que evoca um sentimento ao mesmo tempo nostálgico e de novidade.

Isso porque, instrumentalmente, é notável o quanto tudo que se ouve soa completamente como os melhores dias do My Chem e, ao mesmo tempo, há um senso de refrescância pela pegada mais sombria, que remete ao longínquo I Brought You My Bullets, You Brought Me Your Love, de 2002.

Esquecido por muitos, o primeiro disco do MCR é notavelmente a grande autorreferência para os caras, que parecem ter lapidado a sonoridade que buscavam naquele princípio. Por outro lado, não dá para ignorar a presença de ganchos que te transportam direto para The Black Parade (2006) e até a adição de alguns elementos inesperados, como o peso das guitarras ao final da canção.

Mas, ainda que toda a parte harmônica e melódica de “The Foundations of Decay” seja incrível, há de se fazer um mergulho profundo na letra que é um convite aos conflitos internos de Gerard Way, servindo quase como uma espécie de carta aberta aos fãs.

“The Foundations of Decay” e os conflitos internos de Gerard Way

Ao passo em que a música se inicia, não é exatamente claro para o ouvinte que “The Foundations of Decay” é uma faixa praticamente autobiográfica de Way. Isso só fica claro quando chegamos ao segundo verso, onde descobrimos que o “ele” mencionado desde a primeira estrofe viveu as mesmas experiências que Gerard graças a uma referência ao 11 de Setembro — para quem não sabe, o vocalista estava em Nova York quando as Torres Gêmeas foram derrubadas, e ele toca nesse ponto de uma perspectiva bastante pessoal:

He was there, the day the towers fell / And so he wandered down the road / And we would all build towers of our own / Only to watch the rooms corrode [Ele estava lá, no dia em que as torres caíram / E então ele perambulou pela estrada / E todos nós viríamos a construir nossas próprias torres / Apenas para assistir às salas se corroerem]

Com essa percepção em mente e sabendo, então, que Gerard está de fato falando de si mesmo na letra, é importantíssimo revisitar a primeira estrofe. É lá que ele referencia o fato de ter conquistado “tudo” com a banda e reflete sobre os “danos” que causou, possivelmente tratando das várias associações do MCR com questões como depressão e outros problemas de saúde mental:

See the man who stands upon the hill / He dreams of all the battles won / But fate had left its scars upon his face / With all the damage they had done [Veja o homem que fica no topo da montanha / Ele sonha com todas as batalhas vencidas / Mas o destino havia deixado cicatrizes no seu rosto / Com todo o dano que eles haviam causado]

Lembra que falamos acima sobre como a música parece uma carta aberta aos fãs? Um dos grandes motivos para isso é a sequência do pré-refrão com o refrão, que dialogam um com o outro e dão sentido às dúvidas internas de Gerard (e possivelmente dos outros membros) em retomar as atividades da banda ou não, abrindo o jogo também sobre o que, possivelmente, fez com que eles decidissem voltar ao questionar as próprias convicções:

And so time, with age / He turns the page / Let the flesh / Submit itself to gravity [E então o tempo, com a idade / Ele vira a página / Deixe a carne / Se submeter à gravidade]

Let our bodies lay, while our hearts we’ll save / Let our blood invade if I die in vain / Now, if your convictions were a passing faith / May your ashes feed the river in the morning rays / And as the vermin crawls / We lay in the foundations of decay [Deixemos nossos corpos se deitarem, enquanto nossos corações nós salvaremos / Deixemos nosso sangue invadir se eu morrer em vão / Agora, se suas convicções foram só passageiras / Que suas cinzas alimentem o rio no raiar da manhã / E conforme os vermes rastejam / Nós nos deitamos na base da decadência]

Aqui, é importante também ressaltar o sentido em inglês da palavra “decay”. Por mais que a tradução seja algo como “decadência”, ela é usada na língua estrangeira muito mais para se referir ao decaimento pelo qual seres vivos passam depois da morte, sempre evocando este sentido mais impuro e sombrio, mesmo quando usada em outros contextos. Isso, claro, ajuda a construir o sentido da faixa.

Pressão comercial, saúde mental e o retorno do My Chemical Romance

Além de ainda abordar, provavelmente, a pressão comercial sofrida pela banda graças a gravadoras e outros membros da indústria musical, a faixa volta a provocar uma reflexão em seu segundo refrão, que tem um final diferente. Nele, Gerard parece insinuar que sua morte lhe faria ser “canonizado”, enquanto, acreditamos, ele metaforiza uma mulher que poderia representar os fãs da banda, que eram criticados e julgados por lidarem com questões de saúde mental:

And if, by his own hand, his spirit flies / Take his body as a relic to be canonized, now / And so he gets to die a saint / But she will always be the whore [E se, pela própria mão dele, o espírito dele partir / Leve o corpo dele como relíquia para ser canonizado, agora / E então ele pode morrer como santo / Mas ela será sempre a vadia]

A parte mais pesada da música também ganha uma maior significância quando analisamos a sua letra, que fala sobre se rebelar “contra a fé, contra toda a vida, contra a mudança” e brada que “somos livres” e que “a culpa é de vocês”, como se dizendo que a banda finalmente se libertou de qualquer amarra que ainda os prendesse, seja a busca por sucesso comercial ou a insegurança quanto à resposta dos fãs.

A estrofe que fecha a canção é fundamental para amarrar tudo, mostrando o que parece ser um diálogo interno do próprio Gerard, que se enxergava em “decaimento”, como explicamos acima sobre o sentido da palavra “decay”, até se ver obrigado a reagir por qualquer motivo que fosse:

Yes, it comforts me much more / To lay in the foundations of decay / Get up, coward! [Sim, me conforta muito mais / Ficar deitado na base da decadência / Se levante, covarde!]

E, assim, o My Chemical Romance se levanta. Gerard Way também se levanta e volta a usar sua voz — em impecável forma, por sinal — para representar toda uma geração. Dessa vez, no entanto, sem se preocupar com quem não vai querer aceitá-los.

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