Pernambuco e Minas Gerais entraram numa sintonia mágica para a música brasileira nos anos 1990, quando duas bandas altamente influentes até fora do país lançaram seus principais discos: Chico Science & Nação Zumbi e o Sepultura.
Especialmente com a dobradinha Chaos A.D. (1993) e Roots (1996), o grupo de Max Cavalera foi inspiração para roqueiros norte-americanos como Korn, Slipknot, System of a Down e Dave Grohl.
Da mesma forma, é possível dizer que o movimento Manguebeat foi o que abriu os ouvidos do Sepultura para incorporar mais elementos percussivos e da cultura Afro nesses dois álbuns.
Mas o caldeirão começou a ferver mesmo em 1994, quando Chico Science & Nação Zumbi lançaram seu disco de estreia Da Lama ao Caos, que está completando 30 anos exatamente neste mês.
A história de Chico Science & Nação Zumbi
Manguebeat nasceu em prostíbulos e boates LGBT+
Chico Science nasceu Francisco de Assis França em 1966 em Rio Doce, bairro de Olinda que era margeado por manguezais, e ainda na adolescência entrou para grupos de dança de Funk, Break e Hip-hop.
Acontece que, como foi apontado pelo jornalista cultural recifense Emmanuel Bento no X, a capital de Pernambuco era considerada pela ONU naquela época como a quarta pior cidade do mundo para se viver, com a segurança pública e a cultura em decadência
Mas foi aí que Chico Science e sua Orla Orbe passaram a organizar eventos em espaços alternativos, como prostíbulos e boates da comunidade LGBT+. Você pode ouvir abaixo a propaganda de rádio de uma festa organizada por ele no famoso clube Misty.
Continua após o vídeo
E como fazer cultura naqueles tempos difíceis? A futura turma do mangue ocupava espaços em espécies de “guetos”. Foi na Misty, uma boate gay bem famosa da época, que Chico organizou uma festa de hip hop.
Clique na imagem para ouvir o anúncio do evento nas rádios + pic.twitter.com/fF3EA3WqeT
— Emannuel Bento (@emannuelbento) December 21, 2022
Lamento Negro e o nascimento de Da Lama ao Caos
Pouco tempo depois, o cantor encontrou o guitarrista Lúcio Maia e o baixista Alexandre Dengue e formou a Loustal, que por sua vez se uniu a um grupo de jovens da periferia de Olinda que fazia música percussiva inspirada na Bahia, o Lamento Negro.
Em referência aos americanos do Afrika Bambaataa & The Zulu Nation, os brasileiros passaram a se chamar Chico Science & Nação Zumbi, unindo Maracatu, Rock, Funk, Rap e ritmos africanos em sua sonoridade.
Esse som ganhou oficialmente o nome de Manguebeat quando Chico e Fred 04, do Mundo Livre S/A, publicaram o manifesto “Caranguejos Com Cérebro” em 1992. Bebendo da mesma fonte antropofágica da Tropicália, o movimento propunha a universalização da cultura regional do Recife.
Dois anos depois, o som ganhou forma com o álbum Da Lama ao Caos – produzido pelo renomado Liminha, o disco rendeu hits como a faixa-título, “Rios, Pontes & Overdrives” e “A Praieira”, e é considerado até hoje um dos melhores da música brasileira.
Continua após o player
Mas o que o Sepultura tem a ver com isso?
Agora, voltemos ao Sepultura. A banda dos irmãos Cavalera, Andreas Kisser e Paulo Xisto Jr. já fazia shows no exterior desde 1990, e observou a popularidade do Manguebeat crescer também nos Estados Unidos.
Depois de Da Lama ao Caos, Chico Science & Nação Zumbi também se mostraram pessoalmente para o público de fora, já que o disco rendeu a primeira turnê internacional do grupo.
O álbum ainda foi considerado pelo jornal The New York Times um dos 10 melhores daquele ano, independentemente da nacionalidade, ao lado de nomes como Foo Fighters, P.J. Harvey e Abbey Lincoln.
Mas o Sepultura deciciu escancarar de vez para o mundo a influência da banda pernambucana quando lançou o lendário disco Roots, dedicado abertamente a eles e a todo o movimento Manguebeat.
LEIA TAMBÉM: 6 covers de músicas do álbum “Da Lama ao Caos”, de Elza Soares a Charlie Brown Jr.
Max Cavalera tentou cooptar Lúcio Maia
Em 1997, inclusive, depois de deixar a banda, Max Cavalera se apresentou no festival Abril Pro Rock ao lado da Nação Zumbi (assista abaixo), que tinha acabado de perder Chico Science, vítima de um acidente de trânsito aos 30 anos.
Naquele mesmo ano Max fundou o Soulfly, e adivinha quem ele chamou para gravar as guitarras do primeiro disco de seu novo projeto? Isso mesmo, Lúcio Maia e todo o seu groove que tanto marcou os anos 1990.
Numa entrevista resgatada pelo perfil Recife Ordinário no X, o vocalista disse que tentou levar o guitarrista para a estrada junto com ele, mas Lúcio preferiu ficar no seu Recife:
Eu tentei! Eu ofereci tudo, todo o papinho de que ele teria muitas groupies, iria viajar tranquilão, ficar nos melhores hoteis e tal [risos]. Mas não, ele quis ficar no Brasil.
Ele me disse que o sonho dele era envelhecer e tocar em bares, sentado fazendo Bossa Nova. Ele está em outro nível! Mas eu amo o Lúcio, ele é um grande cara e eu adoro o que ele fez naquele primeiro disco. A guitarra dele é pura magia no primeiro disco do Soulfly.
Até que “magia pura” é uma boa expressão pra encerrar esse artigo que ligou Pernambuco e Minas Gerais ao Nu Metal dos EUA, né?