Gabrielle Aplin tem uma relação de proximidade com o Brasil e não é de hoje – tanto que a cantora inglesa fez do maior mercado da América do Sul uma das suas prioridades no ciclo de lançamento de Phosphorescent, álbum revelado no início de 2023 e que já até ganhou um single em parceria com Zeeba (a ótima “Skylight”).
Antes mesmo do mês terminar, a artista aterrissou em São Paulo para compartilhar com os fãs uma parte chave dessa nova fase: as fotos de divulgação se tornaram peças de arte e foram exibidas em uma galeria na Vila Madalena.
Nas paredes da Urban Arts, era possível ver de perto ampliações das imagens que, em consonância com as músicas, foram reveladas – literalmente – pelo sol. A fotógrafa e artista Nat Michele usou a técnica do cianótipo, que tornou as fotografias peças azuladas, meio oníricas.
Essa intenção tem tudo a ver com as músicas de Phosphorescent. Aplin construiu uma carreira impulsionada por baladas e canções intimistas, ao piano ou violão.
Aquele folk minimalista ficou um pouco de lado em Dear Happy, álbum anterior onde abraçou de vez sua verve pop. Ao invés de se reinventar, ela provou que os dois lados de um artista podem coexistir e se complementar. Phosphorescent vem na mesma toada, com belas músicas sobre solidão e amadurecer, mas também cantando o amor próprio e a auto-estima ao intercalar o íntimo com o solar.
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Daí transformá-las em algo mais palpável com a ajuda do astro-rei e levá-las de encontro ao público. A turnê tem sido pensada como esse reencontro, uma celebração musical que o público paulistano pode conferir de perto.
Primeiro, num pocket show para convidados na galeria de artes onde as fotos ficaram exibidas, com parte dos lucros das vendas sendo revertida para a ONG Mar Adentro, que se dedica à preservação, pesquisa e produção de material educacional dos biomas marítimos brasileiros.
No dia seguinte, Gabrielle lotou a Casa Rockambole, também em São Paulo, para uma performance com ingressos esgotados. A noite teve abertura do duo Mar Aberto e logo em seguida tornou-se um karaokê coletivo, com Aplin desfilando sucessos e canções marcantes, acompanhada por fãs devotos. Teve até pedido de casamento direto da plateia, um bônus para uma noite já emotiva.
Todos esses aspectos combinam bem com uma artista em pleno amadurecimento, mas que já tem uma boa noção de quem é, do que acredita e de como se manter fiel às suas convicções. Isso ficou claro no papo sincero que tivemos na Urban Arts. Enquanto a equipe dava os toques finais na exposição, ela refletiu sobre questões pessoais, da indústria da música e de como fazer a diferença social, cultural e ecologicamente.
Confira logo abaixo!
TMDQA! Entrevista Gabrielle Aplin
TMDQA!: É muito legal que você está aqui nesse momento, porque você tem o disco novo, a exposição, a parceria com o Zeeba… E sendo uma artista independente, você veio parar aqui, nessa distância toda, para comparecer para seus fãs brasileiros. Por que era importante pra você fazer isso?
Gabrielle Aplin: Meus fãs brasileiros são os que falam mais alto nas redes sociais, não posso ignorá-los! Toda vez que eu posto algo, sempre tem alguém comentando “come to Brazil” e eu venho implorando a minha equipe para fazer isso acontecer. Como artista independente, não é fácil ir a lugar nenhum, porque é tudo caro, mas estávamos trabalhando muito para fazer acontecer – não sei como, mas fizemos (risos).
É muito empolgante estar aqui, a música com o Zeeba, a exposição… Essa mostra explodiu a minha cabeça, ainda estou em choque que eu posso ir para um lugar do outro lado do mundo e ainda fazer algo assim acontecer. A última vez que estive em São Paulo, eu fiz um show no Cine Joia e eu estava solo, em formato acústico. Eu nem conseguia me ouvir, todo mundo cantava tão alto! Foi chocante porque eu não imaginava que isso fosse acontecer, foi tão especial… estou muito empolgada para o show amanhã!
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TMDQA!: Falando no Zeeba, o disco todo – na verdade, todas as suas músicas parecem bem pessoais. “Skylight” me parece bem íntima. Como foi pra você entregar seu “bebê” a outra pessoa, se ouvir na voz de outro?
Gabrielle: O que foi incrível foi que enviamos pra ele e antes mesmo de eu me envolver, ele se inspirou e escreveu algo para o segundo verso. Amei de cara. Parece mesmo algo íntimo, mas então é masterizado e lançado. Nesse ponto, estava feliz em abrir mão da música. Era para os fãs brasileiros e foi ótimo trabalhar com ele.
TMDQA!: E ficou bem orgânico, parece que vocês se conhecem.
Gabrielle: Ele soa tão bem! Parece que a música é dele, fiquei tão feliz. Estou triste que ele não pode estar aqui, porque é aniversário dele e ele está esquiando, acho. Mas fiquei muito feliz.
TMDQA!: E no assunto do show, eu estarei lá, claro. Fiquei curiosa sobre como você vai se apresentar, porque esse disco especificamente tem dois climas bem distintos: as músicas mais calmas e as mais animadas. Como você as une?
Gabrielle: Quando estou solo, o mais importante – e só descobri isso ao fazer esse disco… Bom, para comparar, no meu último disco, Dear Happy, eu viajei bastante para gravar com produtores diferentes. Eu compus tudo, mas com beats diferentes, e o que foi interessante foi que, embora tenha escrito as músicas, tive que me ensinar a tocá-las, o que foi bizarro. Com esse disco, foi só eu, no isolamento da pandemia, ao piano ou violão, e todas começaram assim. Antes de gravarmos o disco, pude tocar tudo do começo ao fim, como são de verdade. Percebi, ao fazer o disco, que como cantora e compositora, isso é muito importante pra mim. Então vão ser essas versões dessas canções no meu show. As versões da compositora.
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TMDQA!: Isso é bem legal. Falando na pandemia, sabemos que foi complicado fazer as coisas acontecerem nessa época. Você poderia ter se safado ao fazer apenas o mínimo necessário, mas você fez até mais, com a questão da revelação das fotos, por exemplo. Por que era importante mostrar um outro lado seu através das fotos?
Gabrielle: Pra mim, senti uma conexão grande com a natureza ao fazer esse álbum. Me mudei de volta para a zona rural, que é de onde eu venho. Senti uma conexão com a natureza lá, o estúdio onde gravei o disco é mantido com energia renovável, e não foi por isso que escolhi. Mas quando descobri isso, pensei, “que legal. E se cada aspecto fosse feito por algo natural?”. E aí fizemos um feat com o sol (risos), com essas fotos! Eu só queria viver dentro de um projeto, ainda mais em um mundo onde a indústria da música se direciona pra longe dos álbuns e só quer lançar um single, empurrar as coisas na linha de produção. Parecia especial viver dentro de um projeto, respirar isso, tirar um tempo para pensar as formas diferentes em que eu poderia colaborar com a natureza.
TMQDA!: Isso soa bem legal. E me faz lembrar que se encaixa bem com as suas visões sobre o meio ambiente, suas crenças pessoais.
Gabrielle: Sim, com certeza!
TMDQA!: Você não necessariamente faz disso uma bandeira. Digo, pode até informar as pessoas, mas não é um sermão. Como você faz isso?
Gabrielle: No Reino Unido, especialmente politicamente, é tudo muito polarizado. Ou você é da esquerda, ou é da direita, ou não é nada. Não gosto dessa visão porque ela só cria mais divisão. Não acho que odiar ninguém por suas crenças vai nos ajudar a achar um lugar feliz no meio do caminho. Então sou bem aberta sobre o que penso, mas tento não envergonhar ninguém. Por exemplo, sou vegana, mas nunca tento ser irrealista com outras pessoas, então respeito que há diferenças culturais, por exemplo. Mas a coisa que todos compartilhamos é a ciência e os fatos. Acho que temos uma responsabilidade compartilhada de cuidar do nosso planeta. Algumas pessoas têm meios para fazer mais que outras, e tudo bem. Então acho que é importante compartilhar minha personalidade e minhas crenças com as pessoas, mas não forçá-las a concordarem comigo.
Eu gosto da ideia de que eu consigo conversar com alguém que acredita em coisas diferentes das minhas. Adoro sentar com alguém, tomar uma xícara de café, alguém que literalmente odeia tudo que eu represento (risos). E eu amo, porque ainda consigo apertar as mãos dele e dizer, “prazer te conhecer, gostei da sua companhia”. É algo a que eu me prendo, não quero ser empurrada em uma ou outra direção, e interajo com as pessoas independente do que elas pensam.
TMDQA!: Os brasileiros sabem como é esse ambiente polarizado (risos).
Gabrielle: Eu sei (risos).
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TMDQA!: Você comentou algo que me leva a outro ponto. Você falava sobre o que conseguimos fazer, nossas possibilidades, de fazer o que podemos. Nesse sentido, pensei que esse espaço aqui, uma galeria de arte, não é necessariamente acessível a muita gente. Não é bem receptivo para tantos! A música é, claro, tão grande e poderosa, que poderia até trazer mais pessoas para o mundo das artes visuais. Como você pensa que podemos fazer isso, para trazer inclusive mais jovens, envolvidos nesses ambientes?
Gabrielle: É verdade. No meu país, por exemplo, o governo não dá incentivo para as artes. Eu cresci abaixo da linha da pobreza, então na indústria da música eu não via a minha origem social representada. Eram só pessoas ricas. Eu vejo minha raça, porque a maioria é gente branca, às vezes via meu gênero, mas as coisas têm mais nuances que isso. Só acho muito triste que pessoas de origens mais humildes tenham dificuldade de entrar na indústria criativa. É um assunto pelo qual sou apaixonada, apesar de não ter as respostas.
Penso que governos devem apoiar as artes, ou a cultura… Porque tudo colabora para a cultura e a educação. Espero que as artes sejam priorizadas, assim como as ciências ou exatas ou a literatura são. São igualmente importantes. No Reino Unido, por exemplo, tem uma lei que te obriga a aprender matemática até os 18 anos. E algumas pessoas simplesmente não prosperam num ambiente assim. Organizações populares são excelentes nisso, aliás. Mas eu torço para que existam governos que fortaleçam os programas onde especialmente as crianças possam ter acesso à criatividade, independente de ser artes visuais, música, teatro… E há carreiras no fim desse processo, quando é levado a sério. Porque é isso que são, uma indústria. Não é apenas “ah, fica quieta, é só um sonho distante”. Não, há empregos nessa indústria. Espero que eles sejam nutridos e levados em conta.
TMDQA!: Sim, porque envolve tanto dinheiro e turismo, né?
Gabrielle: Por exemplo, na Irlanda, eles realmente apoiam a arte porque sabem o quão importante é para a cultura. Então músicos e artistas têm programas que garantem que eles tenham acesso a mentoria artística e coisas assim. Adoraria ver algo assim em mais lugares.
TMDQA!: Dedos cruzados! Aliás, vi que o Brasil tem até mais fotos exibidas aqui do que a exposição feita em Londres.
Gabrielle: (animada) SIM! E olha o tamanho disso (aponta para as paredes). São maiores que eu! (risos) Então sim, vocês se superaram. O Brasil ganha, novamente!
TMDQA!: Mas hoje estamos numa época em que a música é basicamente um bem digital. E tudo bem, sem problemas com isso.
Gabrielle: Sim, com certeza.
TMDQA!: Só que você sente que olhando para as fotos na parede, torna o disco mais real, mais tangível?
Gabrielle: Com certeza. Como eu disse, eu adoro um projeto. E era importante pra mim que visualmente fosse como o disco soa, e que soasse com a aparência da arte. Era algo importante pra nós ao gravar o disco. Porque as músicas foram escritas em um momento bem isolado, queria que a gravação fosse o oposto, que fosse bem físico e um reencontro. Então tinha muitos humanos tocando instrumentos, e tudo que era tipo um sintetizador, a gente gravava e depois regravava usando um alto-falante. Então todo elemento existiu num ambiente físico, se materializou no ar, como um antídoto ao isolamento, de vivenciar algo digitalmente, mas tornando também físico.
TMDQA!: Faz sentido. Ah, eu tenho mais uma. Eu estava pensando que todo esse processo todo, essa era Phosphorescent, teve muitas experiências novas pra você. Existe alguma coisa que você experimentou nesse trabalho que vai carregar com você para os próximos álbuns?
Gabrielle: Sim! Quando eu falei que tive que me ensinar a tocar minhas músicas, não foi um problema, mas conhecer profundamente as músicas, independente de ter ou não uma banda, é algo muito importante pra mim. Vou continuar 100%, tenho que sentar no piano e saber tocá-la, tem que funcionar tanto acústica quanto com produção, e ser real. Isso é algo que vou continuar.