Desde que as turnês de Rage Against The Machine e Roger Waters começaram a rodar os Estados Unidos e o Canadá neste verão do hemisfério norte, o Tenho Mais Discos Que Amigos! tem noticiado algumas confusões geradas por fãs de rock nas redes sociais.
Depois do primeiro show em 11 anos, a banda de Zack de la Rocha tem sido chamada de “lacradora”, com pessoas fantasiando que “era melhor quando eles deixavam a política de fora”. Já Waters, para evitar esse tipo de espectador desavisado, já informa no telão antes da apresentação: “se você não suporta mensagens políticas, é melhor cair fora”.
Confusões assim também acontecem quando “fãs raiz” acusam uma banda de “se vender” ou estar se tornando popular demais.
Foi o que aconteceu com o Metallica nos anos 80, ao lançar o clipe de “One” na MTV, ou agora em pleno 2022, quando teve “Master of Puppets” incluída em Stranger Things e irritou algumas pessoas, ou ainda quando artistas ligadas ao universo pop, como Anitta e Demi Lovato, sofrem críticas por pegarem uma guitarra e explorarem uma mistura de estilos.
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Tudo isso mostra que o rock, assim como vários aspectos da sociedade em 2022, está se aproximando de movimentos radicais e ultraconservadores.
Mas o estilo não nasceu exatamente do protesto e da contracultura, com o objetivo de romper tabus e tradições? Vem com a gente relembrar um pouco da história desse gênero que vive em estado de contradição nos dias atuais.
A origem do Rock N’ Roll é negra
Estudiosos apontam que o rock surgiu nos Estados Unidos no fim dos anos 1940 e início de 1950, através da combinação de vários gêneros populares na época como o country, o gospel, o jazz, o blues e sua fusão com boogie woogie, o R&B.
Todos esses estilos já tiveram forte influência cultural africana nos séculos XVIII e XIX, quando os escravos cantavam nos campos de trabalho para protestar e celebrar sua espiritualidade e seus ancestrais.
E foram os negros dos EUA que levaram essa proposta adiante. Artistas como Sister Rosetta Tharpe, Little Richard, Chuck Berry e Ike Turner são comumente citados como donos das primeiras gravações de rock.
Quando “Rock Around the Clock”, de Bill Haley, ganhou grande popularidade em 1955, ou “Jailhouse Rock” de Elvis Presley em 1957, os negros já tinham definido as bases do uso da guitarra elétrica.
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Mas o rockabilly também teve papel importante ao disseminar a filosofia do rock, influenciando até o cinema. Filmes como O Selvagem e Juventude Transviada mostravam personagens rebeldes usando jeans, jaquetas de couro e botas.
Aquela geração, marcada pelo fim da Segunda Guerra Mundial, começava a abandonar preconceitos que estavam enraizados. Os anos 60, além de serem marco da liberação feminista e revolução sexual, também foram o auge da luta pelos direitos civis da população negra.
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A solução é a anarquia: surge o movimento Punk
Se os anos 50 marcaram o surgimento do rock e os anos 60 foram de inclusão, experimentação com drogas e amor livre, os anos 70 vieram pra incendiar tudo.
O punk veio como uma resposta à filosofia de não-violência do movimento hippie. Embora as bandas fossem formadas por jovens brancos de classe média, eles rejeitavam o estilo de vida da elite e o status quo da sociedade.
Com características como o pessimismo, niilismo e anarquia, os músicos desse estilo passavam uma imagem “anti-ídolo”, seja na forma desleixada de tocar os instrumentos, seja nas atitudes irresponsáveis e destrutivas que tinham no palco e, por vezes, nas suas vidas pessoais.
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A junção de sonoridade, atitude e vestimenta só ganhou forma de “cultura punk” quando atravessou da América para o Reino Unido. Grupos como Sex Pistols e The Clash ganharam popularidade ao retratar a decadência da sociedade britânica.
Além de estarem do mesmo lado político, esses jovens também compartilhavam o gosto para cinema, artes e maneira de se vestir. Essa união de uma geração teve uma força enorme para escandalizar e romper com as “normas sociais” da época, algo que acontecia até com mais força no underground com bandas como o Bad Brains, que resgatavam a origem negra do rock.
Vale lembrar que, nesse período, vivíamos no Brasil a ditadura militar e, embora a repressão tenha atrasado o surgimento do cenário punk nacional, nos anos 80 grupos como Cólera, Ratos de Porão e Inocentes trouxeram temas fundamentais para a redemocratização.
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Novas bandas políticas sempre vão surgir
A prova cabal de que rock e política são indissociáveis é a renovação do estilo. A cada década, jovens bandas e artistas surgem da necessidade de oferecer um contraponto à realidade em que vivem.
Só no Brasil, poderíamos passar o dia inteiro aqui citando nomes de todos os estilos musicais que contestam e servem como ícones de contracultura, desde Black Pantera e Pense até Djonga, Don L, FBC e VHOOR, Jup do Bairro, Liniker, Francisco, el Hombre, BaianaSystem…
São artistas que compreendem que a música não precisa necessariamente ser partidária para A ou B. O que a música precisa é falar de problemas cotidianos, e assim jogar luz sobre a exploração, o abuso e o apagamento que diversas minorias continuam sofrendo.
É por não compreender toda essa história que pessoas ainda se irritam com grupos como Pink Floyd e Rage Against The Machine em pleno 2022. E, por aqui, o nosso trabalho vai ser incansável para relembrar que rock e política andam juntos — desde sempre e para sempre.