Conviver com o machismo ainda é, infelizmente, uma realidade para a maioria das mulheres.
A discriminação de gênero ocorre em muitos ambientes e atinge todos os tipos de pessoas, sejam elas famosas ou não. Recentemente, a cantora e skatista Karen Jonz passou por um caso de broprieting.
O termo original bropropriated foi usado pela primeira vez por Jessica Bennet no artigo “How Not to Be ‘Manterrupted’ in Meetings”, publicado em 2015 na revista Time.
No texto, Bennet conta que a expressão tem autoria de seus amigos que fizeram um neologismo formado pela junção do prefixo bro (de brother, aqui se referindo a “cara” como na gíria) e propriating (da palavra appropriating, apropriação), como explica uma matéria do portal Projeto Draft.
A expressão passou a ser usada para se referir a situações, em sua maioria profissionais, em que homens se apropriam de ideias e realizações de mulheres. Segundo relatos de Karen em seus stories do Instagram, foi exatamente por isso que ela passou durante uma reunião com uma marca grande que queria contratá-la para uma campanha.
Karen Jonz e o caso de broprieting
A artista revelou que ficou assustada por nenhuma pessoa que estava na reunião se manifestar e disse que fez questão de avisar que aquilo estava lhe causando incômodo. Para desabafar sobre o assunto, além do relato, Karen Jonz transformou a situação em uma música chamada “Certeza Absoluta”.
Em sua conta do Instagram, a cantora compartilhou um trecho da nova canção que chamou atenção de suas seguidoras, as quais decidiram compartilhar através dos comentários da publicação relatos sobre situações de machismo pelas quais já passaram ou ainda passam.
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Em conversa com o TMDQA!, Karen contou mais detalhes sobre o caso de broprieting e falou sobre a importância de usar seu espaço nas redes sociais e sua carreira para abordar o assunto.
Confira o papo na íntegra logo abaixo e relembre o disco Papel de Carta ao final da matéria. Em tempo, Karen Jonz se apresenta em São Paulo no dia 1º de Dezembro ao lado de Gab Ferreira e você pode garantir ingressos aqui.
TMDQA! Entrevista Karen Jonz
TMDQA!: Recentemente você passou por um caso de broprieting durante uma reunião com uma marca grande. Você pode contar como foi a situação?
Karen: É uma coisa muito comum, e que a gente acaba até normalizando. No caso, foi uma reunião com um assunto importante, e é uma situação que realmente acontece. Acho que não foi a primeira vez mas, desse jeito, parece que a pessoa está simplesmente ignorando tudo que você tá falando e aí repete como se a ideia tivesse sido dela.
Mas, assim, eu não tenho muita paciência mais hoje em dia de não falar, então eu sempre acabo me manifestando de alguma maneira. Assim como naquele episódio do Ivan Moré, em que ele me apresentou como sendo esposa do Lucas [Silveira] e não pelos meus méritos pessoais e eu pontuei. Então, é algo que acontece e eu costumo pontuar, assim, de forma educada.
TMDQA!: Às vezes não conseguimos nem explicar direito, né? Mas qual foi a sensação que você sentiu de ter passado por isso?
Karen: Sim. Me recordando até na história de outra vez que isso aconteceu, teve uma marca que eu trabalhei há muitos anos que aconteceu exatamente a mesma coisa. E aí nessa época a marca percebeu o que a pessoa estava fazendo — e claro que eu não vou citar nomes, tá? Mas, na época, perceberam o que a pessoa estava fazendo e ela foi mandada embora depois de um tempo, porque junto com essa atitude dele vinham outras coisas associadas.
E aí as pessoas começaram a perceber que não foi só, tipo… ele fez isso comigo, mas deu várias outras mancadas e acabou que eu fiquei na marca tendo patrocínio por muito tempo enquanto ele acabou sendo mandado embora.
TMDQA!: No seu disco Papel de Carta você trouxe letras que falam sobre vulnerabilidade e até apresenta algumas confissões da sua vida. Depois da situação de broprieting, você compartilhou no Instagram um trecho de “Certeza Absoluta”, uma música em que você de certa forma faz um desabafo sobre o caso e toca nesse assunto que é tão presente na vida das mulheres. Queria que você me falasse da importância de abordar essas questões nas músicas.
Karen: Eu acho que o Papel de Carta como um todo traz assuntos sensíveis colocados de uma forma que trouxe muita identificação dos fãs, tanto pela temática mas acho que pela sonoridade também. Eu recebi mensagem, tweet, a galera assim: “Karen Jonz, você está ouvindo minhas conversas e lendo minha vida?” Tipo, o que que está acontecendo?!
Mas eu acho que é uma coisa que acontece coletivamente, né? E eu acho que Papel de Carta como um todo tem um tom um pouco mais suave e delicado, e essa música que eu acabei fazendo — acho até que pelo momento que está acontecendo e já tendo passado o disco, que eu comecei a fazer há muito tempo — tem um tom mais impositivo, que traz mais resolução do que as músicas do disco.
Ela é uma música mais agitada também e, sei lá, se pegar em comparação com “peças quebradas”, que é o auge da vulnerabilidade, essa “Certeza Absoluta” já é tipo assim: “Meu, cala a boca, você não me escuta, você tem certeza absoluta, é fato”. Tem um saco cheio e eu acho que vai complementar muito bem o que a gente já soltou do disco.
TMDQA!: Sim, a mensagem fica bem clara ali, né?
Karen: Quase uma nova fase…
TMDQA!: Bom saber que já tem um spoiler do que pode vir aí. E na publicação eu vi vários comentários de mulheres relatando que se identificaram com a música e que a letra descreve situações que elas já viveram com os chefes e que também se encaixam em diferentes áreas de suas vidas.
Você teve a atitude de compartilhar esse relato através do seu Instagram e eu queria saber quais são as outras maneiras que não só a mulher, mas também qualquer pessoa que presencie uma situação de broprieting poderia se manifestar sobre isso para que esse tipo de atitude diminua ou não exista mais, o que seria o ideal.
Karen: Eu acho que quando o assunto começa a vir à tona muita gente acaba se conscientizando. Então desde uma pessoa que está ali lendo o post, um cara que está lendo o post e pensa, “Putz, de repente eu faço isso, não é legal”, até o que muitas mulheres relataram de, “Ah, isso aconteceu comigo e olha, quando isso acontece…”.
Foi muito legal até pra eu saber como agir, ter meio que uma cartilha do tipo, “Olha, se isso acontecer com você, você deve falar: ‘Sim, foi isso que eu acabei de dizer. Talvez você não tenha me ouvido, mas foi isso que eu acabei de dizer'”. Também tiveram relatos de mulheres disso acontecer com outras mulheres também, de não ser um cara.
Eu acho que, se isso acontecer com você, você tem que deixar claro que a pessoa está repetindo o que você está falando e que ela não está prestando atenção. E se você é um cara e você faz isso, provavelmente… não sei, se você viu esse post, no caso, acho que se conscientizar. Às vezes, na nossa bolha, eu acho que homens que convivem com mulheres acabam trazendo consciência mais do que homens que só convivem com homens.
TMDQA!: E acho que é importante também a gente falar sobre as consequências geradas por essas atitudes machistas nas relações, como manterrupting, broprieting, gaslighting e mansplaining, entre tantas outras.
Você chegou a falar anteriormente para o TMDQA! sobre uma síndrome do pânico que você acabou desenvolvendo por ter negado uma parte sensível e intuitiva sua por conta do “ambiente masculino” no qual você esteve inserida por muitos anos devido ao skate. Então, é muito delicado pensar sobre a maneira como essas atitudes vão ter efeito em cada pessoa…
Karen: Sim, eu acho que a gente fica se sentindo ilegítima e desapropriada das próprias ideias. Achando que a gente depende de alguém pra ser validado, sabe? Não, a gente não depende. Quando isso acontece muito, as mulheres vão ficando cada vez mais inseguras, tipo, “Ah não, eu preciso que alguém fale que isso foi minha ideia ou que me valide para eu conseguir aceitar”. E cada vez mais eu venho entendendo que não é por aí, não é o que a gente vê acontecendo e não é o que a gente vê de consequência, né, também.
Então, acho que quanto mais a gente pontua, mais alguém está ali ouvindo a música ou lendo a entrevista, vai se ligando disso e fala assim, “Não, cara, tipo, a pessoa não ouviu o que eu falei, ela está repetindo. Eu não estou aqui pra agradar ninguém. Eu tenho minhas próprias ideias e é isso, lide com isso, se você tiver medo ou não aguentar, se retire”.
E eu sei que muita gente às vezes depende do emprego e não pode se manifestar por ter um chefe muito machista, que jamais aceitaria, sabe? Então tem essa parte que é difícil também, que muitas mulheres, muitas pessoas não podem se colocar numa situação dessa. Então eu acho que quem pode e quem tem privilégio deve fazer por todo mundo.
TMDQA!: Mudando um pouco de assunto, dia 1º de dezembro você vai fazer seu primeiro show solo, em São Paulo. Você pretende tocar a versão completa de “Certeza Absoluta” lá?
Karen: A gente vai tocar “Certeza Absoluta”, a versão plugada, porque ali eu fiz uma versãozinha só tocando baixo. Mas a gente vai tocar “Certeza Absoluta”, vai, provavelmente, tocar alguma coisa de trabalhos anteriores, vai ter participação também no show e provavelmente uma cover. Então, tá bem especial o show. Ele é da turnê “Papel de Carta”, mas ele tem outros momentos também que compõem, não vai ser só o disco.
TMDQA!: E você fez um show no Rock in Rio e participou recentemente do Primavera Sound São Paulo. Eu queria saber o que você leva de principais experiências desses shows para a sua apresentação mais completa que vai rolar agora?
Karen: Ah, eu acho que esse vai ser diferente porque vai ser o primeiro que teoricamente passou do meu controle. Os outros foi uma coisa muito de susto, de mudar tudo de última hora, que está completamente fora do meu controle. E aí tanto Rock in Rio quanto o Primavera a gente teve muito problema técnico e eu espero que nesse seja tudo alinhado pra sair tudo certo. A gente vai ter algumas participações também, então tenho ensaiado.
Mas eu acho que, de tudo o que eu levei, parece que eu comecei em um furacão e agora eu estou até um pouco mais tranquila fazendo as coisas.