True crime: por que gostamos tanto de séries e filmes desse gênero?

Possíveis explicações para o sucesso do true crime estão na espetacularização das coberturas e no senso de pertencimento gerado pelas discussões dos casos.

Caso Evandro, Jeffrey Dahmer e Daniella Perez são exemplos recentes de séries de true crime

Texto por Filipe Rodrigues e Felipe Ernani

Nos últimos tempos, são diversos os exemplos de séries que conquistam sucesso de público ao trazer à tona casos antigos e recentes envolvendo mortes. De Caso EvandroDahmer – Um Canibal Americano, são inúmeros casos assim e não é de hoje. Mas por quê? O que será que existe por trás do fascínio por histórias de crimes reais?

Apesar de ser bem mais popular nos Estados Unidos, o gênero true crime também tem sua parcela de fãs brasileiros e vai crescendo por aqui. As coberturas sensacionalistas por parte da mídia contribuem para a criação dessa aura fantástica em torno das histórias reais, mas há também um componente psicológico que explica isso.

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Um artigo publicado na BBC britânica pela Dra. Julia Shaw, pesquisadora da University College London, escritora e especialista em psicologia criminal, listou alguns fatores que são motivos para que gostemos de histórias sobre crimes que aconteceram na vida real.

Celebridades

Pesquisadores como a socióloga Julie Weist, professora na West Chester University, na Pensilvânia (EUA), apontam que existe uma tendência para tratar serial killers e outros criminosos como celebridades. Um tipo bem distorcido de celebridade, convenhamos.

Quando um crime ganha muita notoriedade, os veículos de comunicação o divulgam à exaustão, a repercussão só aumenta e vira um ciclo que se retroalimenta até que a história tenha algum desfecho.

Casos famosos acabam virando “marcas próprias”, ao ponto de gerar alcunhas aos criminosos depois de certa exposição nos noticiários e programas de debate. Entre os exemplos estão Dennis Rader, o BTK; David Berkowitz, o “Filho de Sam”; Richard Ramirez, o “Night Stalker”; Kenneth Bianchi e Angelo Buono, os “Estranguladores de Hillside”…

A realidade norte-americana parece distante? Pois o mesmo acontece aqui no Brasil: Pedrinho Matador, Bandido da Luz Vermelha, Chico Picadinho, Maníaco do Parque. No Caso Evandro, a espetacularização do crime foi tão grande que ele ficou conhecido como “As Bruxas de Guaratuba”.

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Celina Abagge, uma das acusadas do assassinato do menino Evandro, no caso que ficou conhecido como “As Bruxas de Guaratuba”. Foto: Reprodução/Globoplay

O sensacionalismo por trás de casos como esses cria verdadeiras celebridades. Lá fora, Ted Bundy teve sua história contada em uma infinidade de séries e documentários ao longo dos anos. Aqui, Suzane Von Richtofen é tão conhecida quanto qualquer artista e também teve seu caso adaptado para o cinema.

O exemplo mais recente, claro, é o de Jeffrey Dahmer, um dos serial killers mais perturbados de todos os tempos e que vem gerando tantos comentários que virou até fantasia de Halloween, algo de extremo mau gosto e que vem tentando ser combatido por plataformas de vendas online.

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Indignação coletiva

Imagem: Reprodução

A criminologista Oriana Binik chama essa característica de “o carnaval do crime”. Segundo Binik, vivemos em uma sociedade capitalista emocionada, na qual as pessoas buscam constantemente o consumo de fortes emoções. Essas emoções atuam diretamente no nosso desejo por coesão social.

Traduzindo: gostamos de true crime porque é algo que podemos conversar sobre isso em grupo. Fofocar, especular e até mesmo sentir medo juntos.

Em Caso Evandro, podemos observar que, já na época do desaparecimento do garoto, em 1992, a cobertura massiva da mídia confirmava essa forma de consumir “entretenimento”. Apesar de opções limitadas de acesso às informações sobre o crime, o Brasil inteiro ficou atento ao noticiário durante meses para descobrir o que havia, de fato, acontecido.

Quando o podcast Projeto Humanos resgatou o caso, em 2017, o desaparecimento de Evandro e o julgamento dos envolvidos voltaram a ser bastante comentados, especialmente nas redes sociais, assim como a investigação realizada pelo jornalista Ivan Mizanzuk, responsável pelo podcast.

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Cena da série documental “Caso Evandro”. Foto: Reprodução/Globoplay

O mesmo acontece com Dahmer, e a série inclusive tem sido muito questionada especialmente pelas famílias das vítimas nos EUA. Apesar da narrativa tentar não glamurizar o assassino, a repercussão do público mostra que não foi bem assim que as coisas aconteceram.

Por isso, as famílias voltaram a pedir, por exemplo, que o assunto seja simplesmente deixado de lado.

Outro exemplo recente é o de Pacto Brutal, que conta a história do assassinato de Daniella Perez. Aqui, até mesmo os espectadores pareciam se assustar com a quantidade de detalhes e com a exibição de registros do crime, mas a obra também serviu para mostrar a revolta popular com a impunidade dos responsáveis.

Mas parar de produzir esse tipo de conteúdo não parece ser uma opção considerada pela indústria, então, o que fazer? O segredo pode estar no meio termo para não desrespeitar as vítimas em troca de entretenimento (e lucro).

Dois lados da moeda

Tratar casos reais de forma sensacionalista é um dos pontos mais delicados quando se trata de discussões sobre adaptações e/ou documentários true crime. A jornalista Melissa Chan já trouxe o tema para um artigo na revista Time, questionando o custo de popularizar o gênero, que passa por etapas como reviver sentimentos traumatizantes nas vítimas.

Como disse Shaw, no artigo da BBC, existem pessoas reais que foram afetadas por esses crimes. Elas não têm o luxo de apenas desligar o podcast ou a televisão e voltar às suas vidas normalmente. As nossas histórias de entretenimento são memórias extenuantes para elas.

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Crédito: reprodução

Caso Evandro é um bom exemplo. Apesar de trazer de volta os holofotes para o caso e possivelmente reaproximar da tragédia as pessoas envolvidas, a produção acabou ajudando. Durante as investigações e entrevistas, Mizanzuk descobriu conteúdos que simplesmente não entraram no inquérito e, portanto, não foram investigados. Com isso, novas interpretações dos acontecimentos podem surgir, inclusive mudando o entendimento de algumas decisões.

O mesmo aconteceu com outras séries, como Mistérios Sem Solução, lançada pela Netflix em 2020. A repercussão foi tão grande que houve até a reabertura de um caso há muito engavetado.

Em um campo mais abrangente, como explica o autor Harold Schechter, esses criminosos célebres ainda fazem parte da estrutura da civilização desde os primórdios. Só é possível considerar o comportamento deles condenável se todo mundo souber o que eles fizeram e como foram responsabilizados por isso.

E aí? Você é de qual time? Dos que ficam com a consciência pesada quando assiste documentários true crime ou dos que acham que eles podem ser construtivos de alguma forma? Ou dos dois, por que não?

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