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“Por algum motivo, o Brasil sempre me mostrou muito amor”: Jacob Banks fala ao TMDQA! sobre primeiro show no país

Em entrevista exclusiva com o TMDQA!, Jacob Banks fala sobre sua primeira vinda ao Brasil, novo disco e sua relação especial com o país.

Jacob Banks
Divulgação

Por Nathália Pandeló Corrêa

Nascido na Nigéria e criado em Birmingham, Inglaterra, Jacob Banks sempre lidou com questões de identidade. Seja pelas suas raízes africanas, seja pela sua relutância em se “assumir” artista, ele traz reflexões potentes sobre amadurecimento e seu lugar no mundo em uma discografia que já chama atenção: são quatro EPs e um disco, Village.

Agora, o músico se prepara para lançar o segundo álbum completo, Lies About the War, e virá ao Brasil pela primeira vez em setembro para mostrar esse repertório. O show acontece no Cine Joia, em São Paulo, em 23/09. Para ele, é a chance de agradecer um apoio vindo do público brasileiro que ele nunca de fato compreendeu de onde veio.

Certamente não foi do nada. Talvez tenha a ver com a presença do artista em trilhas sonoras do videogame FIFA (em 2015 e 2019), altamente popular no Brasil. Ou talvez seja a presença em outra trilha de grande visibilidade: a da série Game of Thrones. Mas certamente tem alguma ligação com o vocal forte e cheio de personalidade de Banks, que o faz percorrer com desenvoltura cenários do soul e do pop, do R&B e do hip hop.

Ele mesmo valoriza as múltiplas identidades que compõem quem somos e traz muito de si para essas canções. A sinceridade transparece da capa aos clipes, fazendo surgir um artista que sabe muito bem o que tem a dizer.

Antes de desembarcar no país, Jacob Banks conversou com o Tenho Mais Discos Que Amigos! sobre suas origens duais, o aspecto visual de seu trabalho, a importância de Amy Winehouse para a atual geração de músicos ingleses e as expectativas para sua primeira visita ao Brasil.

Confira abaixo!

TMDQA! Entrevista Jacob Banks

TMDQA!: Oi Jacob, obrigada pelo seu tempo. Estamos empolgados que você vem ao Brasil, quero falar sobre isso. Mas antes, queria falar sobre a sua música, em geral. Porque muito dela parece vir de um lugar de falar de lar, raízes, identidade. Na medida que o tempo passa, você sente que compor e cantar essas músicas te deu uma noção melhor de quem você é, tanto criativamente quanto pessoalmente?

Jacob Banks: Sim, mas a questão é que… ao longo do tempo, as músicas ganham novos significados. Elas nunca terminam como começaram. “Lar” é um alvo em movimento, as coisas mudam, você vai de relacionamento para relacionamento – se não for tão sortudo como eu – e… as  canções te lembram coisas diferentes. Mas todo mundo está tentando se sentir em casa, onde quer que seja. Talvez numa relação, numa viagem, todo mundo busca o que é o mais próximo de um lar, então isso parece um alvo em movimento constante pra mim.

TMDQA!: Acho que é isso que faz sua música tão fácil de se identificar. Você estava falando de significados que mudam e seu início na música foi um pouco mais tarde – acho que podemos chamar assim.

Jacob: Foi sim.

TMDQA!: É, você já tinha mais de 20 anos. E agora você está oficialmente na casa dos 30. Quando você olha pra essa última década, você fica surpreso com o resultado de tudo isso e até da pessoa que se tornou?

Jacob: Sou só grato. Penso muito sobre como seria fácil as coisas seguirem outro caminho. Depende de tanta coisa… qualquer coisa poderia ter acontecido. Eu poderia ter tido algum problema de saúde, ou de alguém da minha família. Tem tanto que está fora do meu controle e que teria mudado as minhas prioridades. Tive sorte. É difícil admitir, mas sei que muita sorte veio na minha direção, o que me permitiu focar no que eu amo fazer. Mas para algumas pessoas, não há sorte. As coisas acontecem, eles têm de virar um pai, ou ser um bom irmão, e isso se torna mais importante que a música. Eu pude trabalhar com música, então me sinto sortudo, mais do que tudo.

TMDQA!: E sorte a nossa também. Agora, me corrija se eu estiver errada, mas eu vejo seus primeiros EPs como uma trilogia, porque eles se complementam muito bem. Quando Village saiu, parecia algo mais ambicioso, parecia contação de história, desde a capa até a última faixa. Sei que você está preparando um novo disco. Pelo que pude ouvir, você está indo na direção mais pop do seu som. Você vê esse momento como uma nova história ou talvez apenas um novo capítulo dentro da mesma história?

Jacob: Com certeza é um tipo de história diferente. Me encaixei melhor no meu papel. Por muito tempo eu tentei evitar ser chamado de músico ao longo dos meus 20 anos. E agora aceitei ser um músico que não toca no rádio, que tem mais um nicho ao invés de ser algo muito famoso, e aceitei esse fato. Estou fazendo música que se encaixa nisso.

TMDQA!: E faz sentido. Falávamos agora de você ter feito 30 anos e significa que você cresceu com uma geração de artistas muito fortes no cenário do R&B e soul ingleses. Por causa da sua voz, é muito fácil de associar a essa cena. Agora tem você e uma nova geração que leva esses gêneros a um outro nível. Crescer ouvindo Amy, Corinne Bailey Rae, Leona Lewis, Craig David – só pra citar uns mais óbvios – teve algum impacto no que você e o seus artistas contemporâneos fazem hoje?

Jacob: Com certeza. Amy especialmente quebrou todas as regras do que você deveria dizer, e como isso deveria ser dito. Ela foi a primeira pessoa que eu ouvi falar “foder” numa música. Ela falava de coisas reais. Falava de ela ser infiel, o que é raro. Tem essa música que eu sempre cito, chamada “I heard love is blind”, e ela fala de trair o parceiro e tem um verso em que ela diz, “Não entendo porque você está tão chateado. Estava pensando em você quando gozei”. E isso é de 2003, algo assim. E as pessoas não têm coragem de cantar isso hoje. E ela como uma mulher, naquela época, ela já era à frente de todo mundo. Quando eu ouvi as coisas que ela lançava eu pensei, “porra, então você pode falar o que quiser?”. E eu adorei descobrir isso, que não há regras. Você pode falar o que quiser. Essa música tem um refrão que não segue os padrões, tipo estrofe, depois refrão. Ela dizia o que queria e era adorada por isso. Amy eu diria que foi uma enorme influência. É difícil se libertar dela, inclusive. A maioria dos músicos do Reino Unido passa anos tentando se libertar disso, porque todo mundo soa como ela, todos querem ser tão punks como ela era. É difícil fingir não saber quem ela foi.

TMDQA!: Ela mudou o jogo, né? Eu queria falar um pouquinho sobre suas raízes, aliás. Sabemos que a música africana se mesclou com a inglesa muito bem ao longo dos anos. Aqui no Brasil isso aconteceu também – acho que temos o colonialismo a agradecer por isso. Mas sinto você trazendo sons da Nigéria com mais frequência a cada trabalho. Não sei é o caso desse novo disco, mas é algo que faz você se destacar e mostra seu orgulho de onde vem. Pra você, qual a importância de se posicionar assim, num Reino Unido tão dividido agora?

Jacob: Pra mim, nunca foi algo pensado, porque eu sou só estava sendo eu mesmo. Eu sou africano e também sou britânico. Não estava pensando “os africanos vão amar isso”, eu só estava existindo. Estava conversando ontem com alguém e ela falou que estava passando por uma crise de identidade. E eu expliquei que não era possível passar por uma crise de identidade, porque significa que você pensa que é apenas uma coisa. Mas você é muitas coisas. Uma amiga, irmã, esposa, muçulmana – ou qualquer que seja a religião que a pessoa pratica -, estudante, professor. Você nunca vai ficar sem uma identidade. Você pode ter perdido alguma coisa e podemos tentar descobrir o que é, mas somos todos muitas coisas e todos deveriam poder falar sobre qualquer coisa. Não deveríamos ter que só fazer hip hop, só bossa nova. Se você gosta dessas coisas e elas são verdadeiramente parte de quem você é, você pode falar por esses grupos. Quando comecei a fazer música, pensei que queria que as pessoas tivessem companhia, então só contei histórias que pareciam naturais e eu só ia onde precisava ir para que as histórias fossem verdadeiras. E é algo sobre o que sou muito grato.

TMDQA!: E faz sentido, ninguém é só uma coisa só. Queria te perguntar sobre a parte visual do seu trabalho. Você faz isso de uma forma interessante em cada clipe, EP ou disco. Você se envolve muito nessa parte? O conceito visual vem pra você durante a composição da música? Porque muitas são bastante visuais. Ou só depois, quando o álbum todo está finalizado?

Jacob: Eu me envolvo bastante. Dirijo todos os meus clipes, escolho as artes de capa, em geral acho os artistas por conta própria, entro em contato com eles. Sou muito envolvido nisso. Sou um artista independente, é tudo feito por mim e alguns amigos. Acho que é importante. A música deveria ser vista, não apenas ouvida. As músicas ativam uma memória pra você, ou o seu futuro. Você sempre consegue ver – uma memória, uma pessoa, um cheiro, uma refeição. É sempre algo, tipo um filme que fica em exibição na sua cabeça. Quero que as pessoas consigam ver as coisas e ir aos lugares onde precisam ir. E também é uma forma de fazer as pessoas prestarem atenção em outros tipos de arte, como pintores e artistas visuais que passam a fazer parte das histórias que eu conto e depois seguem fazendo coisas incríveis. É uma forma dar destaque a alguns talentos, especialmente os jovens e negros, da nossa diáspora. Muitos desses artistas são de grupos marginalizados e é uma boa forma de jogar luz sobre a nossa indústria criativa. Eu gosto disso e de contar histórias, e isso não para só na música. Me divirto tanto dirigindo clipes e escrevendo os tratamentos de roteiro quanto compondo canções. Eu amo conseguir me expressar e é uma forma de fazer isso.

TMDQA!: E a arte de capa de Village é perfeita, poderia estar naqueles postais que a gente compra em qualquer museu grande ao redor do mundo.

Jacob: Obrigado!

TMDQA!: Por fim, queria falar sobre sua vinda ao Brasil. Você está empolgado? O que está te deixando mais ansioso?

Jacob: Vai ser minha primeira vez no Brasil. Faz muito tempo que eu tento ir aí e foi bem difícil. Estou empolgado porque vou compartilhar isso com muitas pessoas. Vou com muitos amigos próximos e nunca estivemos no Brasil, então estamos ansiosos por isso. Mais do que tudo, quero dizer “obrigado”. Por algum motivo estranho, o Brasil sempre me mostrou muito amor e esse show será mais pra mim do que para o público. É para eu conseguir agradecer todo o apoio que me deram, por alguma razão. Só quero dizer “obrigado” e comer comidas gostosas, ver as coisas, aprender sobre a cultura desse povo tão eclético e fazer parte desse lugar maravilhoso.

TMDQA!: E estamos empolgados para te receber. Tudo de bom com esse novo disco, Jacob!

Jacob: Obrigado!