Depois da vitória de Jonathan Glazer no Oscar 2024 por Zona de Interesse e a videografia do cineasta vir à tona, muita gente pareceu surpresa que o inglês assinou clipes para nomes como Radiohead (“Karma Police”, “Street Spirit (Fade Out)”), Jamiroquai (“Virtual Insanity”) e Nick Cave & The Bad Seeds (“Into My Arms”).
Mas a verdade é que ver um cineasta dirigindo clipes não só é algo comum, como adiciona uma camada cult à experiência de muita gente – de David Fincher a Sofia Coppola, passando por Paul Thomas Anderson e Michel Gondry.
Abaixo, você pode conferir alguns clipes onde cineastas imprimem suas visões criativas de forma inegável – tornando-os mais do que vídeos musicais e sim verdadeiras obras de arte.
10 clipes famosos dirigidos por cineastas
Fatboy Slim – “Weapon of Choice”
Ano: 2001
Direção: Spike Jonze
Tire toda a cinematografia, os movimentos de câmera, a locação sem nada fora do lugar. O que mais fica desse vídeo é a sensação de que Fatboy Slim é tão bom que faz até Christopher Walken dançar!
Mas o que surpreende é que Walken não está fora do seu elemento – ele treinou como dançarino para o teatro musical antes de fazer a transição para o cinema. No começo dos anos 2000, ele sentiu que era hora de colocar suas habilidades à mostra, justamente quando Spike Jonze buscava alguém para soltar a franga no lobby de um hotel deserto. Deu match.
Vale lembrar que, em 2001, Jonze era um dos nomes mais cotados do novo cinema americano. Ele havia acabado de dirigir Quero Ser John Malkovich, e no ano seguinte viria Adaptação, ambos colecionando múltiplas indicações ao Oscar. Em 2000, o próprio Jonze havia sido indicado como Melhor Diretor – e teria sido novamente por “Weapon of Choice”, caso clipes contassem na Academia!
Madonna – “Vogue”
Ano: 1990
Direção: David Fincher
Este não foi o único clipe que David Fincher dirigiu de Madonna. Eles também trabalharam juntos em “Oh Father” e “Express Yourself”, um ano antes, e em “Bad Girl”, em 1993. Mas essa é sem dúvida a mais icônica parceria entre a Rainha do Pop e o diretor de Seven.
Isso porque o vídeo captura perfeitamente a essência da era dourada da cultura pop e da moda, imortalizando a estética elegante e extravagante do movimento Vogue, popularizado na cena underground LGBTQ+ de Nova York. A direção de Fincher não apenas celebra a coreografia inovadora, mas também evoca uma sensação de glamour atemporal que continua a inspirar e influenciar a cultura pop até os dias de hoje. Ajuda quando a música é uma das melhores da carreira de Madonna.
David Fincher começou como um requisitado diretor de clipes a partir de 1984 – e de certa forma nunca parou, assinando por fim o clipe de “Suit & Tie”, de Justin Timberlake, em 2013.
Michael Jackson – “Bad”
Ano: 1987
Direção: Martin Scorsese
“Absolute cinema”! Assim poderia ser classificado “Bad”, uma obra com uma instigante história de crime que por acaso tem uma das melhores músicas de Michael Jackson como trilha sonora.
Michael se dedicava aos seus clipes porque sabia que eles davam retorno: se tornavam referências de audiovisual para muito além do mundo da MTV. Fazia sentido, então, buscar um titã do cinema para esses investimentos.
Dirigido por Martin Scorsese, “Bad” apresenta uma narrativa sobre gangues de rua. O resultado é um videoclipe que se transformou em um curta-metragem de 18 minutos escrito por Richard Price. O vídeo acompanha o jovem Darryl (interpretado por Jackson) deixando sua cara escola particular no final do semestre e voltando para casa de metrô, para um bairro negligenciado em Nova York.
Ao se reunir com sua antiga gangue, liderada por Mini Max (Wesley Snipes), as relações se tornam tensas quando percebem que Darryl mudou enquanto esteve fora e já não é mais “malvado”. Apesar de simples, o vídeo tem quase um tom educacional, o que não o torna menos impactante.
Poucas pessoas dominam as filmagens nas ruas como Scorsese, e os videoclipes não são exceção para o aclamado diretor. Marty, como sabemos, é um grande fã de música, indo da direção de documentários icônicos sobre Bob Dylan e George Harrison a dançar com “I’m Just Ken” no Oscar desse ano.
Daft Punk – “Around the World”
Ano: 1997
Direção: Michel Gondry
Michel Gondry também coleciona uma vasta experiência na direção de clipes. Com um impressionante portfólio de 27 créditos, ele colaborou com uma variedade de artistas, desde os Rolling Stones até Björk, Foo Fighters, Lenny Kravitz e The White Stripes.
No entanto, seu trabalho mais marcante é a colaboração com a dupla de seus conterrâneos franceses do Daft Punk em “Around the World”. A música parece simples – afinal, a letra tem apenas três palavras -, e a premissa é também direta: pessoas dançando em um set circular. Mas a forma como foi realizado é que mostra a engenhosidade do cineasta que ficaria conhecido como o homem por trás de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.
No videoclipe, Gondry emprega uma técnica única: filma a ação em câmera lenta, posteriormente acelerada para sincronizar com o ritmo da música. Os dançarinos movem-se em torno de uma pista circular com uma textura reminiscente de um disco de vinil, cada grupo representando um dos instrumentos presentes na faixa.
Recentemente, o Daft Punk lançou um vídeo oficial dos bastidores, oferecendo uma fascinante visão do processo criativo de Gondry e do talento excepcional dos dançarinos envolvidos.
Os Paralamas do Sucesso – “Ela Disse Adeus”
Ano: 1998
Direção: Andrucha Waddington, Breno Silveira e Toni Vanzolin
O vídeo foi um prenúncio da carreira de pelo menos dois cineastas brasileiros para as próximas décadas. Vencedor do astronauta de ouro no VMB 1998, “Ela Disse Adeus” foi todo rodado em película, simulando a estética da antiga Hollywood e dos filmes de crime da era muda do cinema.
Andrucha Waddington vinha da publicidade e ainda não tinha lançado seu filme de estreia, Gêmeas, levando a outros longas elogiados, como Eu Tu Eles e Casa de Areia.
Já Breno Silveira se tornou o homem por trás de sucessos de bilheteria como Dois Filhos de Francisco e Gonzaga – de Pai para Filho. Um dos destaques desse clipe é a participação da esposa de Andrucha, ninguém menos que Fernanda Torres.
Essa não foi a única incursão de Waddington na música, claro. Não só ele dirigiu também mais clipes d’Os Paralamas, como “Busca Vida” e “Lourinha Bombril”, como assinou os documentários e shows “Viva São João” (2002), “Maria Bethânia – Pedrinha de Aruanda” (2007), “Gilberto Gil – Banda Dois” (2009), “Arnaldo Antunes – Ao Vivo Lá em Casa” (2010) e “André Midani – Do vinil ao download” (2015).
Radiohead – “Daydreaming”
Ano: 2016
Direção: Paul Thomas Anderson
Seria injusto não ter nenhum clipe do Radiohead nessa lista, já que a banda lança vídeos icônicos ao longo de toda a sua trajetória. “Daydreaming” é um bom exemplo disso, pois é relativamente recente, mostrando que nem o grupo inglês, nem Paul Thomas Anderson deixaram de criar obras memoráveis.
Esse talvez seja um dos clipes mais cinematográficos de ambos. São mais de seis minutos em que realidade e sonho se misturam – fazendo jus ao nome da música, uma canção etérea ao piano.
A câmera segue Thom Yorke enquanto ele percorre diferentes cenários, incluindo a vista austera de uma montanha coberta de neve. O vídeo parece ser o sucessor espiritual de filmes de PTA, como Embriagado de Amor e Vício Inerente, utilizando cores vibrantes e o característico flare de lente vintage de Anderson com maestria.
The White Stripes – “I Just Don’t Know What To Do With Myself”
Ano: 2002
Direção: Sofia Coppola
Sofia Coppola opta por uma abordagem minimalista, focando principalmente na performance intensa de Kate Moss. Filmado em preto e branco, o vídeo retrata Moss dançando de forma expressiva em um ambiente íntimo, criando uma atmosfera de introspecção que complementa perfeitamente a música do White Stripes – ao mesmo tempo melancólica e sensual.
A direção de Coppola adiciona uma camada de sofisticação e beleza ao clipe. Seu irmão, Roman Coppola, também dirigiu vídeos da banda, cuja videografia inclui ainda Michel Gondry. Mas o de Sofia destaca-se pela singularidade e simplicidade. Este foi um dos primeiros trabalhos da cineasta, que ainda não tinha lançado o icônico Encontros e Desencontros (2003) – mas já chamava atenção com As Virgens Suicidas (1999).
Eminem – “Headlights”
Ano: 2014
Direção: Spike Lee
A relação de Eminem com sua mãe, Debbie Mathers, é… complicada, pra dizer o mínimo. Isso fica claro em clipes como “Cleaning Out My Closet”, de 2002, onde simula enterrar a progenitora. Porém, em 2014, o rapper estava pronto para deixar esse amargor para trás e se dirigir à mãe de forma mais compreensiva.
Em um clipe dirigido por Spike Lee, ele mostra o ponto de vista de Debbie, em suas múltiplas tentativas de se reaproximar do filho e como a insistência de Marshall em manter a distância a afundou ainda mais em comportamentos destrutivos. Sem suavizar a responsabilidade da mãe, o rapper consegue criar um caminho de perdão ao reconhecer sua doença – o alcoolismo.
E, fazendo referência aos faróis do título, ele mostra que está pronto para o que o caminho à frente reserva para os dois. O vídeo foi lançado no Dia das Mães, aumentando o caráter emotivo.
ZAYN – “Let Me In”
Ano: 2019
Direção: José Padilha
Nesta lista, não poderia faltar um exemplo de como o cinema brasileiro também faz a ponte com a música – às vezes, até na gringa. É o caso do diretor de Tropa de Elite, que assumiu essa narrativa à la Scarface no clipe do ex-One Direction.
O luxo e a opulência combinam com o pop e R&B da faixa, porém destoam do restante da filmografia de Padilha, aqui claramente se tirando da zona de conforto. O lado do crime, então, assume protagonismo, com lutas coreografadas pausando a música para um efeito cinematográfico. O vídeo coloca ZAYN como protagonista dessa história de sedução e ainda abre caminho para uma parte 2.
New Order – “Touched by the Hand of God”
Ano: 1987
Direção: Kathryn Bigelow
Bem antes de Kathryn Bigelow fazer história como a primeira mulher a ganhar o Oscar, o videoclipe de “Touched by the Hand of God” do New Order se destaca como uma obra visualmente arrojada e surpreendente.
Isso porque o clipe cria um descompasso para o espectador: enquanto a música de sintetizadores da banda inglesa toca ao fundo, os artistas aparecem em cena como integrantes de uma banda de hair metal.
Fazia sentido, já que o clipe foi lançado em 1987, no auge dessa estética. A própria faixa nasceu da paródia e da sátira, já que foi criada para o filme Salvation!. O New Order assina a música do longa estrelado por Viggo Mortensen que mostra o lado ácido dos evangelistas de televisão.
Tudo isso, claro, veio antes de marcos ainda maiores na carreira de Kathryn Bigelow, como o filme Caçadores de Emoção, apenas 4 anos depois. Quem te viu, quem te vê…
Cada um desses exemplos mostra o quanto o cinema e os videoclipes são artes complementares que têm muitas interseções. Alguns dos clipes mais icônicos são aqueles que não se limitam apenas a transpor para as telas a interpretação da música, mas se dispõem a acrescentar camadas ainda não percebidas entre as lacunas.