Como todos já sabem, a Academia não é o melhor exemplo na hora de reconhecer o talento em obras de cinema realizadas por artistas que pertencem a alguma minoria ou que vieram de países estrangeiros. Em 96 edições do Oscar (contando com 2024), apenas 14 produções cujo idioma principal não é o inglês foram indicados a Melhor Filme, a principal categoria da premiação.
Entre elas, houve uma concentração de indicações nos anos 1970, com destaque para obras europeias; outra na virada para o século XXI, chegando timidamente na Ásia; e um boom depois de 2019.
O movimento #OscarsSoWhite, que criticou com força a falta de representatividade na cerimônia, teve papel importante nesta mudança e a tendência é que estes números melhorem nos próximos anos.
Se é por pressão ou por reconhecimento genuíno, não há como cravar. O que nos resta é torcer para que cada vez mais países sejam contemplados não apenas com indicações, mas com prêmios e com o devido reconhecimento.
Confira quais foram os felizardos que conseguiram seu lugar ao Sol até agora, sendo dois deles em 2024!
1. A Grande Ilusão (França, 1939)
Clássico que se passava na I Guerra Mundial, A Grande Ilusão foi dirigido por Jean Renoir. O autor é um dos mais estudados na história do cinema e boa parte dessa relevância existe porque ele conseguiu furar as fronteiras da França e influenciar a sétima arte internacionalmente.
2. Z (França, 1970)
Três décadas foram necessárias para que outro filme em idioma não-inglês fosse indicado. Costa-Gavras conseguiu esse feito com o épico político e policial Z, mas venceu apenas outras categorias – Melhor Edição e Melhor Filme Estrangeiro.
3. Os Emigrantes (Suécia, 1973)
Em 1972, Os Emigrantes foi indicado a Melhor Filme Estrangeiro. Em 1973, o filme com Max Von Sydow e Liv Ullman estreou nos Estados Unidos e foi indicado de novo, agora a Melhor Filme.
Se precisava de alguma prova que a Academia considerava o cinema dependente dos EUA, está aí.
4. Gritos e Sussurros (Suécia, 1974)
Ingmar Bergman é um colosso da história do cinema, mas só foi indicado a Melhor Filme uma vez, por Gritos e Sussurros. O drama familiar contava novamente com a atriz Liv Ullman e, contrariando o padrão até ali, não teve indicação para Melhor Filme Estrangeiro. Venceu Melhor Fotografia, mas perdeu em Melhor Figurino, Diretor e Roteiro Original.
5. O Carteiro e o Poeta (Itália, 1996)
Dirigido por um britânico – Michael Redford – e produzido na Itália, esse filme contou a história de um carteiro que cortejava sua amada com a ajuda de um amigo poeta. O poeta era ninguém menos que Pablo Neruda (Philippe Noiret) que, na trama, estava exilado na Itália por motivos políticos.
O Carteiro e o Poeta tem uma triste curiosidade: Massimo Troisi, que co-escreveu o roteiro e interpretou o carteiro Mario, tinha um problema cardíaco e morreu de forma precoce, aos 41 anos, apenas um dia depois de encerradas as filmagens do longa, em 1994. Ele chegou a ser indicado ao Oscar de 1996, na categoria Melhor Ator, além de Melhor Roteiro Adaptado e do já citado Melhor Filme.
6. A Vida é Bela (Itália, 1999)
Um dos melhores filmes de II Guerra Mundial já feitos, A Vida é Bela chegou ao prêmio principal, mas não levou. Ainda assim, conseguiu as estatuetas de Melhor Ator, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Trilha Sonora.
Lembrando que nesse ano quem ganhou o prêmio principal foi Shakespeare Apaixonado, mesmo com a obra de Roberto Benigni e O Resgate do Soldado Ryan no páreo.
7. O Tigre e o Dragão (China, 2001)
O épico chinês de Ang Lee conseguiu a marca histórica de dez indicações ao Oscar em 2001, sendo uma delas na categoria Melhor Filme. O Tigre e o Dragão perdeu o prêmio principal para Gladiador, é verdade, mas fez bonito ao levar Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Trilha Sonora.
8. Amor (França, 2013)
Casal de idosos lidando com uma doença degenerativa é a receita garantida para chorar copiosamente. Em Amor, o diretor Michael Haneke soube usar muito bem essa premissa para quebrar o jejum de mais uma década sem nenhuma produção internacional concorrendo a Melhor Filme.
9. Roma (México, 2019)
Alfonso Cuarón já tinha um Oscar de Melhor Direção e ganhou o segundo com Roma. Infelizmente não veio o prêmio principal, mas foi um importante marco para a consolidação de filmes produzidos para streaming – nesse caso, a Netflix.
A derrota como Melhor Filme foi polêmica, já que o vencedor da noite foi Green Book, em uma decisão muito questionada pelo público.
10. Parasita (Coreia do Sul, 2020)
Bong Joon-Ho foi o responsável pela primeira produção não-estadunidense a levar o boneco dourado para casa na categoria Melhor Filme. Parasita tem suspense, comédia e críticas sociais em uma fórmula perfeitamente equilibrada.
A vitória pode ser considerada uma surpresa já que nunca havia acontecido algo assim antes, mas não há dúvidas quanto ao merecimento. Foi um momento incrível!
11. Drive My Car (Japão, 2022)
Seguindo uma tendência de apostar na inclusão e na representatividade – depois das pesadas críticas – o Oscar indicou Drive My Car a Melhor Filme em 2022. O filme de Ryusuke Hamaguchi não conseguiu o prêmio principal, mas ficou com o de Melhor Filme Internacional.
12. Nada de Novo no Front (Alemanha, 2023)
Novamente dando uma moral para filmes de guerra, a Academia colocou o filme alemão sobre a I Guerra Mundial entre os principais do ano. Merecidamente, pois Nada de Novo no Front é uma abordagem muito interessante sobre o evento histórico que vitimou milhares de jovens no começo do século passado.
13. Anatomia de uma Queda (França, 2024)
A França voltou a ter um representante na categoria Melhor Filme com Anatomia de uma Queda. A obra de Justine Triet também a levou à indicação de Melhor Direção, sendo a única mulher a concorrer neste ano.
14. Zona de Interesse (Reino Unido/Alemanha, 2024)
Zona de Interesse, o indigesto filme de Jonathan Glazer, acompanha uma família nazista que vive nas imediações de Auschwitz, um dos piores campos de concentração erguidos pelos alemães na 2ªGuerra. Dois filmes american-gringos no mesmo ano é inédito… será que algum deles leva?
Além de dois indicados não-americanos, o Oscar 2024 ainda conta com Vidas Passadas, um filme com atores de origem coreana, inclusive com trechos do longa no idioma asiático.
Lily Gladstone também tem grandes chances de ser a primeira atriz nativo-americana a ganhar como Melhor Atriz pelo seu desempenho em Assassinos da Lua das Flores, onde tem falas no idioma Osage em boa parte do filme.
É um grande momento para que países e comunidades que “correm por fora” na briga pelo Oscar façam barulho. Por muitos anos existiu aquela tendência de dar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro como prêmio de consolação e considerar uma indicação à categoria principal suficiente. Mas, felizmente, o cenário está mudando.
Quanto mais filmes de qualidade chegarem até os espectadores de todo o mundo, melhor!