Conhecidas pelo hit “Daydream”, de seu aclamado segundo álbum Under My Influence (2020), The Aces traduzem a jornada de autodescoberta imposta pela pandemia no novo álbum, I’ve Loved You For So Long. Mas, quando a banda começou a escrever as músicas que integrariam esse disco – um compilado de indie rock que grita autoconfiança e amor próprio – mal poderiam imaginar o mergulho emocional que estavam prestes a fazer.
Era 2020, auge da primeira onda da pandemia. O quarteto – formado pelas irmãs Cristal e Alisa Ramirez (vocal/guitarra e bateria, respectivamente), Katie Henderson (guitarra/vocal) e McKenna Petty (baixo) – havia lançado seu segundo álbum. Na época, o disco estreou em várias paradas, incluindo a posição 53 na lista de Álbuns Mais Vendidos da Billboard e a posição 9 na lista de Álbuns Alternativos.
A jornada até aquele momento era recheada de pontos altos. Com músicas presentes nas trilhas sonoras de “The Bold Type” (Netflix) e “Love, Victor” (Star+), a banda foi atração de grandes festivais como Lollapalooza e Bonnaroo.
Mas, como toda a classe artística, The Aces teve que lidar com o fato de que não poderia fazer turnês ou promover Under My Influence como planejado. Embora a quarentena tenha sido um momento desafiador, a banda usou esse período para refletir, confrontar questões pessoais de saúde mental e processar experiências da infância ainda mal resolvidas. Elas se conheceram em Provo, Utah, formaram o grupo quando tinham entre 8 e 10 anos de idade e já compartilhavam questões como a criação rígida na Igreja Mórmon e a aceitação de suas identidades queer.
O lockdown foi produtivo. As artistas retornaram ao estúdio e, através da confiança mútua, escreveram as canções de I’ve Loved You For So Long. O álbum aborda temas pessoais, incluindo amor, desafios mentais e relacionamentos tóxicos. Apesar das dificuldades, o disco transmite uma mensagem de esperança e encerramento, com faixas que refletem sobre a jornada da banda e a importância de seu relacionamento umas com as outras.
I’ve Loved You For So Long: o novo álbum do The Aces
O terceiro disco da banda é uma viagem emocional através da história pessoal das integrantes. Com influências que variam de indie rock a pop-punk e elementos eletrônicos, o trabalho apresenta uma variedade de estilos musicais que atesta a versatilidade do grupo. Através de suas letras honestas, The Aces oferecem uma mistura de nostalgia, autenticidade e esperança para aqueles que estão dispostos a ouvir.
Agora, Cristal, Alisa, McKenna e Katie se preparam para embarcar em uma turnê com vários shows esgotados. É um momento empolgante em que as artistas se dispõem a ir a fundo nas questões que motivaram este novo disco, passando por direitos LGBTQIA+ – em pleno Mês do Orgulho – e como aprenderam a ressignificar os momentos difíceis de suas adolescências.
Confira abaixo o papo!
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TMDQA! Entrevista: The Aces
TMDQA!: Eu fiquei sabendo que nas últimas entrevistas com o Brasil vocês estavam com um filhotinho de cachorro.
Katie Henderson: A gente acabou de botar ela pra dormir.
Cristal Ramirez: É, a gente colocou no canil porque ela estava com sono. Eu precisava focar mais.
TMDQA!: Ah, que pena!
Cristal: Ah, não! Vou pegar ela. [levanta e vai até o cercadinho] Vem cá, alguém quer te ver! Uau, ela não quer sair!
TMDQA!: Não, imagina, deixa ela dormir!
Cristal: Sinceramente, estou contando como uma vitória pra mim, porque ela sempre quer sair do canil. Se ela quer ficar, então melhor deixar ela ficar quietinha.
TMDQA!: Claro, melhor não mexer com ela. Meninas, estou muito feliz de estar falando com vocês, com o terceiro disco se aproximando. Vocês já têm a banda há um tempo, mas parece que esse álbum é o mais pessoal até aqui. Uma declaração de “nós somos assim”, mais do que os outros dois. Por que fazer esse ponto de forma tão contundente a essa altura das suas carreiras?
Cristal: No nosso terceiro disco, já estamos nessa há um tempo, fazemos isso desde antes da banda, por todas as nossas vidas. Acho que estamos num ponto em que nós estamos muito prontas para falar das nossas identidades completas e de onde viemos, sentimos que é uma história impactante, de ter feito uma carreira na música, levando em conta nossa origem e o que tivemos que superar. Três das quatro são queer, somos todas mulheres, e há tantas pessoas que poderiam se beneficiar da nossa história. O quão mais vulnerável você for, mais se conectará com as pessoas. Para nós, só queremos ser um espaço seguro para as pessoas, pessoas queer, qualquer um que precise da nossa música.
Também estamos num lugar em que estamos prontas para falar dessas coisas, porque tivemos tempo suficiente para amadurecer, sair da nossa cidade natal, nos distanciar de certas coisas na forma como fomos criadas. E poder olhar para trás e articular a forma como nos sentimos. Houve também o fator da pandemia, acho que só estávamos… como todo mundo, nesse lugar em que tínhamos de olhar diretamente para nossas vidas e carreiras e tudo mais, e dizer “é isso que queremos? Quem queremos ser? Que pegada queremos deixar no mundo com a nossa música e nossa banda?”. As coisas ficaram muito claras naquele momento, sentimos nossos propósitos, de sermos ouvidas, de criar e nos conectar, de continuar a expandir nossa base de fãs e dar às pessoas um lugar seguro – em especial, pessoas queer. E foi isso que fizemos nesse novo disco.
TMDQA!: Sim, e isso transparece na música. Vocês são amigas há muito tempo, antes de tudo. Há o fato de que entre vocês existem irmãs de verdade, mas o The Aces parece uma irmandade a essa altura. Vocês diriam que são uma família, a família que escolheram para si – com tudo de bom e de ruim que isso acarreta?
McKenna Petty: Com certeza! Estávamos falando agora sobre isso, sobre como brigamos como irmãs, mas somos próximas como irmãs. Passando por tudo que passamos, ao crescer onde crescemos, deixando a religião em que fomos criadas, nós realmente servimos de apoio umas para as outras, como família. Somos a família escolhida de cada uma. Com o The Aces, o que queremos fazer é criar uma família para que outras pessoas possam se sentir parte. Porque é difícil passar por coisas assim, então queremos ser esse espaço seguro e familiar para outras pessoas.
TMDQA!: E falando sobre aquelas meninas que sonhavam em ser rockstars, e agora podendo viver isso na vida real: é tudo que vocês imaginavam ou é um pouco decepcionante (risos)?
Cristal: É maneiro pra porra! Desculpa, não sei se pode xingar ou se você precisa editar.
TMDQA!: Claro, fique à vontade.
Cristal: Eu sempre pergunto, porque eu falo “porra” demais. Mas é muito legal. Eu acordo e noto que vivo de fazer arte e tocar em shows. Isso é louco, mas também tem partes difíceis. Não se fala muito sobre isso. Quando eu volto para a nossa cidade natal – eu estava pensando nisso esses dias, sobre uma música do nosso disco chamada “The Tension”, que é sobre um relacionamento caindo aos pedaços porque uma das pessoas está longe o tempo todo. Não se fala como é difícil ser um músico em turnê, ser alguém que viaja constantemente, mas que tenta manter amizades, relacionamentos e ter uma vida em casa. É complicado, porque você vai pra casa e as vidas das pessoas seguiram em frente e você tem que correr atrás do tempo perdido, você está em fusos horários diferentes, eu vou dormir sem ter resolvido uma briga com a minha namorada; se está na Inglaterra quando ela está em Los Angeles. É difícil ficar longe e viver essa vida em muitos aspectos, mas somos muito gratas pela nossa habilidade de viajar pelo mundo e nos conectar com nossos fãs. Há partes disso que, na medida que você fica mais velha, fica mais difícil ficar longe e viajando tanto. É mais puxado para o corpo ficar fazendo turnê em excesso. Há seus prós e contras, mas eu diria que em qualquer momento eu escolheria ter essa vida, 100%.
Katie: É, ao invés de não ter.
Cristal: Os altos são inacreditáveis, valem muito a pena e não queremos fazer mais nada. Mas há coisas que são difíceis.
McKenna: Nós tínhamos 10 e 8 anos quando começamos a banda, então tínhamos uma visão muito Hannah Montana, Jonas Brothers da coisa toda.
Cristal: (risos) Uma ideia meio Disney Channel!
McKenna: É muito diferente disso, mas é muito melhor em vários aspectos. Eu preferiria ter o que temos do que uma versão Disney disso tudo.
TMDQA!: Melhor que Camp Rock, né?
Todas: (risos) Com certeza!
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TMDQA!: Posso só perguntar a idade de vocês? Porque parecem super jovens!
McKenna: Temos todas 27.
Cristal: Nós temos 27 e a Alissa, que não está aqui, tem 25.
TMDQA!: Senti mesmo que éramos da mesma geração. Sou uma pouco mais velha, mas temos referências parecidas. Agora, vocês estavam comentando sobre serem criadas nessa comunidade religiosa muito rígida e nunca poderem ser vocês mesmas. Isso aparece nas músicas, mas também nas escolhas de figurino para as fotos de divulgação desse novo disco. Poderiam falar um pouco sobre as escolhas que fizeram para mostrar o conflito na forma do estilo dessa nova fase?
Cristal: Obrigada por perguntar sobre isso, é algo que não temos muita oportunidade de comentar e foi algo que decidimos muito conscientemente. Fizemos o estilo do ensaio por conta própria. E gostei que você usou a palavra “conflito”, porque quando éramos mais novas, era exatamente assim que víamos. Como duas coisas que não podiam existir ao mesmo tempo. Não tínhamos familiaridade com termos como androginia, com a ideia de que poderíamos viver fora do espectro binário na forma de nos expressarmos. Você tinha que ser bem feminina ou bem masculina. E se queria ser muito masculina, não podia, porque era errado, porque você era uma menina. Havia essas ideias muito tradicionais com relação ao que podíamos fazer ao nos expressar.
Agora, que somos adultas e podemos nos expressar como desejamos e sermos quem queremos ser, a androginia é uma parte chave de quem somos, enquanto pessoas individuais e como banda. Ao fundir nossa expressão, como brincar com elementos de feminilidade e masculinidade, retomamos para nós a forma como nos apresentamos de um jeito que seja confortável. Ao fazer o estilo do ensaio fotográfico, queríamos voltar ao período em que crescíamos na igreja. Era esperado que usássemos saias e meia-calça, roupas aceitas como femininas pela sociedade. Eu ficava bem desconfortável, em especial para mim, Katie e Alisa, usar essas coisas e compensávamos ao usar as roupas do nosso irmão mais velho, algo no meio termo. Tênis de skatista, casacos enormes por cima do casaco, sabe? Coisas assim que usávamos como forma desesperada de expressar como queríamos ser – ao mesmo tempo que usávamos coisas que não se pareciam como a gente, como saias e vestidos.
Por outro lado, nós vestimos ternos bem masculinos em outras fotos. A gente queria muito usar ternos quando éramos mais novas. Kenna não usava ternos também, então ela está experimentando essa androginia do seu próprio jeito – diferente do jeito que eu, Katie e Alisa usamos. Então brincamos com a androginia e a sexualidade nesse ensaio fotográfico, queríamos retomar as lembranças especificamente de onde somos, em Utah, e recriar esses visuais de uma forma mais moderna. Recriar aquela excitação infantil também.
McKenna: Os ternos significam muito na religião de onde viemos, também. Porque é uma religião muito patriarcal e todos os homens usam ternos todo domingo. Eles tiveram movimentos dentro da igreja, de mulheres tentarem usar terninhos com calça para ir à igreja. Então significa muito de onde viemos, foi importante fazer esse paralelo.
TMDQA!: Vocês foram criadas na igreja mórmon, certo?
Katie: Sim.
TMDQA!: Eu não fui, mas eu cresci na igreja batista, e muito do que vocês descreveram também se aplica aqui.
McKenna: Exatamente.
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TMDQA!: Agora, sei que temos pouco tempo, então queria falar sobre como a sua música é uma extensão da sua plataforma enquanto pessoas LGBTQIA+. Então queria saber como vocês veem esses tópicos avançando, na medida que entramos no mês do orgulho.
McKenna: Eu acho que muito já foi feito e obviamente há muito a ser feito. Nos EUA, muitos direitos de pessoas LGBTQIA+ estão desaparecendo agora, como os direitos de pessoas trans, com tantas leis passando contra a população gay. É mais importante que nunca que a gente fale sobre isso e somos muito dedicadas a continuar levantando esse assunto, para continuarmos progredindo para adquirir novos direitos e manter os que já foram conquistados com muita luta.
Katie: A gente mora em LA agora e parece legal e confortável, parece Dia do Orgulho todo os dias aqui. Mas aí a gente vai tocar no meio-oeste, no meio do país, e somos constantemente lembradas que não é assim em todo lugar. Tocar lá e ter essa representação é muito importante.
Cristal: Há muitos lugares do mundo onde as pessoas não se sentem seguras para serem elas mesmas. Talvez na maior parte do mundo, eu diria. Ainda os direitos LGBTQIA+ não fazem parte das conversas [políticas e culturais], as pessoas ainda vivem com a possibilidade de serem atacadas. Ainda há muita homofobia, muito ódio. The Aces e o que tentamos fazer é continuar a ser o mais próximas que pudermos e criar espaços onde as pessoas queer possam se sentir seguras e se expressar como desejam.
TMDQA!: E por fim, vocês acham que a indústria, a mídia e até os fãs podem talvez reduzir o The Aces à sua sexualidade?
Cristal: Eu não me sinto assim sobre nossos fãs, de forma alguma. Talvez no começo da nossa carreira, quando éramos mais jovens, havia mais essa limitação na forma que falavam da gente [na mídia] – principalmente pelo fato de sermos mulheres, mais do que qualquer coisa. Na verdade, sinto que nossos fãs nos veem de uma forma que eu tenho que me lembrar de me ver, de ver nossa banda. Eles veem potencial, comunidade, coisas incríveis. Pra ser sincera, foram eles que criaram tudo isso. Foram eles que criaram essa comunidade, foram eles que criaram os espaços seguros. A gente aparece para mostrar nossa música e fazemos o possível para sermos vulneráveis, mas eles fazem isso.
Nós temos muita sorte de conseguir estar nesse espaço com eles, que são uma base de fãs linda e apoiadora. Todo mundo diz que ama seus fãs, mas posso dizer que nós realmente nos importamos com nossos fãs, nos importamos com a comunidade que estamos ajudando a criar com eles. É uma das principais razões de fazermos o que fazemos. Nossos fãs, eles são apenas… incríveis. Eles nos dão esperança e nos levantam nos momentos em que não vemos algumas coisas e estamos duvidando de nós mesmas. E eles chegam dizendo “não, vocês são quem sabem que são. Vocês sabem que nós sabemos que vocês são”. É inspirador ter essa experiência de poder uma base de fãs tão incrível quanto eles.
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TMDQA!: É tudo sobre a comunidade, certo?
Cristal: Com certeza.
TMDQA!: Tá certo. E vamos continuar falando sobre isso, porque não se resume ao mês de orgulho
Cristal: Claro.
TMDQA!: Meninas, obrigada, e esperamos ver vocês no Brasil. Assim, notei que no pôster a turnê mundial não tinha Brasil. Só vou dizer isso.
Todas: Eu sei! (risos)
Cristal: Ah, eu quero falar disso! Nos comentários, as pessoas ficaram tipo “turnê mundial? Só com a América do Norte e Europa?”. Pessoal, nos deem um minutinho!
Katie: Sim!
Cristal: Nos deixem trabalhar! Não é o fim do anúncio! Estamos trabalhando sem parar, sejam pacientes. Estamos trabalhando em ir a vários lugares, onde nunca fomos. Nos deem um pouco de tempo.
Katie: Confiem na gente.
TMDQA!: É que a gente é muito apaixonado.
Katie: Eu também fiquei assim, “cadê o Brasil”? “Por que não vamos ao Brasil”?
Cristal: É verdade, ela ficou mesmo.
Katie: A gente quer muito ir.
TMDQA!: Obrigada e nos vemos em breve!
Todas: Obrigada!