Nos últimos anos, tem se tornado comum que os espectadores recorram às legendas enquanto assistem a filmes e séries. O motivo é simples: os diálogos estão cada vez mais difíceis de ouvir. Mesmo com avanços tecnológicos sem precedentes, o som não parece estar acompanhando as transformações na forma como consumimos esses conteúdos.
Não é uma questão técnica, claro. Os profissionais de audiovisual que trabalham nas produções que chegam ao grande público costumam ter domínio perfeito das possibilidades de seus potentes e modernos microfones. Porém, escolhas criativas e limitações dos aparelhos de TV, celulares e até projetores de cinema ajudam a explicar esse fenômeno recente.
Por que é difícil entender o diálogo nos filmes e séries?
Tal qual o problema, a resposta é complexa.
Um dos motivos pode estar na mixagem de som das produções. Em alguns casos, a trilha sonora, efeitos especiais ou falta de equilíbrio entre os diferentes elementos sonoros podem obscurecer as falas dos personagens, tornando-as menos audíveis para o público.
Além disso, o estilo de direção adotado por alguns cineastas pode favorecer uma abordagem mais naturalista, onde os diálogos são proferidos de forma rápida ou com sobreposição de vozes, dificultando a compreensão.
Outro fator que contribui para essa dificuldade é a variação das próprias telas. Com o aumento do consumo de conteúdo em dispositivos móveis e fones de ouvido, a qualidade do áudio pode ser afetada, tornando os diálogos menos claros para os espectadores. Isso porque a maioria dos cineastas pensa os filmes para as salas de cinema e não para os nossos celulares, sequer para aparelhos de TV colocados contra a parede.
Christopher Nolan, por exemplo, quer que você assista a Tenet e Oppenheimer em salas com projetor 70mm IMAX – e se a sua cidade sequer tem um ou você não pode pagar pelo ingresso mais salgado, fica sujeito a não entender o que está sendo dito. O home video simplesmente não é a prioridade – embora seja nesse formato que o filme durará mais tempo.
O som não é a única reclamação, nesses casos. Lembra das cenas escuras de Game of Thrones? Qualquer mudança na configuração de uma TV afeta a reprodução desses momentos, deixando espectadores frustrados – não importa se “naquela época” (ou seja, num cenário de fantasia que imita o medieval) os ambientes eram iluminados apenas à vela.
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Legendas: mais que tendência
É importante deixar claro que as legendas, em especial as descritivas, são uma importantíssima ferramenta de inclusão e acessibilidade para a população com perda auditiva e surda. Há muito tempo elas deixaram de ser opcionais – ainda bem.
Embora o Brasil seja um grande mercado para a dublagem e esta seja a preferência nacional – segundo pesquisa Kantar Ibope Media de 2020, 72% dos brasileiros preferem filmes dublados -, o público vem aos poucos se readaptando ao uso de legendas, até mesmo em outros países. O motivo disso? TikTok e Instagram.
O uso das legendas automáticas é majoritário nas duas plataformas de vídeos curtos. Ao tornar os vídeos mais acessíveis, compreensíveis e envolventes, as legendas podem ajudar os criadores de conteúdo a alcançar um público maior e a aumentar o engajamento do conteúdo – possibilitando que sejam consumidos até em horários improváveis, como no trabalho e na escola.
Não é de hoje…
Ao longo da história do cinema, a evolução do som desempenhou um papel fundamental na experiência do público.
Um exemplo é o filme Cantando na Chuva (1952), que marcou uma transição significativa da era do cinema mudo para o sonoro – e ainda explicou para o público, tim-tim por tim-tim, como era feita a captação do áudio. Os microfones eram gigantescos e precisavam ficar escondidos em meio aos elementos de uma cena, gerando uma única faixa de som, sem grandes possibilidades.
Muito mudou desde então. Pense nas cenas entre Alec Baldwin e Will Arnett em 30 Rock, um verdadeiro concurso de sussurros. Ou então nas cenas gravadas com máscaras em plena pandemia. Se até o telejornal do meio-dia consegue deixar pessoas sem treinamento fonoaudiólogo inteligíveis sob uma PFF2, os caras de Hollywood também conseguem.
George Lucas salvando o cinema mais uma vez
Mas a verdade é que nem mesmo os cinemas ofereciam uma qualidade sonora consistente. Foi somente com o lançamento de Star Wars que a questão ganhou o destaque que merecia. Ao tentar encontrar um cinema para estrear O Retorno de Jedi, George Lucas se deparou com sistemas de som terrivelmente mal configurados em cada local que visitava.
Indignado, ele decidiu agir e contratou Tomlinson Holmman para criar a certificação de qualidade de som conhecida como THX. Essa iniciativa não apenas garantiu a apresentação de O Retorno de Jedi em sua forma mais pura, mas também estabeleceu um padrão de qualidade sonora nos cinemas.
Assim, Star Wars estabeleceu o precedente para a qualidade sonora nos cinemas. Mas O Retorno de Jedi é de 1983 – sim, o filme já está quarentão. Enquanto isso, questões como o rápido avanço das tecnologias e mudanças importantes na forma como consumimos conteúdo se contrapõem à visão criativa de cineastas e showrunners. Só nos resta fazer uma coisa: ativar a legenda.