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Resenha: Vidas Passadas normaliza os desencontros que machucam, mas passam

Filme de estreia da diretora Celine Song é uma comovente história de um relacionamento que marcado por idas e vindas ao longo de três décadas

filme vidas passadas
Foto: Reprodução

Há algo em Vidas Passadas que frequentemente é esquecido pelo público ao assistir a filmes – seja no cinema, seja em casa. Além de ser uma opção de entretenimento que nos brinda com diversas aventuras, fictícias ou não, fantasiosas ou realistas, o cinema é uma forma incrível de nos fazer pensar sobre nossas próprias vidas, algo que acontece no filme de Celine Song indicado a duas categorias no Oscar 2024.

Ao se identificarem com personagens de filmes como Vidas Passadas, os espectadores mergulham em um exercício de colocar-se no lugar deles; neste caso, imaginando em qual momento da vida tomaram decisões que mudaram para sempre seus próprios destinos. Qual decisão irreversível eu já tomei e como seria se tivesse escolhido diferente?

A diretora estreante Celine Song consegue criar essa atmosfera porque seu filme fala sobre a vida como ela é. Há um longo recorte para que ela comece e termine a narrativa, mas não existem grandes eventos, pontos de impacto com repercussão coletiva ou pessoas de grande notoriedade. São pessoas comuns, cujas ações refletem, no máximo, naquelas poucas companhias que fazem parte do seu dia a dia, exatamente como os mais “normais” de nós.

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Foto: Reprodução

A beleza da vida real

A história acompanha Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), amigos de infância que se separam aos 12 anos de idade, quando a família da garota imigra para o Canadá. Doze anos depois, “uma vida inteira” após a despedida, eles retomam o contato via redes sociais, resgatando parte daquela cumplicidade e paixão infantil.

Uma nova ruptura acontece e, novamente depois de 12 anos, eles se reencontram nos EUA, agora pessoalmente, com vidas totalmente estruturadas e diferentes daquelas que conheceram um dia.

São tantas camadas possíveis de explorar que é justamente a simplicidade dessa história que chama tanta atenção. Nora poderia ser uma grande escritora, uma rica e próspera imigrante coreana que representa o sucesso da escolha por uma nova vida no Ocidente. Já Hae Sung poderia ser um herói de guerra, um militar condecorado e reconhecido pelos seus grandes feitos.

Mas não. Ela é uma artista comum, ele é um veterano comum e calhou de eles terem uma história interessante juntos. Olhando para o lado, nós podemos identificar pessoas assim ao nosso redor em qualquer lugar – isso quando não somos nós mesmos os protagonistas de experiências que dariam ótimos filmes.

Celine Song, inclusive, tem muito em comum com sua personagem principal. Ela própria migrou da Coreia para o Ocidente e se viu em um lugar de reflexão sobre “como seria se não tivesse saído? Como seria se tivesse voltado?”.

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Grandes peças, grande filme

Muitas das percepções que temos desses temas citados ganham força por causa das atuações de Greta Lee e Teo Yoo. Ela discretamente mostra uma personalidade solta, engraçada e influenciada por uma veia artística que não combina com a rigidez do conservadorismo das tradições do seu país de origem. Ele, por outro lado, é mais influenciado pela cultura local, mas ainda divertido e cuidadoso.

Esteticamente, tudo mantém os nossos pés no chão. A sobriedade dos cenários, as rimas visuais e a naturalidade dos diálogos nos lembram o tempo todo que o destaque está ali, o importante está naquele momento. Não há extravagância porque simplesmente não faz sentido no dia a dia de pessoas tão comuns.

Outro aspecto interessante de Vidas Passadas é a forma como aborda os diferentes tipos de reencontro que são possíveis atualmente. As tecnologias de comunicação evoluíram ao ponto de permitir que amigos de infância retomem contato depois de muito tempo, com a possibilidade de interagir em tempo real, mesmo que estejam a um continente e um oceano inteiros de distância.

Como manter relacionamentos assim? Amorosamente ou não, como lidar com uma proximidade diária que precisa ser adaptada aos horários malucos por causa do fuso, aos hábitos e culturas completamente diferentes?

As dores de um relacionamento impossível – ou improvável – e como elas são normalizadas por Song representam uma das grandes forças desse candidato ao Oscar de Melhor Filme (e Melhor Roteiro Original). As dificuldades acontecem e às vezes elas se resolvem, às vezes não. Como aprendemos em Fleabag, é possível falar um “eu te amo” e ouvir de volta um “vai passar”. E passa.

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Vidas passadas e presentes

Vidas Passadas é um relato bem bonito sobre o cotidiano de imigrantes vindos da Ásia em busca de melhores oportunidades. Mas vai além, promovendo reflexões sobre amizades, sobre o choque de relacionamentos em curso com amores antigos, sobre limites emocionais e geográficos.

O título, inclusive, é de uma sensibilidade incrível. O significado literal é explicado ao longo do filme por meio de uma expressão coreana, mas é engraçado notar que Vidas Passadas conta como duas pessoas conseguem ter tantas “vidas passadas” em uma só.

Como ouvimos desde sempre, nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois, como as águas, nós mesmos já somos outros.