Dona Onete é inspiração!
A artista, que está prestes a completar 83 anos neste sábado, 18 de Junho, lançou o seu primeiro álbum há apenas 10 anos, aos 72. Em um década em carreira musical, conquistou lugar de destaque na música brasileira cantando a cultura paraense.
Ionete da Silveira Gama, a Dona Onete, é natural de Cachoeira do Arari, no Pará. Divertida, positiva, criativa, e atenta a tudo, a artista traz uma trajetória marcante como mulher forte e independente. Por anos, ela foi professora de História e secretária de cultura em cidades do interior, até chegar na sua carreira como cantora, compositora e artista pop.
O voo alto de Dona Onete
De 2012 para cá, a Rainha do Carimbó, como ficou conhecida, vem reunindo uma bagagem deslumbrante, que inclui participações em grandes festivais nacionais, como o Rock in Rio; diversas turnês internacionais, com passagens pela América do Norte, América Latina, Europa e Oceania; músicas em novelas de sucesso da Rede Globo; destaque em documentários e revistas internacionais; e topos de charts de world music mundo a fora.
Em 2017, Dona Onete ainda foi condecorada com a medalha da Ordem do Mérito Cultural (OMC), maior honraria pública da Cultura Brasileira. Como ela mesmo gosta de destacar, homenagens devem ser feitas em vida que é pra ela ver o quanto é querida. E motivos não faltam.
No próximo dia 22 de Junho, aliás, Dona Onete será a artista homenageada na segunda edição do Troféu Tradições, realizado pela União Brasileira de Compositores (UBC), e bateu um papo exclusivo com o TMDQA! — que você confere na íntegra mais abaixo — sobre a celebração, cultura paraense e planos futuros.
Eu tô feliz, tô querendo logo que chegue esse dia. Representa a felicidade [para mim], porque é em vida que se recebe as homenagens e eu tô recebendo em vida e, principalmente, logo após o meu aniversário de 83 anos.
Troféu Tradições homenageia Dona Onete
Sempre reverenciando a música brasileira e dando visibilidade aos nossos artistas, a UBC prestará homenagens a Dona Onete na próxima quarta-feira, 22, no lendário Theatro da Paz, em Belém.
Perto de completar seus 83 anos, a estrela responsável por sucessos como “No Meio do Pitiú”, “Jamburana” e “Banzeiro” já soma mais de 300 composições e segue escrevendo boleros e tantas outras nos gêneros carimbó “chamegado”, “bangüês”, “lundus”, entre outros.
No evento, além de receber as homenagens, a cantora ainda apresentará toda sua potência histórica e musical em um show que contará com participações de músicos paraenses como Fafá de Belém, Jaloo, Mestre Damasceno e outras surpresas. Na nossa conversa, Dona Onete fala sobre a importância de compartilhar esse momento com artistas conterrâneos:
É muito importante, também, que é pra eles verem que já aconteceu comigo, também pode acontecer com eles. E eu tô feliz porque a música do Pará tá sendo muito visualizada, a gente tá crescendo e eu espero que depois desse show a gente ainda cresça muito mais.
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Troféu Tradições – Ingressos e Transmissão Ao Vivo
O show, apresentado pela UBC, conta com o apoio do Theatro da Paz e da Secretaria de Cultura do Governo do Pará e tem parceria da Libra. As vendas de ingressos acontecem através do site Ticket Fácil e na bilheteria do teatro. A apresentação terá direção do artista visual e designer Batman Zavareze e será transmitida ao vivo pelo canal da UBC no YouTube.
Marcelo Castello Branco, Diretor Executivo da UBC, reforça o compromisso da associação sem fins lucrativos em valorizar a pluralidade da música brasileira:
O Troféu Tradições deste ano vai para o Pará, o Carimbó, outra expressão da excelência e diversidade da riqueza da música brasileira exemplarmente representada pelo talento e coragem de Dona Onete, uma vida dedicada à cultura e à música. Seguimos com nosso propósito de valorizar a pluralidade e singularidade de nossos titulares em suas maiores capacidades.
Esta é a segunda vez que o troféu homenageia uma compositora. A cantora e diretora da UBC Paula Lima destaca a representatividade de Dona Onete como “uma paraense que traz na sua identidade a alegria, o orgulho do Norte, a liberdade em exercer o seu ofício de forma inspiradora“.
A seguir, confira, na íntegra, nossa conversa com a Rainha do Carimbó.
TMDQA! entrevista Dona Onete
TMDQA!: Olá, Dona Onete! É uma honra poder ter essa conversa com você, seja bem-vinda ao Tenho Mais Discos Que Amigos! No próximo dia 22 de Junho, você será a artista homenageada no Troféu Tradições, pela UBC. Em nome de toda a equipe do TMDQA!, eu gostaria de parabenizá-la por mais essa incrível conquista. Como recebeu a notícia da homenagem? E o que isso representa para você?
Dona Onete: Como eu recebi? Eu recebi com muita alegria, porque… eu não sei se todas as outras fazem, mas eu receber [essa homenagem] da empresa que toma conta das minhas coisas, eu fiquei muito feliz. Ainda mais que vai ser um show maravilhoso que vem trazer outras pessoas também para cantar comigo, que pertencem à mesma empresa, então também fazem parte da homenagem. Eu tô feliz, tô querendo logo que chegue esse dia. Representa a felicidade [para mim], porque é em vida que se recebe as homenagens e eu tô recebendo em vida e, principalmente, logo após o meu aniversário de 83 anos.
TMDQA!: Minha próxima pergunta era justamente sobre essa grande apresentação que contará com outros artistas paraenses. Poderia falar um pouco da importância de trazer junto esses artistas para a celebração? Essa conquista é uma conquista coletiva?
Dona Onete: É muito importante, sim, porque essas pessoas, esses cantores que vêm cantar comigo, cantam canções também minhas e também pertencem a UBC. É muito importante, também, que é pra eles verem que já aconteceu comigo, também pode acontecer com eles. E eu tô feliz porque a música do Pará tá sendo muito visualizada, a gente tá crescendo e eu espero que depois desse show a gente ainda cresça muito mais. Eu tô muito feliz.
TMDQA!: Falando em coletividade, nos últimos anos você colaborou e participou de álbuns de diversos artistas mais jovens e dos mais variados gêneros, como Emicida, Jaloo, Gaby Amarantos, Aíla, BNegão e Francisco, el Hombre. Como é trabalhar e ter essa troca com artistas de uma outra geração?
Dona Onete: Gente, isso é felicidade para uma senhorinha de 82 anos, quase 83, participar com essa juventude! Aí tá se vendo que é uma troca, deles me dando força e eu também dando força pra eles. É assim que tem que ser: um ajudando o outro. Se não for assim, a gente não caminha. Porque, se eu for caminha só, depois eu me vou e o resto?! Nunca mais vai se ouvir uma música assim, como Dona Onete cantava, então eles vão ficar cantando, vão ficar falando da minha história e isso é muito bom.
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Trajetória
TMDQA!: Você lançou seu primeiro álbum aos 72 anos, depois de ter atuado décadas como professora de História, além de ter sido Secretária de Cultura. Hoje, já soma mais de 300 composições, um número impressionante. Quando você começou a compor? É algo que já te acompanha muito antes de poder gravar suas músicas?
Dona Onete: Sim, já me acompanhava muito antes, compondo e cantando para Boi-Bumbá, para Carnaval, para encontro de professores, para encontro da CUT… tudo isso eu ia fazendo as composições, passava por mim, eu cantando, mas depois eu não parava, ia dar aula. Quando agora eu voltei, que eu me aposentei, eu comecei a cantar seresta, depois eu vim pra Belém. Aí foi que a música começou a fluir na minha história, eu trazendo um Carimbó diferenciado, senão eu não tinha vencido essa enorme barreira [feita] quase de só Carimbó masculino. A gente também agora tá dentro do Carimbó e tamo junto! Pronto, o Carimbó já é internacional e tá tudo certo!
TMDQA!: É evidente no seu trabalho a alegria e o orgulho com que canta o Norte. Como é poder acompanhar ritmos que fizeram parte de toda sua formação alcançar novos espaços de destaques e, principalmente, ser figura importantíssima dentro desse movimento?
Dona Onete: Gente, aqui no Pará eu sou uma delas ainda, porque aqui no Pará existe muita cultura. O Boi-Bumbá é muito forte, muita gente já cantava o Pará, somente ainda não tinha tido uma oportunidade de mostrar lá fora o jeito do paraense, as coisas paraenses, sempre mudavam alguma coisinha, porque tinham, às vezes, até medo de não serem aceitos. Mas aqui dentro do Pará tem muita coisa que vocês ainda precisam ver, os pássaros juninos, as quadrilhas, as nossas coisas daqui… é diferente. Vocês precisam vir ao Pará para ver o que é que o Pará tem.
TMDQA!: Em poucos anos após se lançar como cantora, você já estava figurando em documentários, participando de importantes festivais pelo Brasil, diversas turnês internacionais, com músicas em novelas, estampando capas de revistas, alcançando o topo de paradas internacionais… Quais foram os desafios de começar uma nova etapa da vida a essa altura, e como é se ver conquistando novos feitos e sucessos a cada dia dentro disso?
Dona Onete: Aí gente, que pergunta [risos]… O desafio é muito louco! Eu não falo inglês, eu não sei nada de inglês, me viro muito bem com a língua portuguesa, mas eu vou dizer uma coisa para vocês: o desafio é enorme! Quando eu me vejo numa capa de revista, quando me mostram alguma coisa, eu fico assim meio até preocupada porque uma Dona Onete, uma senhora idosa, com toda essa idade, cantando, chegando a esse topo — ainda não é o topo dos topos, mas muita coisa já aconteceu comigo —, eu fico pedindo: “tomara que as outras pessoas, as meninas e os meninos paraense, também cheguem até lá“.
Mas não pensem vocês que eu não tive ajuda, tive ajuda sim, também de cantoras mais antigas que me deram também uma força; quer dizer, uma mãozinha assim dando para outra, a gente vai seguindo e subindo, escorrega um pouquinho, sobe de novo, mas a gente vai chegando até lá. Graças a Deus que Dona Onete já mostrou um pouco do caminho e como é que a gente tem que seguir: unidas!
TMDQA!: Você tem algum conselho para quem acha que é tarde demais para correr atrás de um sonho?
Dona Onete: Às vezes a gente sonha tanto e depois guardar numa gaveta. Um dia a gente vai fazer uma limpeza na gaveta e acha um bilhetinho, acha um aviso, um número de telefone, e a gente lembra, liga e a nossa história está lá, vem à tona a nossa vida. Nunca é tarde, todo tempo é tempo, basta você querer. Você também não [pode] passar dos seus limites, não querer subir pisando em ninguém, subindo por si próprio, pedindo a mão, alguém lhe dando a mão, com muita humildade. É essa minha humildade que tá me levando até onde eu já cheguei.
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Novo álbum e indicações
TMDQA!: Caminhando para o fim da nossa conversa, a gente sabe que você está preparando um novo álbum, o seu quarto disco de estúdio. Ele terá alguma temática central? Participações especiais? O que pode nos adiantar?
Dona Onete: Gente, nesse quarto álbum, eu vou sair um pouco das águas, eu vou passar para a história das festas de interior, as festas que terminam muito graciosas, que quando você já tá no meio da rua [indo embora], toca a música, aí você volta para dançar, vai tomar o último gole… e assim a gente vê aquela alegria de um fim de festa. Mas não é o fim da minha história, porque aí que começa tudo.
Eu tenho participações, sim. Tenho dos meus músicos, eu tenho de algumas pessoas também que vão entrar agora participando, contando também [com] um pouco de guitarrada, um pouco de tambor, um pouco disso… eu quero misturar um pouco, novamente, como eu fiz no primeiro CD, que Marco André fez para gente. Ele chamou muita gente, acho que nesse eu também quero chamar muita gente para participar comigo. Sempre pensar no coletivo. Eu quero fazer um CD maravilindo para todo mundo!
TMDQA!: Dona Onete, além de uma grande artista, também é uma grande ouvinte de músicas? Poderia compartilhar com a gente algum disco ou artista que tenha descoberto recentemente?
Dona Onete: Olha, eu conheci agora vários, principalmente de Carimbó. De Carimbó em Alter do Chão, eu tenho o Mestre Chico Malta, eu tenho Silvan Galvão… eu tenho os outros senhores que fazem parte também [desse movimento], as Suraras [do Tapajós], que cantam também e compõem essa parte. Eu tenho Mestre Damasceno, lá no Marajó, eu tenho o grupo de Carimbó também daqui, meu primo Jázinho, no Carimbó Sancari. Eu tenho várias, vários, vários daqui, muita gente que se eu for enumerar… é muita gente.
Mas o Pará está muito bem servido, nós temos muita gente na música da gente. Temos o [Marco] André, né?! Temos várias pessoas que merecem também daqui um tempo tá mostrando a nossa música paraense. Tem o Pio Lobato, Vovô [Batera] e outros cantores que a gente tem que ainda estão aparecendo, mas a gente só tá aqui dando de vez em quando um conselhinho, uma coisa, como é para fazer, e também dizendo “vão lá“, que essas pessoas têm voz, têm cultura e é a cultura que eu quero, essa cultura do Pará, a música de Boi-Bumbá… é muito bonita a música de Boi-Bumbá e a gente vai levar no nosso CD, Boi-Bumbá, novamente, tá?!
Continuando, em Igarapé-Miri, o Patrich [Depailler] é um grande lutador pela música do Pará, o Massara [& Banda / Massarimbó] também… são músicos antigos que tocam e que não conseguem ultrapassar [a barreira regional], mas um dia eu tenho certeza que vocês vão dar essa oportunidade pra eles trazerem a cultura também, assim como eu trouxe. Que o Projeto Meio-Dia venha a gravar também, porque merecem, essas pessoas merecem.
Lá em Cachoeira do Arari, a gente tem outras pessoas, [ainda] tem Ponta de Pedras, tem Soure, tanta gente que faz cultura, só que eu não tô lembrada agora dos nomes deles. O Mestre Diquinho lá [de Soure] é um mestre, mas ele toca muita seresta. É uma coisa de louco ver esses músicos marajoara, viu?! Tambores de Pacoval também… Tem muita coisa, muito Carimbó à moda de Marapanim… Vocês precisam vir para ver a diferença que tem entre um e entre outros, principalmente na parte de Bumba: Boi de Máscara em São Caetano, Boi-Bumbá aqui, Arraial do Pavulagem… tem muita coisa que precisa ser mostrada. Eu achava, assim, que uma revista só do Pará, meu Deus, ficaria enorme com tanta cultura!
TMDQA!: Dona Onete, agradeço imensamente a sua atenção e o seu tempo. Fico muito feliz em poder realizar essa entrevista. Desejo uma maravilhosa apresentação no Troféu Tradições e que venham muitas outras homenagens, pois motivos não faltam!
Dona Onete: Agradeço muito ao site que tem mais discos do que amigos e eu acho que agora vocês vão ter muitos amigos e muitos discos, viu?! Eu agradeço muito pela homenagem, por vocês fazerem essa coisa tão bonita comigo, essa entrevista. Obrigada! Beijo no coração. Gratidão!