Do outro lado da tela, de Porto Rico, surge um sorriso. Daymé Arocena e sua arte são isso, na verdade: sorrisos que ocupam os ouvidos.
Uma das novas e poderosas vozes do afrojazz latino, a artista cubana já vinha chamando a atenção — vale conferir o TinyDesk Concert com ela que estará no fim do post —, mas recentemente ela fez algo bem surpreendente focado no público brasileiro e, bem, do mundo inteiro apaixonado pelo Brasil, ao lançar um samba em português.
“Dançar e Voar” versa sobre a liberdade através da arte e é produzido por Kassin. Ela conversou conosco sobre sua relação com o país, como a MPB foi importante para a sua formação e sua paixão pela música brasileira atual. Confira abaixo!
TMDQA! Entrevista Daymé Arocena
TMDQA!: Nós, como brasileiros, sabemos que a nossa música é conhecida pelo mundo. Mas ainda surpreende quando alguém quer fazer um mergulho tão profundo. Como você se apaixonou pela nossa música e qual foi a maior dificuldade de gravar em português?
Daymé Arocena: Nós, músicos cubanos, somos apaixonados pela música brasileira. Quando estamos estudando na escola de música, parte do aprendizado é a música do Brasil. E sempre tem um amiguinho que fala “agora você tem que ouvir isso” e outro “e isso aqui”.
A primeira música que escutei em português foi na escola, ainda menina, era Gal Costa… Nossa, sempre me emociono só de lembrar. Trouxeram uma televisão para a sala e Gal estava lá, divina. Ela dizia assim “eu, você, nós dois….” e meu coração se quebrou em múltiplos pedaços na hora. Eu não entendi o que estava sentindo mas na hora pensei que precisava daquele show completo. E um amigo conseguiu uma cópia em um pen drive e acho que se eu der play hoje no mesmo show sei cantar todas as músicas de tanto que ouvi.
Na mesma época, eu descobri que na biblioteca da escola tinha um songbook de Tom Jobim. E a gente não podia levar o livro para casa, então eu comprei um caderno e copiei à mão todas as minhas favoritas. E fui aprendendo as músicas e tocava com a banda da escola, tentando cantar num português que devia ser horrível. Acho que por isso foi mais fácil conseguir gravar em português agora, foram anos de treinos.
TMDQA!: E como foi trabalhar com o Kassin? Foi uma escolha legal a sua pois ele é um produtor que tanto trabalhou com artistas clássicos da MPB quanto novos!
Daymé: Foi incrível! Infelizmente tudo à distância, via internet mas ele é uma pessoa muito fácil de se conviver e trabalhar.
TMDQA!: Podemos esperar mais em português depois deste single?
Daymé: Olha, eu quero! Mas na verdade eu quero ir ao Brasil e gravar com músicos brasileiros. Quem sabe gravar algumas dessas músicas que fazem parte da minha história! Não sei se você tem ideia, mas o Brasil é o único lugar no mundo que no momento em que cheguei no aeroporto, eu beijei o chão. Esse é o nível que eu venero o país.
TMDQA!: Muito da nossa música e da música cubana vem de um lugar comum, da afrodiáspora. Como você vê essa proximidade entre nossas culturas?
Daymé: É bem isso! É algo ancestral. Eu sempre achei que o culto aos orixás era algo puramente cubano. Lembro de um dia ouvir uma música do Milton Nascimento falando deles e quase caí de tanta surpresa. E ouvir a Maria Bethânia, o Carlinhos Brown, o Arlindo Cruz falando deles cria uma conexão não só cultural, mas também com a alma. Isso sem contar que a comida brasileira, o arroz e o feijão, é algo também muito cubano. Me senti muito em casa estando aí.
TMDQA!: O nome do nosso site é Tenho Mais Discos que Amigos. Você já disse bastante sobre como a música brasileira fez parte da sua vida, mas teve algum disco que foi como um amigo para você?
Daymé: Ah, o “Ao Vivo” do Djavan. Ele está comigo desde que eu tinha uns 15 anos. Quando a pandemia nos obrigou a ficar em casa eu redescobri esse disco e foi uma salvação para mim. É curioso como passam os anos e a música continua nos emocionando.