Nem dá para dizer que o quarto capítulo das histórias de John Wick consolidou a série como uma franquia de sucesso em Hollywood porque esse status já estava mais do que estabelecido. A boa surpresa, no entanto, foi o quanto John Wick 4: Baba Yaga se aproximou do que foi produzido de melhor nos três filmes anteriores, até ultrapassando-os em alguns aspectos.
Ao melhor estilo videogame, o protagonista vivido por Keanu Reeves parece ser mais exigido a cada “fase” da franquia. O primeiro longa, lançado em 2014, era contido, apesar de já ser agradavelmente espalhafatoso. Já em John Wick 4, há um fechamento desse ciclo com as consequências dos acontecimentos do terceiro filme, no qual John passa a ser o homem mais procurado do mundo.
A trama se iniciou pequena e foi crescendo, passando de uma história de vingança pessoal para a exploração do passado do assassino aposentado e, posteriormente, para a revelação de uma sociedade secreta de matadores profissionais.
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John Wick para além da imaginação
John Wick 4: Baba Yaga se aproveita do status já consolidado do seu protagonista como grande ícone de filmes de ação para despejar criatividade nos coadjuvantes que o ajudam a compor a trama. Donnie Yen, por exemplo, é a melhor adição ao elenco desde o início da série de filmes.
No papel de Caine, um antigo amigo de John que acaba virando um dos seus principais perseguidores, Yen é dono de cenas impressionantes, com coreografias diferenciadas e saídas mirabolantes que exploram muito bem o fato do seu personagem ser cego.
Sr. Ninguém (Shamier Anderson, creditado também como Tracker) é outro que aparece com potencial inclusive para ganhar um filme solo em possíveis planos para spin-offs. Além de ter uma personalidade ambígua que combina muito bem com esse universo de assassinos profissionais, ele possibilita uma ótima autorreferência, com a introdução de um novo cachorro à narrativa.
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A criatividade do diretor Chad Stahelski para incluir novas caras na história se mostra tão grande quanto a sua capacidade de inovar nas cenas de pancadaria. Inclusive, a evolução dos filmes de John Wick para uma escala global ajudou bastante, ao contrário do que muitos fãs poderiam imaginar. Expandindo a narrativa que antes estava contida em um universo menor, existia uma pitada de receio de que Stahelski, Keanu Reeves e companhia perdessem a mão, mas foi exatamente o oposto que aconteceu.
Sequências de ação no Japão, na Alemanha e na França permitiram o uso de diferentes técnicas de luta, armas e estratégias de perseguição. Passagens de tempo que fazem sentido? Esquece, isso nem importa. Não faz diferença mostrar o protagonista se preparando para viajar e cruzar o mundo.
Para o espectador, já é mais do que suficiente ver uma cena no Oriente Médio e, logo em seguida, Hiroyuki Sanada lutando com uma katana contra dezenas de agentes inimigos em uma decoração oriental super moderna típica de Osaka.
Também já basta ver John deitando dúzias de adversários na porrada em plena balada em Berlim, chegando no chefão e tendo que desbloquear as mais diversas técnicas e habilidades para sair vivo. Ou uma perseguição circular de carro em volta do Arco do Triunfo e um plano sequência memorável, filmado de cima ao melhor estilo GTA 2, em um prédio de Paris.
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Uma das diferenças dessas cenas para dezenas de outros filmes de ação é que o protagonista aqui apanha, sua, cansa… John Wick é um cara com muito mais resistência do que seres humanos normais e apela constantemente para a nossa suspensão da descrença, mas todo mundo ali também é assim. São regras estabelecidas e respeitadas, o que dá credibilidade à proposta de Stahelski.
Para sustentar a própria mitologia, por exemplo, existem aqueles ternos à prova de balas que são uma desculpa perfeita para as mais esdrúxulas – e maravilhosas – tentativas de derrubar os caras, mas dá para sentir os personagens ficando cansados, os movimentos ficando mais lentos, as pancadas sofridas fazendo efeito.
Um ponto negativo, porém, é a exagerada duração de 2 horas e 49 minutos. Por melhor que seja, o filme se torna cansativo após tanto tempo com um ritmo tão frenético.
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História tem, mas não tanto
Se no quesito ação John Wick 4 é um primor, o roteiro dá certas deslizadas. Apesar de ampliar o mundo dos assassinos com outros hotéis como o Continental de NY e líderes do crime organizado em diversas capitais do mundo, ainda é muito superficial o significado real do que é essa organização paralela que funciona às margens da sociedade.
Existem os Gerentes, os Concierge, os Rastreadores, os isso, os aquilo. Os vilões são apresentados com títulos de nobreza e são sedentos pelo poder atribuído a eles, como o Marquês de Gramont, vivido por Bill Skarsgard. É um pouco infantil essa ideia de grupo secreto no qual pessoas respondem por codinomes, bebem drinks de macho, jogam jogos de macho, mandam e desmandam com o máximo de violência que conseguem.
Considerando que são um bando de marmanjos criando nomenclaturas e castas para si próprios, é possível imaginar que o tal Marquês só precisaria de misoginia mais explícita para ser um red pill purinho.
Mas, veja bem, a mitologia de John Wick não reforça tais estereótipos que vêm ganhando popularidade nos submundos mais questionáveis da internet nos últimos anos. É apenas um retrato acidental de como seria um Sigma (risos) com muito acesso a armas e inveja de outros homens mais fortes que ele próprio.
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John Wick 4: Baba Yaga, portanto, é um dos melhores filmes de ação feitos nas últimas décadas, referenciando mestres das artes marciais e do faroeste, indo de Bruce Lee a Sergio Leone.
Ser o quarto filme de uma franquia e ter a excelência de Baba Yaga é um feito e tanto. Com isso, Keanu Reeves se junta a Sylvester Stallone no rol de pouquíssimos atores que conseguiram essa conquista, uma vez que Rocky IV se tornou lendário e é realmente difícil lembrar de outra saga que tenha feito o mesmo.
Daqui alguns anos, será comum olhar para trás e ver em Keanu Reeves um ícone dos filmes de porradinha. Sendo assim, viva Keanu! Viva, Stahelski!