O Blur é uma banda que escolhe existir – assim como escolheu se extinguir. De tempos em tempos, seus membros se unem novamente, somam suas novas bagagens e acenam para o mundo: “ainda estamos aqui”. Nada melhor para fazê-lo do que em alto e bom som, com canções inéditas.
A verdade é que elas não precisariam ser boas para que os ingressos dos shows esgotassem. O legado do quarteto inglês já é o suficiente para garantir um bom pé de meia, seja para bancar os múltiplos projetos de Damon Albarn, seja para alimentar as vaquinhas de Alex James em sua fazenda de queijos.
Mas não é o que acontece em The Ballad of Darren, seu nono disco de estúdio. O Blur não planejou um álbum, como o baixista contou ao TMDQA! em entrevista exclusiva. Ele simplesmente aconteceu, por meio da química que ainda existe entre Albarn, James, Graham Coxon e Dave Rowntree. O resultado é um trabalho embebido na urgência dessa reunião, mas também na melancolia de quem olha para a vida com um senso de perdas e despedidas.
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Blur e The Ballad of Darren
Damon Albarn disse abertamente o quão triste estava ao compor estas canções. Ele chama de um disco de “pós-choque”, depois de quase uma década de adeus a amigos queridos – entre eles, os brilhantes Bobby Womack e Tony Allen, falecidos em 2014 e 2020, respectivamente – e com uma pandemia como cereja do bolo.
Não por acaso, a tracklist abre com “The Ballad”, uma canção soturna inspirada por Darren “Smoggy” Evans, ex-guarda costas da banda e atualmente empregado por Damon Albarn. A partir daí, o disco começa a alternar entre canções melancólicas, com versos bem trabalhados e histórias intrigantes, e faixas mais intensas, barulhentas e enérgicas. É assim “The Heights”, a última e estridente canção, com guitarras agudas que grudam na cabeça.
Entre esses dois extremos, encontram-se beleza e caos, uma energia agridoce e uma sutileza gritante. A segunda música, “St. Charles Square”, mostra uma nova ambientação do Artpop, trazendo algo diferente dos trabalhos anteriores da banda. Damon a descreve como um lugar onde fantasmas e monstros podem ser encontrados (embora tenha o nome de uma rua de verdade em Londres). A música é acompanhada por backing vocals que criam uma sensação de perigo invasor, além de uma virada de guitarra eletrizante de Coxon. Essa atmosfera única parece definir o tom do novo álbum.
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“Barbaric” é um dos pontos altos, narrando em detalhes um fim de relacionamento capaz de entorpecer. “Russian Strings” parece atingir o cúmulo da desesperança, com Albarn cantando: “há cordas presas em todos nós / não há nada no fim, apenas pó / então aumente a música / estou batendo nos pontos mais pesados”. É um convite ou um alerta?
Novo disco do Blur explora dualidade e mostra fase mais madura
“The Everglades (For Leonard)” brotou de um mural estrategicamente localizado à frente do quarto de hotel de Damon Albarn em Montreal, estampado por Leonard Cohen. O tom contemplativo e o peso do bardo que a inspirou estão por toda a parte.
“The Narcissist”, escolhida como primeiro single para anunciar The Ballad of Darren, inaugura a segunda metade do álbum com a energia elevada. Em seguida, “Goodbye Albert” é também uma despedida, desembocando em “Far Away Island”, um diálogo à distância. Por fim, em “Avalon”, Damon Albarn parece questionar de que adianta pintar a ilha mística das lendas do Rei Arthur, se não se estará ali para aproveitá-la. No fim, ele aceita o destino: é algo que acontece com todos nós.
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As dúvidas e a energia aventureira que acompanharam a empreitada desse disco improvável permeiam todas as músicas.
A gravação aconteceu entre Londres e Devon com o produtor James Ford. A capa é um prazer à parte e a tradução imagética de um álbum igualmente profundo e contraditório. Antes pensada para ter uma foto do próprio Darren que inspirou o título, a arte acabou virando uma reprodução de um clique do fotógrafo britânico Martin Parr.
A imagem mostra um homem nadando em uma piscina vizinha do oceano. Os limites se confundem com um pequeno muro que separa a água doce da salgada. O nadador, desavisado, nem liga para as nuvens que se aproximam, uma representação de um dia na Escócia, mas também da energia dual do próprio álbum.
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Blur – The Ballad of Darren
A beleza de The Ballad of Darren está em justamente abraçar seu caos interno. Está em reconhecer os desejos conflitantes, as incertezas diante do inevitável, o medo que brota do desconhecido. É nessas vulnerabilidades que a música cresce, seja nas baladas mais melancólicas, seja nos picos mais barulhentos.
Quando “The Heights” finalmente conclui, no pique de um riff descontrolado de Graham Coxon, o Blur mostra a efemeridade presente até nos grandes momentos e a importância de aproveitar cada um deles – porque nunca se sabe quando serão interrompidos abruptamente.
Em meio a um retorno triunfante e no auge da sua existência intermitente, o Blur deixa no ar uma permanência. Pode ser que não para a banda em si, infinita enquanto dura, mas sim para as canções que essa nova fase mais madura produziu.