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MTGs bombam no TikTok e levantam questões sobre direitos na música

Montagens (MTGs) de Billie Eilish e Seu Jorge foram abraçadas pelo público, mas trazem à tona os desafios legais do meio musical. Saiba mais neste especial!

Mulú e Brenda Espasandin - MTGs
Créditos: Glaucia Mayer / Divulgação

As MTGs, ou montagens, são um formato musical bem difundido no cenário do funk brasileiro. Essa prática envolve a colagem de sons e músicas, criando novas batidas e efeitos sonoros.

Suas raízes remontam ao início dos anos 1990, com sucessos como “Montagem Jack Matador” animando os bailes cariocas. Mas agora, em um comeback digno de diva pop, as MTGs estão por toda parte.

No TikTok e Instagram, elas ganharam uma visibilidade sem precedentes. Versões repaginadas de músicas conhecidas viralizam rapidamente, permitindo a revitalização de sucessos antigos e a introdução de novos elementos e temas no funk. Esse movimento não só rejuvenesce o público de alguns artistas, mas também explora novas fronteiras sonoras, proporcionando um terreno fértil para a criatividade dos DJs e produtores. 

As MTGs de “Quem Não Quer Sou Eu”, de Seu Jorge, e “CHIHIRO”, de Billie Eilish, se tornaram dois exemplos do potencial das MTGs de furar bolhas. Com elas, surgem questões importantes do mercado da música: a preservação da autoria e o pagamento de direitos. 

Para entender esses hits do momento, é preciso fazer uma breve digressão a um passado não muito distante.

O contexto histórico e o papel das redes sociais

O fenômeno das montagens musicais não é novo no Brasil. Nos anos 90, as montagens se destacavam nos bailes funk do Rio de Janeiro, onde DJs experimentavam com colagens de trechos de músicas, criando versões únicas que animavam as festas.

O estilo evoluiu ao longo dos anos, absorvendo influências de outros gêneros musicais e tecnologias de produção. Com o fortalecimento da cena funk de Belo Horizonte, veio também uma nova abordagem, mais minimalista e melódica, que conquistou tanto o público quanto os produtores.

O DJ e produtor Mulú, que assina “MTG CHIHIRO”, a montagem mais bombada do momento, conta um pouco dessa evolução:

Nos final dos anos 90, as montagens estavam mais ligadas ao beat voltmix, era mais pesadão, mais frenético. Agora elas seguem o estilo de funk mais minimalista e espacial de Minas Gerais, com mais melodia e vocais mais complexos.

A evolução das MTGs entrega a constante transformação do funk brasileiro — para desespero daqueles que tentam reduzir a cultura funk a apenas um estilo ou identidade. Essa transição é mais um exemplo da capacidade do funk de se reinventar, mantendo-se relevante para novas gerações de ouvintes.

Agora em uma nova era, o papel das redes sociais na popularização das MTGs é inegável. TikTok e Instagram se tornaram as grandes vitrines para a disseminação de novas músicas e tendências e os DJs e produtores aproveitam essas plataformas para lançar suas criações, refinando a sonoridade de acordo com o que mais atrai visualizações. 

Brenda Espasandin, CMO da MusicPRO, explica o que torna o movimento das últimas semanas diferente.

O que mais diferencia o momento atual, favorecendo as MTGs, é o fato de que o funk de Belo Horizonte, o ritmo predominante nessas MTGs atuais, está em alta. Esse gênero musical tem grande popularidade no Brasil, criando um ritmo amplamente reconhecido e apreciado. Quando uma música já conhecida, que possui memórias associadas para as pessoas, é combinada com um ritmo que está em voga, isso tende a ser muito eficaz. Além disso, outro fator que favorece as MTGs é o uso de redes sociais como Instagram e TikTok. Nessas plataformas, conteúdos relacionados são amplamente compartilhados e a música é replicada inúmeras vezes, aumentando significativamente o alcance e contribuindo para a presença nos charts do Spotify.

Por trás de sucessos como “MTG Quem Não Quer Sou Eu” está um time dedicado de profissionais, principalmente mulheres, que lideram o QG de marketing da MusicPRO e desempenham um papel vital na facilitação da legalização das montagens. 

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Mas nem tudo são flores. Afinal, as MTGs expõem um dos grandes desafios da indústria musical: a compensação correta e justa para compositores, artistas, produtores e músicos.

Desafios legais e direitos autorais

Apesar do sucesso, a prática das MTGs enfrenta desafios legais impossíveis de ignorar, principalmente relacionados aos direitos autorais. DJs frequentemente encontram dificuldades para obter a liberação das faixas que utilizam, o que pode impedir a disponibilização dessas montagens em plataformas como Spotify. 

Um exemplo de sucesso é justamente a “MTG Quem Não Quer Sou Eu”, que trouxe uma nova energia para a canção de Seu Jorge. O DJ Topo conseguiu autorização formal para lançar a montagem, que rapidamente passou a liderar as paradas no Brasil. Brenda Espasandin destaca a importância dessa legalização:

Nós descobrimos a música através do TikTok, onde obteve uma grande aceitação do público. Em seguida, entramos em contato com o DJ Topo, oferecendo a possibilidade de licenciar a faixa em parceria com o Seu Jorge, um parceiro estratégico da nossa empresa. Atualmente, o Seu Jorge está envolvido em diversos negócios conosco, e somos responsáveis pela distribuição do selo dele, Black Service. Levamos essa possibilidade ao Seu Jorge, que apreciou a faixa. É importante destacar que a ausência de termos pejorativos e palavrões na música facilitou a obtenção da licença. Após isso, realizamos os processos administrativos necessários, incluindo a divisão de receita, e lançamos a faixa em conjunto nas plataformas digitais, além das redes sociais. Portanto, embora a música tenha sido inicialmente criada pelo DJ Topo e lançada no TikTok, nós a licenciamos para plataformas como Spotify, Deezer, YouTube, entre outras.

Por outro lado, tentativas de legalização nem sempre são bem-sucedidas. A “MTG Chihiro”, que reimagina a música presente no mais recente álbum de Billie Eilish, HIT ME HARD AND SOFT, foi divulgada nas redes sociais de Mulú e, desde então, ganhou proporções globais. A música da cantora americana tem um caráter mais melancólico e, na montagem de Mulú, desenvolve contornos dançantes que a tornaram irresistível. O resultado? Mais de 4 milhões de audições apenas no YouTube — e contando.

Apesar de o público ter abraçado essa MTG, Mulú não cedeu às pressões para colocar a faixa no Spotify. Ele optou por seguir o caminho mais burocrático e acionou sua editora, representada pela Universal Publishing — a mesma de Billie Eilish. Porém, nem mesmo a proximidade das equipes e o fato de um amigo em comum com os irmãos talentosos (Diplo, quem mais?) ter mostrado a MTG para Finneas garantiu a liberação:

Já recebi a resposta final da equipe da Billie, que foi: ‘Não estamos interessados em remixes para o HMHS no momento’. Porém eles autorizaram eu manter no YouTube e SoundCloud de maneira não monetizável e disseram que não haveria problema se eu lançar a versão como um cover com outra cantora, que é o que estou tentando agora. 

A voz desse possível cover ainda não tem dona, mas “MTG CHIHIRO” continua a receber comentários positivos no YouTube. Muitas vezes, os fãs permanecem alheios aos meandros do music business, que ainda não encontrou uma solução para o uso de samples, remixes e mash-ups.

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Fechando o cerco

A prática das montagens é apenas mais uma oportunidade para colocar em pauta questões sobre a legalidade e os direitos autorais de remixes não oficiais. DJs que não conseguem a devida autorização podem recorrer a métodos alternativos para burlar as restrições, o que costuma resultar em conflitos com os detentores dos direitos das músicas originais. 

Brenda Espasandin ressalta a importância de legalizar as montagens, por mais burocrático e longo que possa parecer o trâmite:

É crucial a autorização e a legalização nesse processo administrativo das montagens. Porque se o autor original não permitiu, não deu essa legalização, não fez essa parte administrativa junto com o remixer, essa obra está passível de ser derrubada de todas as plataformas sociais, tal qual aconteceu recentemente com a música da Marisa Monte, que foi remixada e ela pediu a derrubada das redes, porque elas não tinham sido autorizadas previamente. Então a partir do momento que você lança e não pede autorização, com certeza esse acordo vai estar desfavorável para quem fez essa remix. Então é importante a gente buscar. Eu acho que a dica mais crucial é buscar fazer a legalização antes mesmo de lançar, para que você tenha acordos bons e que não tenha nenhum problema até judicial lá na frente.

O processo de (não) liberação de “CHIHIRO” já serve de aprendizado para Mulú:

Minha dica é que evitem fazer [MTGs] de músicas muito novas, como eu fiz. Busquem músicas que não estejam hitando nas plataformas, com certeza será mais fácil de aprovar!

Em um movimento direcionado às MTGs, a Associação Brasileira de Música e Direitos Autorais (Abramus) se posicionou contra o uso indevido de músicas em montagens.

Para isso, está propondo ao Ecad o bloqueio preventivo de obras e fonogramas suspeitos de violação de direitos autorais, além de oferecer orientação aos seus associados. A entidade ainda realiza uma pré-análise das obras e fonogramas enviados para documentação, visando agilizar o processo de regularização e evitar pendências. Por fim, obras e fonogramas que violarem a legislação são identificados para que a Abramus solicite a sua retirada das plataformas digitais até que a devida autorização seja obtida.

Outro movimento veio de algumas das principais entidades reguladoras dos direitos autorais no país. A União Brasileira das Editoras de Música (Ubem), os Produtores Fonográficos Associados (Pró-Música), Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), Associação Músicos Arranjadores e Regentes (Amar), Associação dos Intérpretes e Músicos (Assim), Sociedade Brasileira de Autores Compositores e Escritores de Música (SBACEM), Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais (SOCINPRO), União Brasileira de Compositores (UBC) e Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) emitiram uma nota conjunta citando explicitamente as MTGs produzidas e disponibilizadas sem autorização dos criadores em plataformas digitais.

As entidades enfatizaram que as montagens estão causando prejuízo à cadeia produtiva da música. Na carta, foi destacado que a maioria das MTGs disponíveis desrespeita os direitos autorais, gerando prejuízos injustificados aos titulares e constituindo uma grave violação civil e criminal.

Estratégias criativas e técnicas

A produção das MTGs envolve uma combinação de criatividade e técnica. Mulú, por exemplo, buscou uma inspiração um pouco inusitada — que nada tem a ver com o funk mineiro, o pop etéreo de Eilish ou sequer o filme japonês que deu nome à música original. 

Então, como ele faz suas montagens?

Abusar da criatividade e das ferramentas de separação de som em IA buscando trechos e vozes de músicas que combinem legal, pra juntas funcionarem bem como uma montagem. Eu busquei aquela sonoridade meio assombrosa das MTGs mineiras, pra isso usei um som de theremin, instrumento russo com quase 100 anos de existência que você toca com as mãos no ar sem encostar. Complementei com o box tradicional do funk, um trompete que soa como uma tuba quando transposto em menos de 12 semitons. O resultado final ficou épico, sexy e um pouco engraçado. 

Espasandin destaca que as montagens proporcionam a popularização de um catálogo que muitas vezes não vinha sendo ouvido atualmente:

Quando um catálogo que já teve um bom desempenho ou fez sucesso em algum momento é revisitado, e as pessoas têm uma lembrança associada a ele, essa familiaridade é potencializada. Ao inserir esse repertório em uma roupagem atual, como as MTGs, que fazem remixes de funk utilizando o popular gênero do funk de Belo Horizonte, a música se torna, ao mesmo tempo, conhecida e nova. Isso confere uma sensação de vigor e frescor ao catálogo. Do ponto de vista estratégico, é vantajoso revitalizar músicas que pararam de performar bem, criando novas versões e colagens utilizando MTGs. Além das MTGs, outras roupagens, como as de eletrônico, piseiro e outros ritmos populares em montagens, também são eficazes.

Como dá pra ver, as MTGs do momento estão apenas começando a cavar a superfície do que é possível ser feito.

O futuro das MTGs

É difícil prever se as MTGs continuarão no topo por muito tempo. Seu futuro — ao que tudo indica, promissor — depende de um equilíbrio delicado entre criatividade e legalidade. A inovação constante é necessária para manter o interesse do público, enquanto a legalização das faixas utilizadas é essencial para garantir que todos os envolvidos sejam devidamente reconhecidos e compensados.

As MTGs podem representar uma interseção contrastante de inovação musical e desafios legais no funk brasileiro. Com a crescente popularidade das plataformas digitais e a capacidade dos produtores de criar novas experiências sonoras, as montagens continuarão a evoluir, refletindo a dinâmica e a criatividade do cenário musical brasileiro.

No entanto, a legalização e o respeito aos direitos autorais permanecerão questões centrais, exigindo uma abordagem equilibrada e informada para garantir o sucesso sustentável desse formato musical.