Beirut, a banda de um homem só, está de volta. Zach Condon, músico por trás dessa orquestra popular, faz do álbum Hadsel seu retorno triunfal após quatro anos sem lançamentos. O disco é o seu sexto, e sai pela gravadora Pompeii Records, do próprio Condon.
O trabalho de 12 faixas é uma prova da jornada do músico, inspirado por uma série de experiências marcantes – em caráter pessoal, ao lidar com vício e saúde mental, e em escala global, com uma pandemia atravessando todo o processo criativo.
O tempo de feitura de Hadsel encontrou Zach em meio a problemas de garganta que o forçaram a cancelar sua turnê em 2019 e o deixaram questionando sua capacidade de continuar se apresentando — e no meio de sua busca por recuperação e inspiração em condições árticas extremas.
É lá que fica a ilha de Hadsel, no extremo norte da Noruega, onde conheceu um entusiasta de órgão. Zach teve acesso a uma igreja local, a Hadselkirke, que abrigava o primeiro órgão de igreja que tocou. Durante dois meses, Condon trabalhou na composição e gravação do álbum, moldando-o em meio à beleza das montanhas, fiordes e luzes do norte.
O primeiro single, “So Many Plans”, refletiu sobre os sentimentos de aceitação, esperança e desistência, e incorpora instrumentos únicos, como o ukelele barítono, o órgão de igreja e o sintetizador modular. “Hackear” instrumentos e formas diferentes de tocá-los faz parte do que move Zach Condon enquanto artista – e isso casa perfeitamente com a sua curiosidade por ritmos do mundo todo. Depois de se embrenhar pelos Bálcãs e até cair na música brasileira, o músico foi buscar descanso em outras paragens.
Condon descreve sua experiência em Hadsel como um período de introspecção, onde a natureza majestosa e as condições climáticas o inspiraram a criar. Ele passou noites moldando músicas com arranjos de trompete e sintetizadores, resultando em um álbum que marca um retorno às raízes solitárias, mas autoconfiantes, de Beirut – um projeto gestado em muitas madrugadas no seu quarto da adolescência.
Desde o início de sua carreira aos 14 anos, Zach Condon transformou Beirut em um projeto em constante expansão. Hadsel prova como, para seguir em frente, às vezes é preciso olhar para trás e voltar ao básico.
Zach Condon conversou com o TMDQA! sobre este novo momento e as lições pessoais e musicais dos desafios enfrentados na composição e gravação de seu novo álbum. Confira a seguir!
TMDQA! Entrevista: Beirut
TMDQA!: Oi Zach! Ótimo falar com você. Como está?
Zach Condon: Estou bem, e você?
TMDQA!: Tudo ótimo também. Onde você está no mundo hoje?
Zach: Estou na Noruega, de volta ao ártico. Não muito longe da ilha de Hadsel [vira o computador para mostrar a ilha à distância]. Tenho essa nova cabine e fico a 30 ou 40 minutos de Hadsel e de todos os meus amigos lá.
TMDQA!: Nada mal! Olha, muito obrigada pelo seu tempo. Eu quero começar falando sobre como o disco é um trabalho grandioso, mas ao mesmo tempo, é uma volta ao básico pra você. Por ter ido para essa parte da Noruega, por ter trabalhado sozinho nas músicas, vieram a pandemia e questões de saúde mental… Queria saber se esse momento te ensinou algo novo sobre você mesmo – como músico e como pessoa.
Zach: Me ensinou bem mais do que eu queria saber, esse foi o problema (risos)! Por isso foi tão pesado, o que foi a maior loucura. Eu tinha parado de beber em 2017 ou algo assim. E eu achava que isso ia resolver tudo, pensado que tudo a partir dali se tornaria céu azul e de boa. Mas o que eu encontrei, na verdade, foi o que se escondia por baixo [do alcoolismo]. Foi assustador e muito pesado. Até hoje me assombra tudo que vi e descobri que é com isso que tenho que conviver agora. Porque acho que muitas pessoas me perguntam ou dizem, “ah, você escreveu o disco, significa que está tudo bem agora”. E “não”! O que mudou de fato foi a minha consciência de tudo e o quanto que está acontecendo [internamente]. Estou tentando crescer o suficiente para conseguir carregar isso comigo, basicamente.
TMDQA!: É um trabalho em progresso, certo?
Zach: Com certeza.
TMDQA!: Acho que somos todos.
Zach: Exato.
TMDQA!: Falando em tempo, esse disco chega 4 anos depois do anterior. E notei que sempre foi assim pra vocês, desde o The Rip Tide, na verdade. A cada 4 anos mais ou menos, sai um novo. Então queria entender como são os ciclos de discos pra você, quando sabe que está na hora de colocá-los no mundo e quando é hora de começar a pensar no próximo, por exemplo.
Zach: Bem, antes os ciclos de discos eram determinados por gravadoras e o quanto eu fazia turnê. Este não foi assim. É uma boa pergunta… Acho que eu queria fazer mais ou menos 45 minutos de música, mas que cada minuto valesse a pena. Esse disco tinha um final bem claro. 12 ou 13 faixas eram o ideal pra mim, mas… Desculpa, estou tentando achar uma forma melhor de responder isso, não sei se há um bom modo. Porque havia muitas melodias e ideias que sobraram desse álbum. Esse período em que fiquei aqui em 2020, e depois voltei para Berlim durante a pandemia, eu escrevi tanta música que nem conseguia acreditar. Não tinha algo assim desde que eu tinha uns 15 anos de idade ou algo do tipo. Naquela época, eu compunha um álbum por semana, só para me fazer companhia à noite, porque eu ficava acordado sozinho a noite toda. Foi um período muito intenso, então ainda estou pegando canções que sobraram do tempo em Hadsel e as estou usando para novos projetos, na verdade. Mas acho que foi no momento em que o som começou a se distanciar da forma como Hadsel soava, eu pensei “vou juntar estas aqui, porque é o que faz sentido”.
TMDQA!: Realmente faz. Eu fiquei reouvindo o disco e acho que a beleza dele está nas contradições. Você pega uma música como “Arctic Forest” e a torna quentinha e aconchegante. Você pega um órgão antigo e mistura com eletrônicos. Isso vem de um lugar de subverter expectativas – ou foi algo que aconteceu “organicamente” (literalmente!)?
Zach: Bom, foi um pouco de ambos. Você deve notar que eu já fiz muito isso na minha vida: eu pego uns instrumentos que muita gente associa a coisas negativas. Por exemplo, o acordeon e o ukulele. Eu tento inverter isso um pouco. Há alguma intenção de ser quase contraditório, de ir contra a maré. Mas eu faço isso por um bom motivo. Eu realmente amo esses instrumentos. Eu não apenas pego as coisas que odeio e tento fazer algo bom.
Eu me interessei muito por sintetizadores modulares, eletrônicos dos anos 60 e 70. Fiquei obcecado pelo som deles, são super complicados a ponto de precisar quase de um diploma de engenharia para se acostumar a como funcionam. Eu pesquisava tutoriais e as pessoas que faziam as piores músicas que eu já ouvi na minha vida. Toda vez que eu via em algum site dizendo “esse novo disco usa um sintetizador modular”, eu ia ouvir pois ficava curioso para saber como soava. Mas pra mim era um lixo, eu odiava o que ouvia. Eu pensava que podia tentar mostrar um jeito diferente de usar os sintetizadores, que há muitos outros timbres e sons.
O que aconteceu foi que eu trouxe aquele sintetizador gigantesco comigo. Posso te mostrar uma foto, eu tenho uma aqui [pega o celular]. Havia ainda o harmônio [órgão de fole] na cabana, e isso é algo que eu amo desde que era adolescente. Eu notei que não sou um o melhor baterista do mundo, então comecei a usar o modular quase como percussão, então tinha isso rolando no fundo enquanto compunha no órgão. Em algum momento, pensei “é isso, esse é o som do disco”. Aqui está meu estúdio, caso você consiga ver [mostra o celular]. Tudo isso aqui é o sintetizador modular e aqui está o órgão no fundo.
TMDQA!: Uau, nada mal.
Zach: Foi ali que eu fiz 90% do disco, bem ali.
TMDQA!: E nem precisa de muito. Talvez só intenção.
Zach: É verdade.
TMDQA!: Eu estava voltando na discografia e algumas músicas se destacam por terem explodido com a ajuda do cinema e TV. Muitos brasileiros associam o Beirut com Capitu, por exemplo, uma minissérie que usou Elephant Gun de forma brilhante. Quando isso acontece, traz novas camadas de significado para uma música que já é cheia de significado? Isso te ensina algo sobre a música que nem você sabia?
Zach: Vou te dizer uma coisa. Depois que o lance de Capitu aconteceu, tinha uns garotos tocando a música pelas ruas no Brasil. Eu recebi vários videozinhos disso. Eu lembro de pensar, “nossa, essa música combina muito com tocar na rua”. É tão mambembe, e eu amava isso. Era o que eu queria. O motivo porque eu nunca chamei a banda pelo meu próprio nome, ou algo tipo “essa é a música feita por Zach Condon”, e sim de Beirut é que eu queria trazer um imagético para a mente das pessoas, ao invés de uma pessoa só, ou um cantor e compositor. E dessa forma, ganhou uma forma própria, o que eu aprecio muito. E quanto ao uso na série, eu nem sei porque, mas foi uma explosão de atenção vinda do Brasil. O que me deixou feliz, porque sempre fui louco por música brasileira.
TMDQA!: Eu quero te perguntar sobre isso, se der tempo. Mas queria te perguntar sobre uma questão que queria sua opinião. Você citou o nome Beirut, que passa uma noção de algo multicultural, não só por ser chamado assim, mas também por evocar música folclórica de lugares diferentes do mundo. Esses dias estava falando com Jon Batiste, que lançou o álbum World Music Radio, e ele acha que estamos caminhando para uma definição mais ampla da world music, para além da música tida como “étnica”, mas sim uma música sem fronteiras. Também estava falando com o Hermeto Pascoal, que é um músico brasileiro, e ele me disse que estamos caminhando para a música universal. Eu queria basicamente saber se você concorda com isso, ou se é tão otimista quanto eles.
Zach: Não, eu sou bem pessimista. Eu não quero ser cínico, porque aprecio esses dois caras e o que eles têm a dizer – especialmente Hermeto Pascoal, que eu considero brilhante. Mas tenho medo da música universal, para ser sincero. Sinto que ando no fio da navalha – e nem digo que faço isso bem -, mas venho de um lugar de música como monocultura. Era apenas rock feito por guitarras e só. Eu pensava que sonoramente, isso era muito limitado e chato.
Desde o início, descobri músicas do mundo todo. Comecei com música do Bálcãs, turca, do oriente médio e claro, música brasileira, mexicana e tudo. E ficava pensando, “como alguém consegue se contentar só com uma coleção de música americana, se têm tudo à disposição?”. Isso parecia loucura pra mim. Mas há um outro lado, do que vamos receber em troca da música universal. Acho que vamos ter uma monocultura. Teremos pessoas que não valorizam suas próprias raízes ou tradições.
Pense dessa forma: a maior parte da minha coleção de discos, que é do mundo todo, é dos anos 70. O motivo disso não é porque todo mundo era gênio naquela época e depois deixou de ser. É na verdade porque a tecnologia mudou e nos anos 80, esses sintetizadores digitais horrendos e insuportáveis apareceram e eram mais baratos que contratar músicos. Toda a música do mundo se tornou genérica e desgastada, infelizmente. É disso que tenho medo. Esse fenômeno se espalhou pelo mundo. Você não encontra mais boas músicas nos anos 80 e 90, porque tudo soa não-humano. Não sou fundamentalista, não sou do tipo “nada digital deveria ser ouvido”. Mas acho que existe esse problema.
Quando me interessei pela música dos Bálcãs, enquanto adolescente, ficava animado de ver instrumentistas de música folclórica tocando metais daquele jeito, e ter vilas onde a música fazia parte da vida. Eu não poderia participar disso, porque não é necessariamente a minha cultura, mas eu amo poder apreciar e me influenciar por ela, porque é assim que a música funciona. Mas logo depois, quando foi para algo mais mainstream, alguns produtores techno começaram a jogar batidas por cima de tudo. Eu odeio dizer isso, mas acho que é infeliz, porque estraga a música. Esse é meu receio, de a música se tornar “universal” e ficar sem cor, sem ter conexões ou importância regional, e também não quero isso. Desculpa se esse papo ficou pra baixo.
TMDQA!: Não, acho que é uma visão interessante disso tudo. Pra encerrar, quero falar sobre sua conexão com a música brasileira, que você já citou, e inclusive tem aquele cover lindo de “Leãozinho”. Mas acho que você não faz muitas colaborações, como Beirut ou Zach. Só fiquei curiosa se haveria algum músico ou cantor brasileiro para quem você diria ‘sim’ num piscar de olhos se te convidassem pra uma música juntos.
Zach: Qualquer um dos grandes. Jorge Ben, Chico Buarque… Muitos deles já estão bem idosos, infelizmente. Mas há mais jovens e interessantes também. O Fabiano do Nascimento fez um disco bem interessante, mas ele mora em Los Angeles agora, acho.
TMDQA!: Acho que sim.
Zach: Tem o Tiganá Santana, que mescla influências africanas com música brasileira. Gostei muito do trabalho dele, fizemos turnê juntos. É curioso que eu faço poucas colaborações, mas eu amo muitos músicos de vários lugares do mundo. Eu só acho que não sei colaborar com ninguém (risos), porque só sei fazer música de um jeito muito específico, infelizmente. Nunca fui muito versátil. Meio performer, meio músico, mas me vejo como um arranjador, como compositor, mais do que essas outras coisas. Não sou muito adaptável, infelizmente, mas adoraria trabalhar com todos esses. Tem um cara jovem que é mais recente, acho que meu irmão foi ver um show dele na Espanha. Se eu conseguisse lembrar o nome dele agora…
TMDQA!: Ah, sem problema. Mas todos esses que você citou, o Chico, o Jorge Ben… ainda estão por aí, fazendo shows e tudo. Quem sabe ainda não acontece?
Zach: Ah, que bom. O meu herói vocal, meu cantor favorito mesmo é o Caetano. A voz dele é tão sincera e convidativa. Essa seria a maior, com certeza.
TMDQA!: Tomara que aconteça e te traga de volta para o Brasil!
Zach: Ah, sinceramente, eu fiquei de coração partido por não conseguir ir, ter cancelado em duas turnês seguidas. Tinha muita gente aí que queria me ver e eu não pude ir. Eu queria que elas soubessem que tudo isso está na minha mente.
TMDQA!: Tá certo, Zach. Acho que teremos oportunidades com esse novo álbum. Te desejo tudo de melhor nessa nova fase.
Zach: Muito obrigado!