Andreas Kisser está de volta com seus companheiros latino-americanos do De La Tierra. Foram sete anos entre o álbum II e o De La Tierra III, que está saindo nesta sexta-feira, dia 31 de março.
A banda de Metal foi formada em 2012 pelo guitarrista do Sepultura e outras lendas do Rock latino. Eles lançaram seu primeiro disco homônimo em 2014, e depois disso rodaram os principais festivais do planeta, além de terem tocado ao lado do Metallica.
Agora, o grupo parece mais conciso do que nunca em seu terceiro álbum, que veio pesado, com letras importantes e a mistura de estilos que só eles poderiam fazer. São nove faixas, com destaque para “Depredadores”, “Fuego Sagrado” e “Eu Não Vou Para”.
Em entrevista ao TMDQA!, Kisser falou sobre o encontro com o baterista de origem cubana Alex González (Maná), o baixista porto-riquenho Harold Hopkins (Puya) e o vocalista argentino Andrés Giménez (A.N.I.M.A.L.), que chamou de seu melhor parceiro de guitarra desde Max Cavalera.
Andreas Kisser e seus guitarristas favoritos
O artista nos falou sobre o período entre o lançamento do single “Distintos” em 2020, que rendeu indicação ao Grammy Latino, e o novo álbum, com pandemia e disco do Sepultura no meio do caminho, e todo o esforço logístico para gravar com os amigos latinos.
Andreas rejeitou o rótulo de “supergrupo” para tratar do De La Tierra, e também citou alguns de seus guitarristas preferidos, indo de Nirvana a Jota Quest, e tratando da importância do solo para o Rock.
Você pode ler o papo na íntegra logo abaixo, ou ouvir um trecho da conversa no Podcast TMDQA! desta sexta-feira, já disponível nos apps de streaming.
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TMDQA! entrevista Andreas Kisser, do De La Tierra
TMDQA!: Andreas, é um prazer falar com você! Parabéns pelo disco, dá pra perceber o momento consistente do De La Tierra, o peso, os refrães fáceis de cantar e todas as influências latinas. Mas antes da gente falar do álbum em si, você pode explicar pra quem possa estar conhecendo agora: como foi o seu encontro com Andrés, Alex e Harold, e essa conexão Sepultura, Maná, A.N.I.M.A.L. e Puya? O que vocês fazem juntos que não conseguiriam fazer separados?
Andreas: Tudo [risos]! O De La Tierra nasceu de uma vontade de dois músicos, o Alex e o Andrés que já eram amigos, de fazer um som mais pesado. Muita gente chama de ‘super grupo’ por causa da nossas histórias, mas não tem nada de ‘supergrupo’. A gente começou do zero. A ideia do Alex era fazer alguns covers com o Andrés só pra curtir. Até que eles convidaram o Sr. Flávio [Los Fabulosos Cadillacs], que vem de uma banda bem diferente do Metal e trouxe uma característica muito única, o que eu achei fantástico quando me convidaram pra completar o time. O Sepultura e o A.N.I.M.A.L. já tinham tocado juntos, e eu também conhecia o Alex. O mais difícil seria organizar um calendário pra gente ensaiar e gravar, e até hoje é assim. Mas esse é o ritmo da banda.
Aí a gente começou a colocar nossas ideias, e nossa intenção sempre foi utilizar os ritmos locais, o folclore e a cultura indígena argentina, brasileira, mexicana… junto com coisas mais pesadas, como sempre fizemos no Sepultura. Mas esse disco III está mais Metal mesmo muito por causa da entrada do Harold, baixista que já vinha do mundo do Metal. Tá um disco pesado e estamos muito felizes com o resultado, de som, composição e tudo. E finalmente está saindo né? Porque estamos trabalhando nele desde antes da pandemia, era pra termos gravado em maio de 2020.
TMDQA!: E essa nova fase da banda foi aberta lá em 2020 mesmo, com o single ‘Distintos’, que inclusive rendeu indicação ao Grammy. Depois vocês passaram um mês em Miami produzindo o álbum, lançaram o clipe de “Depredadores”, e agora o disco cheio. Como esses últimos anos malucos moldaram o produto final?
Andreas: Na verdade, não foi um mês Miami. Gravamos em apenas 10 dias!
TMDQA!: Olha só! Até porque vocês já conheciam o produtor Stanley Soares, já trabalharam com ele antes.
Andreas: É, e fizemos a pré-produção sozinhos. O Stanley entrou no processo do estúdio e fez acontecer. A gente escolheu fazer uma música a cada dia, trabalhando as ideias e os detalhes. Na pandemia eu trabalhei muito, na verdade, porque o Sepultura lançou o disco Quadra, e o De La Tierra começou a se reunir. A música ‘Distintos’ era pra ser do disco III, mas resolvemos fazer ela na pandemia, com cada um na sua casa, aquela coisa mais acústica. Foi um tema que eu escrevi no backstage de um show em Santiago do Chile, o Andrés gostou e nós gravamos ali na hora, no celular. Depois produzimos em casa, mas com auxílio de um diretor pra fazer de forma bem profissional. Tanto que rolou a indicação pro Grammy Latino. Foi sensacional e inesperado.
Enfim, o De La Tierra tem essa liberdade para experimentar sons diferentes. O Andrés é um vocalista que tem muita melodia. O Alex tem uma biblioteca de ritmos, e não só latinos. O Harold tem uma dinâmica muito interessante. Eu acho que a gente soube ter paciência. A ansiedade de lançar o disco foi grande, porque demorou muito, mas tudo tem seu tempo. O difícil agora vai ser se juntar para tocar, porque todas as nossas bandas estão ocupadas este ano.
TMDQA!: Por enquanto sem agenda de shows do De La Tierra, então?
Andreas: Estamos vendo as possibilidades agora e em breve teremos novidades.
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TMDQA!: Legal saber que a banda coproduziu o disco, porque chama atenção o cuidado na mixagem, o som está muito limpinho – e pesado quando precisa ser, é claro. Você falou um pouco da composição de ‘Distintos’, então fiquei curioso para saber como é o processo de vocês de conciliação de ideias. Todo mundo contribui um pouco?
Andreas: Quando a gente decide fazer um disco novo, normalmente estamos cada um trabalhando no seu próprio estúdio. Eu costumo trabalhar 5 ou 6 ideias e faço uma demo bem simples. O Andrés também faz as demos dele com direções vocais, o González cria loops de batera e o Harold traz aquela coisa caribenha muito interessante.
Aí dá umas 25 ou 30 músicas dentro dessas demos, a gente escolhe umas 10 e marca um lugar pra ficar uns 15 dias organizando tudo isso. Foi o que fizemos em Miami, em que decidimos gravar nove. E esse foi o processo dos três discos, a gente bota as ideias que acha que é De La Tierra, e aí faz ser De La Tierra [risos]. Quanto estamos juntos, vamos cortando, grudando, misturando um tema com outro. É um muito ‘relax’ e sempre muito produtivo. Toda ideia é ideia.
TMDQA!: Mas é impressionante a solidez sonora de vocês, a identidade de vocês como grupo. Pra quem ouve o álbum, parece que vocês convivem diariamente, que são dessas bandas que cresceram juntos. E a gente sabe as dificuldades logísticas de unir pessoas de países diferentes. Como conseguiram essa unidade?
Andreas: A gente criou uma química. O Alex é um baterista fenomenal, muito preciso, elegante, tem arranjos bem pensados que trabalham pra música. Além de mostrar técnica onde é preciso. Ele trabalha pra composição, e isso ajuda demais nas guitarras, por exemplo. Desde que o Max [Cavalera] saiu do Sepultura que eu não tinha um parceiro de banda tocando outra guitarra como o Andrés, e isso faz uma diferença brutal.
O processo que eu tinha com o Max começou em 1987 e se desenvolveu até o Roots [de 1996], até que a gente parecia um guitarrista só. E pra você ter outro guitarrista não é tão simples. E com o Andrés a gente achou essa sintonia, já conhecíamos os trabalhos um do outro, então a gente sabe onde estão os defeitos e virtudes de cada um. E agora com o Harold, ele ‘grudou’ tudo.
TMDQA!: Agora uma pergunta mais ampla, porque conversar contigo é uma oportunidade de entender o estado do Rock. Você que viaja tanto, trabalha com tanta gente e é muito ativo nas redes, além de ter o Sepultura há mais de 40 anos na ativa. Em outra entrevista, você explicou por que os solos de guitarra ficaram ‘de lado’ nos arranjos dos anos 80 em diante. Corta pra 2023 e nós temos uma celebração forte de bandas antigas como Skank e Titãs, e uma nova geração com Black Pantera, Crypta e tantos nomes que usam muito a guitarra. Você acha que os solos clássicos estão renascendo?
Andreas: Acho que não agora, sempre teve, mas era underground. Ali em 87, quando entrei no Sepultura, o solo era algo fundamental nas nossas músicas. Era aquela época com todos os grandes heróis da guitarra: [Eddie] Van Halen, Steve Vai, Joe Satriani, o Yngwie Malmsteen que levou a guitarra para outros lados, outras possibilidades. Sempre gostei muito do violão também, essa coisa de solar como o Al Di Meola, Paco de Lucía, essas coisas sempre tem solo. É um tesão do violão ou da guitarra, você ter essa possibilidade do improviso, de viajar e quebrar seus próprios limites. Te possibilita fazer coisas que você achava que não era possível, porque você tá nesse ritmo solista ou de improviso, você vai achar coisas ali.
O Nirvana na década de 90 veio com uma guitarra mais crua, mais punk. Mas ao mesmo tempo você vê o Alice in Chains, que tem uma guitarra bem mais criativa. Não estou falando mal do Nirvana! Mas Alice in Chains, se tratando de guitarra, é um mundo bem mais colorido e rico. Mais interessante, vamos dizer assim. Foi uma época específica do Rock nacional que a guitarra ficou em segundo ou até terceiro plano no aspecto do solo.
Recentemente eu fui ver o Jota Quest celebrando 25 anos, e nunca tinha percebido como todas as músicas têm muito solo, e solos fantásticos, muito bem compostos e tocados ao vivo. O Marco Túlio nem costuma ser mencionado como solista, mas ele está lá fazendo coisas interessantes. Tá aí a possibilidade de você ter uma música Pop de rádio, mas ter o respeito ao instrumental e à guitarra, que é tão importante na história da música. Qual que é o símbolo do Rock? É a guitarra! Com todo respeito aos outros instrumentos [risos].
TMDQA!: É verdade! Você me lembrou uma resposta genial que o Frank Zappa deu uma vez, quando foi perguntado se ele se considerava um bom guitarrista. Ele disse ‘eu tenho o domínio técnico do instrumento e tenho uma imaginação; quando chega a hora de fazer um solo, sou eu contra as regras da natureza!’.
Andreas: Mas isso que é lindo, né? Essa liberdade que o solo de guitarra proporciona isso. Muitas vezes ele foi ignorado, o Punk por exemplo achou que ele não fazia mais parte. Mas o exemplo do Nirvana e Alice in Chains mostra que sempre tem os dois lados acontecendo, mesmo vindo da mesma cidade. O Soundgarden também tinha uma guitarra bem mais ‘excitante’, mais pesada que o mundo do Heavy Metal curte mais. Nas suas limitações, o Rock nacional foi para outros lados, o que é bom também, entendeu? Só que isso me incomodava na época, dessas bandas terem tanta exposição e deixarem a guitarra em terceiro plano. Ou sei lá, quinto plano [risos].
TMDQA!: Andreas, muito obrigado pelo papo e parabéns pelo De La Tierra III.
Andreas: Obrigado a vocês!