O tratamento normal a um filme como Oppenheimer seria compará-lo a outros títulos relacionados a gênios da ciência, como O Jogo da Imitação (2014), sobre Alan Turing, ou A Teoria de Tudo (2014), sobre Stephen Hawking. Mas o destino quis que o novo lançamento do cultuado diretor Christopher Nolan fosse colocado na mesma balança que… Barbie, de Greta Gerwig.
Em uma espécie de mutualismo que só poderia ter sido criado por um gerador de probabilidades aleatórias, o Oppenbarbie – ou Barbenheimer – foi uma competição intrigante desde a divulgação que ambos teriam a estreia no mesmo dia. Se, na internet, o público esteve muito mais engajado em um combate entre “filme de verdade x filme de boneca”, na realidade, a coexistência entre as obras foi muito mais benéfica para ambos.
Na semana anterior ao lançamento, as expectativas de bilheteria para Oppenheimer no fim de semana da estreia eram de algo entre 40 e 50 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos. São números bons considerando o tema voltado para o público mais adulto e um nicho específico.
Mas o que faz Oppenheimer se destacar e fazer valer a preferência do público na hora de escolher como gastar seu precioso dinheirinho?
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O tal Oppenheimer
J. Robert Oppenheimer foi um físico muito badalado entre os anos 1930 e 1950, especialmente quando trabalhou para o governo dos EUA à frente do Projeto Manhattan, durante a 2ª Guerra Mundial. Os serviços prestados acabaram dando ao cientista a alcunha de “pai da bomba atômica”, uma vez que ele liderou os estudos que resultaram nos artefatos utilizados nas explosões das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945.
O filme conta a trajetória do cientista por meio de uma narrativa não linear, ou seja, mistura cenas do passado com o presente – que, ali, é a década de 1950 – e divide-se em três arcos muito bem definidos.
O primeiro é o de apresentação, quando somos apresentados ao jovem Oppenheimer, perturbado pela quantidade de informações que recebe a cada aula na universidade e pelos seus fantasmas internos. Esse trecho é bem rápido e logo dá início ao segundo arco, bem mais longo, e às vezes até cansativo, que trata da consolidação profissional do cientista.
Há, porém, um senso de urgência que nos prende à história: a ansiedade pelo momento no qual a bomba estaria pronta e como isso seria retratado. Além disso, a alternância com um evento no futuro leva à persistente curiosidade de saber como ele foi parar ali.
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A transição para a conclusão, no entanto, é onde Christopher Nolan peca de forma mais evidente. Mudanças de comportamento repentinas de personagens centrais afastam o espectador do tom crível que havia sido construído até ali.
As mudanças, em si, não são problemáticas. O afastamento do público se dá pela correria que teve que ser implementada para que elas acontecessem, algo que é difícil de não perceber em um filme com 180 minutos de duração.
Ainda assim, há interessantes discussões levantadas quanto à ética de desenvolver uma bomba de potencial destrutivo gigantesco. Uma corrida tecnológica contra nazistas justificaria tanto investimento, mas será que o objetivo seria apenas esse?
Assim como o próprio Oppenheimer verbaliza em determinado momento, fica a sensação de que ele tem sangue nas próprias mãos, mas ele também é confrontado com o questionamento: o rancor, no final, é contra quem construiu a bomba ou contra quem mandou explodi-las sobre duas cidades japonesas?
Além do dilema ético, é muito interessante ver o protagonista interagindo com outros cientistas brilhantes da sua época, como Bohr, Heisenberg e até Eisntein.
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Filme de tribunal?
Oppenheimer é “entrevistado” nos anos 1950 por uma comissão que afirma repetidas vezes não ser uma corte e aquele evento não ser um julgamento. A estrutura do filme, porém, ganha muito por ser similar à de filmes de tribunal tradicionais.
Os acontecimentos do passado não são meros flashbacks, mas são corroborados pelo depoimento de Oppenheimer no “não-julgamento”. O vai e vem é intrigante e gera curiosidade, apesar de servir ao tom professoral que Christopher Nolan costuma ter em todos os seus filmes, oferecendo as mais variadas explicações para o que está acontecendo.
Falando nas características mais questionáveis do diretor, ele está cada vez mais pedante na forma como vende seus filmes. Nolan ainda é um grande atrativo para qualquer obra em que esteja envolvido, mas, no caso de Oppenheimer, o diretor de Batman: O Cavaleiro das Trevas, Interestelar e A Origem parece maior do que o próprio homenageado com a cinebiografia.
O destaque dado ao homem que tem a história contada é o mesmo, por exemplo, do rolo de filme em 70 milímetros utilizado pelo diretor – que tem 17 quilômetros de comprimento e 270kg – ou da suposta necessidade de assistir ao filme em IMAX para ter a melhor experiência possível. Nolan é muito orgulhoso dos próprios feitos e de uma forma não muito positiva para quem vê de fora.
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O que há de melhor?
O elenco é um dos principais pilares de sustentação de Oppenheimer. Cillian Murphy é um parça de longa data de Christopher Nolan e, enfim, ganhou o papel principal em um dos seus filmes. Aliás, ele não ganhou, mereceu. Passa pela sua atuação as variações de juízo que fazemos do protagonista, ora simpático e de fácil identificação, ora soberbo e galanteador, mas sempre extremamente convincente.
Os coadjuvantes também são desafiados a transitar entre diferentes estados de espírito. Os destaques são Florence Pugh, infelizmente subutilizada, mas que rouba a cena nos poucos minutos de tela a ela concedidos, e Robert Downey Jr., que interpreta uma figura intrinsecamente ligada tanto à ciência quanto à política.
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Quem quiser se aprofundar na vida do físico, uma boa dica é ler o livro que motivou Nolan a fazer esse filme. Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano dá mais atenção ao lado político da vida do cientista, que é fundamental no tratamento que ele recebe no pós-Guerra.
Oppenheimer, no fim das contas, é um primor técnico: não há efeitos especiais, é lindo de ver e ouvir, é admirável em vários aspectos. No entanto, não é uma obra convidativa, simpática ao público que apenas deseja assistir a um bom filme no cinema.
Quando um filme exige muito da sua audiência para ser bem aproveitado, o problema não está na baixa qualificação do espectador. A expectativa pela experiência, na verdade, deveria ser um desejo do cidadão que vai comprar o ingresso, e não uma condição do autor a ser assistido.
Sendo assim, é possível extrair muita coisa boa, mas o faça por vontade própria e não por pressão. Se for pelo segundo caso, serão longas e cansativas três horas.