Notícias

Taylor Swift, a cultura das resenhas e os desafios de criticar grandes ícones do Pop

Veículos de imprensa estão publicando suas críticas do novo álbum de Taylor Swift sem assinatura ou omitindo notas por medo de represálias; entenda.

Taylor Swift se apresenta no estádio Nilton Santos
Crédito: Diego Castanho exclusivamente para o TMDQA!

Taylor Swift é a artista mais influente do mundo, e disso não há dúvidas. Seu impacto cultural e até econômico foi provado inúmeras vezes ao longo de sua carreira multipremiada, e em especial no último ano. 

No entanto, por trás desse brilho, existe uma realidade muitas vezes complexa: a cultura dos fandoms e os dilemas enfrentados pelos críticos ao avaliar o trabalho de grandes ícones do Pop.

Recentemente, o lançamento do álbum The Tortured Poets Department reacendeu o debate sobre a recepção ao trabalho de Taylor Swift.

Enquanto veículos como Rolling Stone e The Independent deram nota máxima ao disco duplo, a Pitchfork surpreendeu com seus 6.0 e 6.6 para cada parte da antologia. E ainda teve a Paste Magazine, que se destacou com uma resenha bastante negativa, mas em tom de bom humor, que rendeu a nota mais baixa até então no Metacritic: 36. O texto analisando o “departamento de poetas torturados” começa com a frase “Sylvia Plath não enfiou a cabeça no forno para isso!”, o que já denota o tom nada elogioso que virá a seguir.

O resultado foi idêntico ao que aconteceu em cada novo ciclo de lançamento de Swift: alguns fãs começaram a rastrear jornalistas online e enviar mensagens ameaçadoras. Porém, logo em seguida, Taylor passou a exaltar as críticas positivas em seu perfil no X, o antigo Twitter. O que poderia parecer inofensivo acabou incendiando ainda mais a polarização.

No meio do fogo cruzado, ficou tímido o debate: e a cultura das resenhas, como anda das pernas?

Vigiar & punir

Os swifties, como são chamados os numerosos fãs da cantora, vêm mantendo a postura pela qual ficaram conhecidos: a vigilância do que é dito sobre Taylor na internet; e a punição, caso não concordem com o “veredito”.

Este foi o motivo de a Paste Magazine ter publicado sua resenha acompanhada da explicação de por que a crítica não tinha assinatura. Esta decisão foi justificada por preocupações com a segurança de quem escreveu, após ameaças de violência recebidas em resposta a resenhas anteriores de Taylor Swift no próprio veículo. A revista enfatizou que a segurança de sua equipe é prioridade máxima, superando a necessidade de um nome associado ao artigo.

Continua após o post

Parece pouco, mas não é: a assinatura da resenha é uma de suas partes fundamentais. Ela traz peso à análise, personalidade ao texto e atesta que o jornalista e o veículo sustentam suas visões. A autoria carrega consigo toda a bagagem de um crítico, sua capacidade de analisar movimentos culturais e entender sua relevância.

O que está em jogo?

As críticas ao novo álbum de Taylor Swift serão prontamente esquecidas assim que uma nova sexta-feira se delinear no horizonte. As implicações delas, porém, vão permanecer. A decisão de omitir o nome de um crítico levantou questões sobre a liberdade de expressão e o papel dessas análises na cultura contemporânea. 

Tanto que, horas após a resenha ir ao ar, Kayleigh Donaldson, jornalista da Paste, publicou os tweets ameaçadores recebidos – mesmo que ela não seja responsável pelas críticas musicais do site. “Que tal parar de provar o ponto da publicação ao buscar alguém para atacar por conta de uma escrita negativa?”, ela sugere.

Continua após o post

O caso resvala em questões que vão além da liberdade de imprensa, passando ainda pela segurança online e a responsabilidade das plataformas em permitir ameaças. Como dá pra notar, o tópico não se resume à fúria de um público jovem – e passa por questões que são maiores que estrelas Pop, até mesmo que Taylor Swift.  

Continua após a foto

O fandom anda recebendo críticas negativas

fã fandom
Crédito: Shutterstock

Não é a primeira vez que fãs reagem de forma negativa às críticas. Casos semelhantes ocorreram no passado, com apoio ou omissão das próprias artistas. Com os swifties, porém, a coisa ganha outra proporção devido ao tamanho considerável do público da cantora.

Como consequência, a cultura de fãs vem passando por uma mudança grande na percepção pública. Se antes eles eram vistos como apoiadores de um artista que se empenhavam em ficar horas em frente a um hotel ou escreviam cartas quilométricas, faz tempo que isso mudou. Há décadas, os fãs se mobilizam online, inclusive para inúmeras causas que vão além da música. Esse aspecto foi destacado até por Eddie Vedder, que comparou os fãs de Taylor à comunidade Punk.

Mas os fandoms estão, curiosamente, recebendo críticas. O fenômeno do comportamento de enxame, conhecido como “swarm behavior”, é frequentemente associado aos fã clubes. Trata-se de uma manifestação poderosa e muitas vezes impressionante dentro desses grupos. Quando se unem em torno de um ídolo ou uma obra específica, eles criam uma dinâmica coletiva única, caracterizada pela intensidade de sua devoção e ação coordenada. 

Esse comportamento pode se manifestar de várias formas, desde a mobilização em massa nas redes sociais até a organização de eventos e campanhas em apoio ao objeto de sua admiração. O enxame de fãs não apenas fortalece a comunidade em torno de um determinado artista, mas também pode influenciar significativamente a percepção pública e o sucesso comercial, demonstrando o poder e a paixão de seguidores fiéis.

As resenhas ainda importam?

Na era em que cada pessoa online é um criador de conteúdo, as críticas de música, cinema e TV foram perdendo relevância. Afinal, não é mais preciso ler uma longa análise para decidir comprar ou não um álbum – é possível buscar um vídeo curto sobre o assunto ou simplesmente dar play em uma plataforma digital, muitas vezes de forma gratuita. 

Os tempos mudaram, mas a crítica segue existindo. Isso porque o ecossistema do entretenimento precisa dela para criar hype sobre seus lançamentos. É por causa dela que estúdios de Hollywood e gravadoras gastam bilhões por ano em investimento com marketing e imprensa. Uma frase elogiosa em um pôster de filme, acompanhada de algumas estrelas, ainda tem poder de convencimento – assim como um selinho de “frescor garantido” no Rotten Tomatoes.

O que vem mudando, no entanto, é a importância que os próprios veículos jornalísticos dão à crítica especializada. Não por considerarem obsoleta, mas por precisarem jogar o jogo da retenção e da taxa de cliques que rege boa parte do conteúdo publicado na internet. Com a falta de engajamento do público, a resenha vem caindo na prioridade dos editores.

Parte disso se deve, também, ao fato de que uma boa resenha requer horas de investimento. Além de trazer uma bagagem cultural robusta, os críticos precisam ouvir o mesmo álbum algumas vezes; fazer uma escuta ativa com foco nas letras, mas também na estética musical; estabelecer comparações com outros álbuns contemporâneos ou com o trabalho pregresso daquela banda ou artista. Vista apenas por esse prisma, a resenha não se paga, e sua relevância fica apagada. 

Estes são alguns dos motivos pelos quais o TMDQA! quase não publica resenhas, embora possua jornalistas capazes e dispostos para tal. Até os veículos gringos e com renome nessa seara vêm sentido esse baque: a Pitchfork fez sua fama com base apenas em notas cujos meros décimos fazem diferença – mas foi absorvida pela GQ e passou por cortes de equipe para se manter de pé.

Com isso, surge mais um ponto a ser analisado: com tantos portais disputando cliques e levando em conta tudo que acabamos de falar sobre as resenhas, qual o valor de ter sua publicação compartilhada nominalmente por Taylor Swift em tom elogioso, cujos fãs também têm a capacidade de reforçar positivamente aquilo que sua cantora favorita apoia? A resposta é simples: enorme, a ponto de aumentar uma nota em vários pontos na busca por cliques.

De todo modo, o simples fato de que as resenhas voltam ao debate público de tempos em tempos mostra que sua relevância não está totalmente diluída. Talvez ela esteja sendo ressignificada em um panorama em que as conversas culturais estão cada vez mais inclusivas e democráticas. Isso, por si só, deve ser comemorado.