Música

Há 20 anos, Johnny Cash recebia Fiona Apple, Nick Cave e John Frusciante em seu épico disco de despedida

"The Man Comes Around", último disco de Johnny Cash em vida, tem participações de John Frusciante, Nick Cave, Fiona Apple, Don Henley e mais.

Johnny Cash no clipe de Hurt
Johnny Cash no clipe de Hurt

Johnny Cash nos deixou no dia 12 de Setembro de 2003.

Verdadeira lenda da música mundial, o “Homem de Preto” cruzou as barreiras da música country para se tornar um ícone de gêneros como Punk e Rock And Roll, muito por conta das temáticas densas, pessoais e bastante verdadeiras que abordava em suas canções.

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Com uma vida conturbada e um relacionamento difícil com a família, Cash viu em June Carter Cash, sua companheira, uma verdadeira rocha onde poderia se apoiar, e quando ela partiu em Maio daquele ano, passaram-se poucos meses até que ele também falecesse.

American Recordings e a “Volta” de Johnny Cash

E se a carreira do músico foi bem sucedida nos Anos 50, 60 e 70, quando os Anos 80 chegaram ele passou a ter dificuldades com as paradas de sucesso e com as gravadoras.

Seu reconhecimento como um grande artista de estúdio só voltou à tona no final dos Anos 90 e no início dos Anos 2000 quando o produtor Rick Rubin o conduziu em uma série chamada “American”, lançada pela American Recordings.

As principais características desses lançamentos eram a mistura com nomes da nova geração e uma escolha impecável de faixas, dando ênfase a uma curadoria que se beneficiava de todo talento de Johnny Cash na hora de interpretar as canções.

O primeiro disco veio em 1994 e contou com Chad Smith (Red Hot Chili Peppers) nas baterias de “Bird On A Wire”, clássico de Leonard Cohen.

Unchained, segundo volume lançado em 1996, tem covers de Beck, Soundgarden, Tom Petty e mais, com destaque para a versão de “Rusty Cage”, petardo Rock And Roll do grupo de Seattle que aqui ganhou uma versão ao melhor estilo faroeste.

Solitary Man, de 2000, trouxe uma belíssima cover de “One”, do U2, participações especiais de Sheryl Crow e Tom Petty, e o aquecimento para aquele que seria seu último disco de estúdio em vida.

The Man Comes Around

No dia 05 de Novembro de 2002, com 20 anos exatos completados no último sábado, The Man Comes Around se tornou o álbum de número 67 (!) na discografia de Cash e o último antes dele partir.

Na opinião desse que aqui escreve, é o melhor capítulo na série “American”, e olha que nem estou falando isso “só” por conta da versão absurda de “Hurt”.

A canção escrita por Trent Reznor e lançada pelo Nine Inch Nails em 1994 ganhou uma vida completamente diferente a ponto do seu autor cravar que ela não pertencia mais a ele.

Com um clipe que mostra Cash já debilitado e relembra cenas do seu passado, a letra da canção passou a ter outros significados e ganhou ares de despedida para uma verdadeira lenda.

Quando Johnny canta que “se machucou para ver se ainda sentia algo”, é como se ele compartilhasse a dor e o peso da idade com o mundo inteiro, ali, de forma brutalmente honesta para quem quisesse ver e ouvir.

“Todo mundo que eu conheço vai embora no final” é o que diz a letra e não há como não se emocionar com a segunda faixa de The Man Comes Around, mas o resto do disco segue sendo igualmente épico.

“Give My Love To Rose” é um clássico de Cash regravado de forma magistral, enquanto “Bridge Over Troubled Water”, de Paul Simon, ganha nova vida em um dueto fenomenal com a talentosíssima Fiona Apple.

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“I Hung My Head”, cover de Sting, surge na sequência e abre o Lado B do disco de forma primorosa, contando ainda com a tradicional “First Time Ever I Saw Your Face” antes de “Personal Jesus”.

A cover de Depeche Mode ganhou ares soturnos na voz de Cash e, para acompanhá-la, os violões contam com um verdadeiro time de estrelas.

Rick Rubin, produtor responsável pelo álbum, convocou ninguém menos que John Frusciante, guitarrista do Red Hot Chili Peppers com quem trabalhou em tantos discos, para criar o arranjo acústico e transformar o som, originalmente ligado ao rock eletrônico, a um blues rock poderoso.

É dele o violão enfurecido da versão que ouvimos aqui, enquanto Smokey Hormel ficou com a slide guitar e Billy Preston (Little Richard, Sam Cooke, Ray Charles, The Beatles, The Rolling Stones) tocou piano.

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Cover de Beatles para seguir em frente

Como se esse time de estrelas não fosse suficiente, o Lado B do primeiro disco desse álbum duplo termina com uma cover de “In My Life”, dos Beatles, composta pela dupla Lennon-McCartney.

A música Country é celebrada no Lado A do segundo disco com covers de “Sam Hall”, do pioneiro Tex Ritter e “I’m So Lonesome I Could Cry”, de Hank Williams, que Cash já havia homenageado durante a carreira em outras oportunidades.

Para sua versão, ele convocou o gigante Nick Cave.

Outro destaque desse lado fica por conta de “Desperado”, belíssima canção dos Eagles que na versão de Johnny Cash ganhou uma participação especial de Don Henley, fundador da banda.

Ao chegar ao fim, Cash celebra Jimmy Webb e Marty Robbins, que além de lenda da música Country também foi piloto da NASCAR (!), antes de apresentar uma das poucas músicas próprias do álbum com “Tear Stained Letter”.

Adeus, Mestre

O fim não poderia ser mais emocionante.

A última faixa de The Man Comes Around é “We’ll Meet Again”, escrita por Hughie Charles e Ross Parker e lançada pela cantora Vera Lynn em 1939.

A canção se tornou uma espécie de “hino de despedida” para soldados ingleses que iam para os combates da Segunda Guerra Mundial e deixavam seus familiares em casa sem saber quando voltariam. Ela é, inclusive, citada pelo Pink Floyd em “Vera”, do clássico The Wall.

Nos encontraremos novamente
Não sei onde, não sei quando
Mas eu sei que nos encontraremos novamente
Em algum dia ensolarado

Aqui, Johnny Cash convocou amigos e familiares para cantarem junto no coro que fala da despedida, algo muito triste, de forma alegre, tentando contemplar o momento de reencontro com otimismo.

Dessa forma, ele, que nos mostrou o final da vida de forma tão melancólica no começo do disco com “Hurt”, acaba em um tom menos pesado, ainda que fale sobre não estar mais entre aqueles que ama.

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Um ano depois, Johnny Cash partiu para se reencontrar com June em um dia ensolarado, e outros discos vieram na forma de A Hundred Highways e Ain’t No Grave, quinta e sexta edições da série “American”, respectivamente.

A Hundred Highways, muito por conta da morte do artista, foi um grande sucesso de público e crítica, chegando ao topo da Billboard com 88 mil cópias vendidas em sua primeira semana, algo que não acontecia para Cash desde Johnny Cash at San Quentin, de 1969.

Em 2014, outro disco póstumo veio com Out Among The Stars, mas ele nem chegou perto de ter tanto impacto quanto a série “American” e quanto o “aniversariante” The Man Comes Around, com todos seus significados, simbolismos e gigantes envolvidos no projeto.

Johnny Cash foi um dos maiores em vida e um dos maiores quando disse adeus. Que saudades.

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