Em A Baleia, Darren Aronofsky mira em uma história tocante e acaba acertando em estereótipos ultrapassados no retrato da obesidade. Além disso, o filme ainda reforça clichês problemáticos na representação de pessoas LGBTQIA+ no cinema. Mesmo com as ótimas atuações de Brendan Fraser e Sadie Sink, a impressão que fica ao final é bem amarga.
O filme conta a história de Charlie, um professor de redação que trabalha de forma remota e nunca deixa a câmera do seu notebook aberta para os alunos, pois é um homem de quase 300 kg e que sente vergonha da sua aparência e da sua rotina.
A obesidade veio após um trauma que o levou a uma compulsão alimentar incontrolável, destruindo a sua saúde e as relações com seus familiares.
Claro que a intenção de Aronofsky não foi fazer um filme alto astral e que deixasse o espectador alegre. Porém, não é necessário fazer retratos grosseiros de grupos que já são normalmente marginalizados para construir bons dramas.
O roteiro é de Samuel D. Hunter, adaptado da própria peça de teatro, mas a experiência de já ter trabalhado com a história em outra mídia não teve grandes influências em como o filme acabou ficando.
Atenção: esse artigo contém spoilers do filme A Baleia (2023)
Como não retratar a obesidade
A gordofobia em Hollywood sempre foi latente e vai ficando cada vez mais óbvia conforme estudos e análises mais aprofundadas sobre o tema vão sendo produzidos ao longo dos anos.
Por décadas, personagens gordos foram utilizados como alívio cômico, seja como autores de piadas ou vítimas dos gracejos, ocupavam papéis de vilania e raramente eram colocados em posições de protagonismo – a não ser que a história fosse justamente sobre “ser gordo”.
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A compulsão alimentar é retratada de forma muito inconveniente em A Baleia. Assim como em Mãe! (2017), Aronofsky busca chocar visualmente para amplificar as emoções que seu filme desperta, mas erra feio ao associar o distúrbio a algo nojento.
Novamente, a obesidade é um ponto central da trama. É ok retratar um caso tão extremo, mostrar a dificuldade de locomoção de Charlie e como a saúde dele está comprometida. No entanto, os momentos de crise mostram um homem asqueroso, que devora as comidas à sua frente sem qualquer traço de higiene e limpeza.
É imediata a associação da obesidade à sujeira. Quem conhece pessoas com compulsão alimentar sabe que não é bem assim, já que o comportamento compulsivo claramente pode se manifestar de forma menos animalesca. Trata-se de uma questão sobre autocontrole – nesse caso, a falta dele.
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Ellie, a filha de Charlie, é uma adolescente rebelde, insuportável e chega a dizer com todas as letras que o pai é nojento. Apesar de ser muito bem interpretada por Sadie Sink, os diálogos reforçam mensagens lamentáveis.
E ainda há a confusão – proposital ou não – do título A Baleia com a forma física do protagonista. O nome do filme se dá em referência ao clássico livro Moby Dick, que é importante para a história, mas gera uma série de trocadilhos infames e nada engraçados até inclusive na imprensa especializada.
Rotulando LGBTs desde sempre
Brendan Fraser ganhou muitos holofotes desde que A Baleia estreou em circuitos de festivais, em 2022, e realmente ele desempenhou um ótimo papel no filme. As interpretações que exigem doação e/ou transformação física dos seus atores costumam ir bem na crítica especializada, mas o problema aqui está nas motivações para que essas mudanças tenham acontecido na história.
Charlie desenvolve um problema de saúde depois que seu namorado morre. Além disso, ele perdeu o contato com a filha depois que assumiu a homossexualidade e decidiu sair do casamento com a mãe dela para se dedicar ao novo amor.
Estão vendo como o rótulo se repete? Apesar de ser importante contar histórias com protagonistas LGBTQIA+, é muito fácil ficar naquela zona na qual gays são pessoas sofridas e têm como principal traço de personalidade serem “vítimas”.
Urge a necessidade de parar de usar a orientação sexual como muleta para desencadear dramas e sofrimento de maneira estereotipada.
Além disso, a primeira cena do filme já mostra Charlie se masturbando ao assistir a um filme pornô entre dois homens. É sério que esse é o retrato que um filme quer mostrar logo na primeira impressão?
Desumanização
No retrato criado por Aronofsky, Charlie é um homem miserável por ser gay e gordo. Todas as consequências trágicas que aconteceram com ele são decorrentes da revelação para o mundo sobre a sua orientação sexual e o posterior desenvolvimento do problema de saúde.
Mas estamos em 2023, gente!
Já deveríamos estar mais cientes de que o sofrimento vem, nesse caso, da homofobia e da gordofobia. A orientação sexual não é a fonte da dor. A aparência não é a fonte da dor. O que dói é ser julgado por não estar dentro de um padrão pré-estabelecido e que desconsidera variáveis individuais.
Nada disso reflete a diversidade e a complexidade que o ser humano é. A Baleia erra feio ao retirar a humanidade do seu protagonista e Aronofsky sabia o que estava fazendo, mas optou por ficar naquela região lamentável de reproduzir preconceitos antigos e batidos na indústria.
Fazer de outro ser humano uma ferramenta de descoberta para nossa própria jornada de superação não é e nunca será um bom argumento.