TMDQA! Entrevista: sempre multifacetado, MV Bill fala sobre novo livro, próximos passos e possível influência em Kendrick Lamar

Em entrevista exclusiva ao TMDQA!, o incrível MV Bill fala sobre seu novo livro e já dá pistas de seus próximos passos na música. Confira!

MV Bill

MV Bill é um dos grande nomes da história do rap nacional, mas o homem nunca se permitiu ser resumido a isso.

Além da música, o Mensageiro da Verdade passou tempo de sua vida como um ativista social, ator, cineasta e também escritor. Recentemente, o artista lançou A Vida Me Ensinou A Caminhar, seu primeiro livro solo, distribuído pela Editora Age.

Publicidade
Publicidade

No livro, Bill conta sua história de luta, superação e também seus causos mais pessoais ao longo de 27 capítulos, partindo de seu início do rap e acabando em seu clássico, “Estilo Vagabundo”.

“É a primeira vez que estou bem exposto” disse Alexandre, nome de batismo do MC. Em entrevista ao TMDQA!, ele falou sobre o livro, próximos passos, Kendrick Lamar e até um novo trabalho na música que está por vir, com conexões na nova cena do rap.

Leia o bate-papo na íntegra abaixo!

TMDQA! Entrevista MV Bill

Tenho Mais Discos Que Amigos!: O que significa para você lançar esse livro contando a sua vivência de forma tão pessoal?

MV Bill: Tem um significado especial por conta das historias que escolhi colocar nele. São historias que eu nunca contei, algumas por falta de oportunidade, algumas até por falta de segurança ou coragem. Quando veio a pandemia eu já tinha o projeto de fazer um livro de contos, mas eles eram completamente diferentes. Dentro da pandemia, passando pelo que passamos, no momento que estou na minha vida e carreira, achei que essas seriam histórias interessantes pra contar. Todas elas de alguma forma me fizeram aprender.

TMDQA!: E por que este era o momento para isso e não antes?

MV Bill: Com a quantidade de coisas que eu tinha para fazer, por ser multifacetado, muitas tarefas, eu não teria tempo pra escrever um livro, meu primeiro livro solo, com histórias tão pessoais e falando de pessoas públicas. Eu teria que ter muito cuidado com o que eu ia dizer, como me referia às pessoas, pensar quais histórias eu deveria contar, um trabalho muito minucioso que requer tempo, e talvez só num período pandêmico isso fosse possível para mim.

TMDQA!: O livro fala muito sobre a sua trajetória no rap, que foi o que te deu sua grande notoriedade. O que você vê que alguém que está começando no rap vai tirar daqui?

MV Bill: Cada um pode ter uma leitura, uma visão diferente. Alguns podem se sentir incentivados a continuar a fazer o que já estão fazendo, alguns podem sentir que hoje está bem mais tranquilo, mais fácil de fazer, e então parar de reclamar e [falar], “Vou trabalhar, porque, pô, olha o que esse cara passou lá atrás”.

Acho que são varias leituras, os feedbacks que tenho recebido desse livro são de que é um livro bem divertido, apesar de ter na capa eu ali de cara séria, o título “A Vida Me Ensinou a Caminhar” e até pela minha trajetória, sempre envolvido com coisas sérias e na área social.

Ontem um amigo DJ falou, “Cara, é um livro de entretenimento né, porque eu ri pra caralho! Em alguns momentos fiquei tenso, reflexivo, mas a maior parte do tempo eu ri com as histórias”. São minhas histórias vistas por dentro, mas de uma forma bem humorada. Quem me conhece por música vai me conhecer de uma forma que ainda não me conhece.

TMDQA!: Você considera essa a primeira vez que você expõe tanto o seu lado pessoal?

MV Bill: Sim, é a primeira vez que eu estou bem exposto, assim, histórias que me põem exposto não para ser sacaneado, mas para ser transparente, verdadeiro, para que as pessoas vejam e saibam que existe um ser humano pro trás do perfil do MV.

TMDQA!: Tem alguns capítulos com nomes interessantes por si só. Por exemplo, “Boyz N The Hood”. É um dos filmes das antigas que mais chega pra galera preta de hoje em dia, sendo um clássico. Você pode dar um spoiler sobre o sentido dele?

MV Bill: Esse livro fala do meu primeiro grupo de rap aqui da CDD (Cidade de Deus) pegando um ônibus para ir ao cinema indo ver Os Donos da Rua (título em português do filme).

Nesse capítulo eu falo de música, de rap, de vivência, de cinema, eu falo desse ritual que era as pessoas combinarem para ir ver o filme numa sala gigante. Hoje as pessoas veem de uma forma muito solitária, cada um vê na sua casa e depois se reúne para debater. Eu falo disso, essa reunião que foi para ver um filme tão icônico. 

TMDQA!: Também tem o capítulo do show do Racionais no Rio de Janeiro, história que já está marcada e foi comentada muitas vezes. Aproveitando esse início da carreira do MV Bill, chegando em lugares inesperados, fazendo contatos: o que quem ler o livro vai ver dessa ascensão? Geralmente as pessoas não imaginam como bate essa transição.

MV Bill: Esse capítulo é muito importante no livro porque mostra um dos vários divisores de água que minha carreira e vida tiveram, tanto na minha vontade de trazer eles pelo Rio de Janeiro, tendo certeza de que eu ia ter meu maior público da vida, quanto por depois ser abraçado por eles.

Imagina você estar começando no rap e ser abraçado — não apadrinhado, realmente abraçado, tipo, “Pô, tu tá com a gente”, pelos caras do Racionais MCs. Por muito tempo eu usufruí dessa oportunidade de ser um dos caras que andava com os Racionais, eles fizeram tantas coisas boas por mim que chegou um momento que eu decidi caminhar com minhas próprias pernas, não dá para ficar na aba deles.

Eles têm a história deles e eu tinha que criar a minha e, por isso, tinha que caminhar meu próprio caminho. A amizade, o respeito, a gratidão continuaram, da minha parte principalmente, mas se eu quisesse sobreviver eu teria que trilhar meu caminho, mais multifacetado.

TMDQA!: Falando em abraçar, quem acompanha o rap sabe que você abraçou muita gente, como o L7NNON por exemplo, esteve no Poesia Acústica também. Como é sua relação com as gerações mais novas?

MV Bill: Eu tenho um trânsito com a geração nova muito bom, porque eu chego com uma postura de aprendiz, e o que poderia ser uma aula vira uma via de mão dupla.

TMDQA!: Essa disposição para aprender é sempre muito importante pra todo mundo né?

MV Bill:o sei se pra todo mundo, mas para mim tem sido muito bom, para mim tem servido muito. Estou fazendo um novo EP até dialogando com outras vertentes do rap em que eu vou ter participações de artistas mais jovens; 4 participações de gente mais jovem que eu, que é de outra geração e que tem o maior respeito carinho pelo meu trabalho.

Na verdade, muitos cresceram ouvindo meu som e hoje fazem sucesso. Nem todos falam mesmo porque o meio é muito concorrido, de disputa, não só de batalha [de rima], mas de disputa por espaço. Nem todo cara tem coragem de falar. “Pô, ouvi muito MV Bill na minha formação”.

Uma das pessoas que não tem vergonha de dizer isso é o Filipe Ret. Sempre que me encontra tem o maior respeito, a maior reverência por mim e pela minha irmã [a rapper Kamilla CDD]. Não tem nenhum motivo para isso e eu acho incrível a atitude, sei que pra outras pessoas isso é verdade também mas nem todos tem coragem de admitir [risos].

Aliás, tu falou de influência aí, cara, até influência gringa pode ter rolado, né? Saiu o álbum do Kendrick Lamar [“Mr Morale & The Big Steppers”], e uma faixa que se chama “We Cry Together” tem uma briga de casal, com beat rolando no fundo, é muito igual “Estilo Vagabundo”.

Todo mundo ficou me marcando, parece que ele ouviu e se inspirou, até porque eles [artistas estadunidenses] têm isso de as vezes pegar inspiração de outros lugares. Então pode ter rolado, até o final parece muito com o da parte 1 [de Estilo Vagabundo], só que a gente tem mais swing e mais vocabulário né? Na dele sobra “fuck you” pra todo lado [risos].

TMDQA!: E quem da cena de hoje você vê que tem você como inspiração?

MV Bill: Eu vejo que estão fazendo algo muito único, com muita autenticidade. Às vezes pode parecer uma parada gringa, mas como referência da minha geração quase não tem, às vezes até se parecem entre eles, como na minha geração às vezes uns grupos pareciam com o Racionais.

Mas eu vejo muito valor no som que o ADL faz, o próprio Filipe Ret, o L7NNON, e de um cara aqui do rio de Janeiro que faz drill, se chama Big Bllakk, que é meu vizinho aqui na CDD, que é muito bom dessa geração. Mas eu não faço muito essa comparação, porque são vivências diferentes.

TMDQA!: Voltando ao livro, chamou a atenção que “Estilo Vagabundo” fecha o livro como último capitulo…

MV Bill: Eu não posso falar porque se não vou dar spoiler da última frase do livro, mas é uma música icônica da minha carreira. Saiu em 2006 a primeira versão, já tem 5 partes, tipo La Casa de Papel [risos].

Sempre a mulher sai vencedora e nenhuma das 5 partes tem um refrão, é muito difícil fazer esse tipo de música estourar. Eu cheguei no TikTok sem fazer música pra lá, de uma forma espontânea. Todas minhas paradas eu tento fazer de forma orgânica, eu cheguei agora a 1 milhão de seguidores, conheço cara que começou ontem e tem 4 ou 5 milhões e conheço gente que comprou.

Eu não quero isso, quero que chegue um milhão porque gosta de mim, que queira interagir comigo. E eu falei do TikTok mas poderiam ser vários outros lugares: casas, festivais, contratos… essa música me levou pra uma porrada de lugar, então achei muito justo fechar com ela. Principalmente agora depois do Kendrick [risos].

TMDQA!: Qual sua visão do Brasil pós-pandemia e como o livro conversa com essa fase em que vivemos?

MV Bill: Primeiramente, um livro, independente do momento, é sempre bom. Leitura, conhecimento. Tem momentos ali em que eu estava com uma 38 na minha testa, então esse livro mostra que, mesmo no pior momento, no pior cenário, você pode sair sem causar mais confusão, e ao sair disso você pode sair uma pessoa melhor. E acho que depois da pandemia todo mundo precisa um pouco disso.

TMDQA!: E como você pretende trabalhar o livro agora? O foco é nele ou ainda voltado no seu novo disco?

MV Bill: Estou trabalhando em paralelo, fazendo os lançamentos do livro, já passei por Rio, São Paulo, Salvador… e tem lugares me chamando pra fazer uma casadinha, o show com lançamento do livro, palestra também, algo que eu acho muito bom. Fiz nos livros anteriores e acho muito bom, espero que role de novo.

TMDQA!: Algum recado final que queira dar para finalizar a entrevista?

MV Bill: Kendrick Lamar… assume pra nóis… [risos]

O livro “A Vida Me Ensinou A Caminhar” já está disponível nas livrarias e lojas digitais.

Sair da versão mobile