Misturando a fantasia com a realidade da maioria das pessoas que vivem nas quebradas do Brasil afora, surge o Fome Fala, um podcast de ficção científica que aborda a fome sob um amplo sentido: a fome de sonhos, de futuro, de relações, de saúde, de afeto, de presença, de liberdade.
Produzida pelo coletivo Rango de Classe, a áudio série já conta com quatro episódios lançados — até o momento desta publicação —, e segue construindo sua primeira temporada com novos capítulos.
Você já pensou se a fome falasse? É a partir dessa premissa que os realizadores do projeto levantam reflexões a respeito da nossa realidade.
Fome Fala
A série se passa numa quebrada fictícia povoada por deuses, onde dois parças, separados pela vida, buscam uma forma não convencional de voltarem a se encontrar. O cenário se confunde num curso temporal não linear, indo das favelas até alguma paragem de um Brasil ainda não colonizado.
Os protagonistas Mano Tangente e Mano Tagarela relacionam-se entre o mundo real e o imaginário a partir de seus estômagos, que passam a funcionar como um portal no momento em que vão dormir.
Um detalhe crucial é a influência dos Racionais MC’s na produção da série. Aliás, cada episódios de Fome Fala é nomeado em referência ao grupo paulista de rap. D’Ogum, um dos roteiristas do podcast, comenta:
Os Racionais MC’s têm um contexto social importante no Brasil para a periferia e os jovens negros. É uma grande referência, que formou parte do pensamento crítico não só do pessoal do coletivo como também de toda uma geração, de suas consciências racial e social, de seus estilos. Há uma máxima popular por aí que diz que, para toda situação da vida, existe uma frase deles que contextualiza o momento, e eu concordo.
Ouça abaixo “Sobrevivendo no Inferno.“, o primeiro episódio de Fome Fala. Você encontra os demais episódios da áudio série no Spotify e no YouTube.
Continua após o player.
O Coletivo Rango de Classe
A história de Fome Fala foi criada, roteirizada e dirigida por Lincoln Péricles (“Filme de Domingo”, 2019), Ronaldo Dimer (“Tempos de Cão”, 2017) e D’Ogum (“Monólogo da Fome”, 2019; “Do Banzo ao Orun”, 2018), e foi contada pelas vozes do multiartista, produtor e educador Jonnas Rosa e do ator de cinema Adriano Araújo, que assumem respectivamente os personagens Mano Tangente e Mano Tagarela.
O artista e engenheiro de som Caue Gas foi responsável pela captação, edição e mixagem do programa, que conta ainda com narração da cantora e multiartista Leticia Maria, e participação especial de Francineide Bandeira, produtora executiva do Rango de Classe.
O coletivo nasce da reflexão política sobre alimentação e qualidade de vida na periferia. Seguindo a frase de Solano Trindade, “é necessário buscar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte”; desse modo, o Rango de Classe trabalha e produz um outro tipo de alimento: o cultural.
Existimos para pensar práticas difusoras de informações dentro das quebradas, para que possamos nos apropriar de nossas forças ancestrais longe das máquinas de produção que só nos tiram sem dar nada em troca.