Entra ano, sai ano e os fãs de Rock And Roll continuam se perguntando quem seria o tal do “Norvana”, aquela banda que “une todas as tribos” e foi pedida pelo incrível Dinho Ouro Preto lá em 2013 (!) quando seu tweet com um erro de digitação virou meme.
É claro que esperar um “novo Nirvana” é uma tarefa ingrata, já que bandas como a de Kurt Cobain são resultado de uma união imensa de fatores e um dos mais importantes é o timing, algo que joga contra as guitarras atualmente.
Acontece que, e essa não é a primeira vez que eu falo isso, a banda norte-americana Turnstile parece ser o que temos de mais próximo de uma banda que conecta fãs de diferentes gêneros, idades, gerações e, o mais importante, vem de uma cena prolífica, criativa e consolidada.
Turnstile e o amor à música
A banda de Baltimore passou pelo Brasil recentemente com shows explosivos no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde apresentou suas canções rápidas e poderosas, todas baseadas no Hardcore, mas alimentadas por detalhes e sutilezas que encantam mesmo quem nunca se imaginou em uma Roda Punk.
É claro que o disco Glow On, lançado em 2021 e aclamado por público e crítica, tem um peso gigante nesse processo, tanto que teve 11 músicas tocadas nos shows, mas há muitas outras coisas que fazem do Turnstile uma banda que pode agradar novos adeptos e os puristas mais chatos.
A maldição da “salvação”
Nos últimos anos, foi comum celebrar o surgimento de bandas que rapidamente foram batizadas de “Salvação do Rock”, como os casos de Royal Blood e Greta Van Fleet, que têm talentos e méritos inegáveis, mas foram catapultados ao mainstream de forma repentina e quase cruel como uma forma de celebrar as guitarras (ou os baixos distorcidos) à força.
No caso do Turnstile, tudo seguiu a ordem natural das coisas, como deve ser. A banda surgiu em 2010, fez parte da cena local de Hardcore, tocou pra pouquíssima gente durante longos anos e de lá pra cá veio adquirindo bagagem para chegar à sua obra prima recente, um disco que parece uma mistura de Dead Kennedys, Jane’s Addiction e Nirvana com uma forte envelopada Indie em sua estética.
Obviamente, muita gente se pergunta por que músicas “comuns” como as de Glow On ou fórmulas “simples” como as do Hardcore repetidas ali acabaram funcionando tão bem, mas é impossível deixar de lado o elemento humano da coisa. O timbre. Aqueles toques que são inexplicáveis e transformam pessoas em elementos que transcendem a compreensão entre discussões que se resumem a o que é “bom ou ruim”.
Além de diverso, contando com dois homens brancos, um homem asiático, um homem negro e uma mulher em sua formação, o Turnstile parece estar com ouvidos abertos e antenas apontadas para receber diferentes sinais, o que pode passar despercebido na hora de compor uma canção que parece ser puro Hardcore, mas que toca o coração de fãs de Pop Punk, Metal, Grunge, Rock Alternativo e até do Pop.
Como foi o show do Turnstile em São Paulo?
Logo de cara, ao encontrar colegas de imprensa na porta da casa de shows, já deu pra perceber que o efeito “Norvana” estava ali, reunindo quem cobre Indie, Punk, Heavy Metal e até notícias especializadas em Pop, acredite.
Lá dentro, o que se viu foi uma verdadeira congregação, com Rodas Punk gigantescas que tinham desde pessoas com os seus 40 anos de idade e uma sede por novidades, até jovens que portavam bandeiras, camisetas e exibiam tatuagens sobre como as músicas do Turnstile mudaram suas vidas.
O show foi baseado todo em Glow On, com 11 músicas do álbum no repertório, e vieram algumas pedradas de outros discos da banda como intermediários que, na maioria dos casos, funcionaram bem.
Em alguns momentos, as interrupções foram longas demais e particularmente “Alien Love Call” poderia ter substituída por algo que não quebrasse o ritmo da apresentação, como a ótima “Lonely Dezires” do próprio Glow On, que ficou de fora.
Entre as canções dos outros álbuns, meu destaque ficou para a também enérgica “Real Thing”, que abre o sensacional Time & Space (2018) e “Blue By You”, uma verdadeira joia indie com pouco mais de um minuto de duração que tem apenas quatro frases mas soa como um verdadeiro confessionário entre fã e artista.
Turnstile e a incrível “BLACKOUT” em São Paulo! ❤️🔥 pic.twitter.com/UcyTrjQpCJ
— Tenho Mais Discos Que Amigos! 🎶 (@tmdqa) April 17, 2024
Turnstile Love Connection
A grande lição que fica da turnê do Turnstile pelo Brasil é justamente essa: a de conexão entre público e banda.
É nítido que há uma paixão muito forte entre aqueles que lotaram o Tokio Marine Hall e que viram a banda no Rio de Janeiro e que faça com que essas pessoas se identifiquem com tudo que é apresentado pela banda, indo além das canções.
Volta e meia ficamos todos tentados a apontar que alguém é a “salvação do Rock”, mas não há nada pior do que colocar esse peso todo em alguém.
Vamos celebrar, vamos dar tempo ao tempo, respeitar o processo e consumir bandas como o Turnstile. Como o DRAIN, o Knocked Loose, Zulu, Fleshwater, GEL, Spiritbox e tantas outras. Isso sem falar no cenário nacional, é claro, que também está repleto de bandas interessantes como menores atos, Zander, Metade de Mim, Pense, Bullet Bane e mais.
Vamos alimentar as cenas para que elas se alimentem e a gente tenha um crescimento gradual e saudável do que se espera de um ressurgimento do Rock no mainstream, ainda que seja altamente questionável o efeito de um possível enorme sucesso do gênero em uma era onde a indústria da música, cada vez mais digital, parece ser movida a robôs.
E de robôs os integrantes do Turnstile nada tem. Assim como seus fãs. E é por isso que a conexão bate diferente como foi nessa nova passagem da banda por aqui.
Vida longa!