TMDQA! Entrevista: 30 anos de Planet Hemp e a revolução musical dos Jardineiros do Brasil

Marcelo D2 e BNegão discutem a trajetória do Planet Hemp, a cena dos anos 90, a discografia marcante e a decisão histórica do STF sobre o porte de maconha.

Planet Hemp divulga o clipe de JARDINEIRO
Crédito: Rodrigo Braga

O TMDQA! aproveita qualquer oportunidade para colocar o papo em dia com o Planet Hemp. Ainda mais agora, em um momento histórico para a banda, que comemora 30 anos de carreira. 

Fundado em 1993 no Rio de Janeiro, o Planet Hemp rapidamente se destacou na cena musical brasileira com seu estilo único, que mescla rap, rock, psicodelia, hardcore e ragga.

Em meio à efervescência cultural dos anos 90, a banda se consolidou como uma das principais vozes da contracultura, defendendo a legalização da maconha e criticando a violência policial e outras formas de discriminação. Sua postura política não pode ser dissociada das suas canções pungentes e urgentes.

Planet Hemp: 30 anos de História

Nos primeiros anos de existência do Planet Hemp, o cenário musical brasileiro era dominado por bandas de rock e MPB, mas o grupo trouxe uma sonoridade inovadora, incorporando elementos do hip-hop e do punk.

Essa mistura, aliada a letras provocativas, atraiu rapidamente a atenção do público jovem e de setores mais conservadores da sociedade, resultando em polêmicas e até prisões dos membros da banda. O primeiro álbum, Usuário (1995), se tornou um marco com hits como “Legalize Já” e “Mantenha o Respeito”, seguido por Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára (1997) e A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000), consolidando a influência da banda.

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A decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal até 40 gramas representa uma vitória significativa para a causa que o Planet Hemp sempre defendeu. Marcelo D2 e BNegão têm sido vozes ativas na luta pela legalização da maconha, usando sua música e visibilidade para promover a discussão sobre o tema. Em entrevista, os integrantes refletem sobre essa conquista e como ela se alinha à trajetória da banda.

A celebração dos 30 anos do Planet Hemp será marcada por um show especial no Espaço Unimed, em São Paulo, no dia 11 de julho de 2024, que incluirá a gravação de um material audiovisual comemorativo. O evento contará com a participação de diversos artistas e amigos da banda, como Seu Jorge, Emicida, Pitty, BaianaSystem, Black Alien, entre outros, prometendo uma experiência imersiva e memorável para os fãs.

Motivos para comemorar não faltam.

TMDQA! Entrevista: Planet Hemp

TMDQA!: Gente, primeiro, muito obrigada pelo tempo de vocês. Eu sei que vocês estão no meio dessa comemoração aí. E a gente tá aqui hoje pra falar desse show especial que vocês estão montando, inicialmente em São Paulo. E o que salta aos olhos, assim, de cara é a lista de convidados, né? É bem diversa, gerações diferentes se encontrando ali. E a gente tem ali, sei lá, parece até início de piada, né? O Zegon, a Pitty, o Black Alien, o Rodrigo do Dead Fish entram num bar e o BaianaSystem é a banda. E eu tenho que saber como que foi montar essa lista de colaborações ao vivo que vão ficar para posteridade, porque esse show está sendo registrado. 

Marcelo D2: (risos) Muito bom! Ah, cara, acho que foi tudo um processo de criação dessa celebração dos 30 anos, né? A gente pensou em fazer um ao vivo, porque o nosso último ao vivo tinha muitos anos. Depois de tanto tempo sem gravar disco, a gente veio com o Jardineiros. E aí a gente gerou alguns conteúdos com o Jardineiros, mas sentiu uma necessidade de fazer esse registro do momento atual da banda.

A partir daí começa uma vontade de convidar as pessoas para a nossa festa, né? Não é uma festa se não tem convidado! E aí a gente meio que tentou mapear esse universo do que é o Planet Hemp mesmo, sabe? Do pós-punk, a vanguarda paulista, o punk rock de São Paulo das Mercenárias, essa energia que o Baiana tem, que eu acho que vem muito do que o Planet Hemp é também.

O Baiana, eles são de outra geração, mas parece que é… Pelo menos na minha cabeça, sempre que eu olho para o Baiana, parece que é uma banda que é… Planet Hemp, Chico Science, Nação Zumbi, Baiana, Raimundos. Parece que é a mesma galera, né? A gente tentou mapear tudo isso. Muita gente, são os que já estão por muito tempo perto da gente que fazem parte da nossa história.

Alguns que eu não considero nem convidados, esses três que você citou. Zé, o Gustavo, o Black Alien e o Jorge, eles já fizeram parte do Planet Hemp em alguns momentos, fazem parte da nossa história. A Pitty é uma amiga de 30 anos, sabe? A Pitty é uma amiga que a gente tem há muitos anos. 30 acho que não, né? 20 e poucos. 30 somos nós, né? (risos)

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BNegão: É de antes de ela lançar o solo, né? A gente estava sempre junto já. 

Marcelo D2: Então, cara, eu acho que tem uma vontade de renovar o nosso repertório antigo também. Então, essas pessoas vão acabar ajudando a mexer um pouco nessas músicas mais antigas. 

BNegão: E mesmo as novas vão ficar com um cara diferente pelas participações também, né?  

Marcelo D2: Sim. E aí, cara, acho que nesse contexto todo foi a maneira da gente preparar essa festa, sabe? A gente vai gravar dia 11 de julho em São Paulo, no Espaço Unimed, mas é uma coisa que vai ficar na nossa história. Essas pessoas fazem parte da nossa história de alguma maneira, assim, influenciando, sendo influenciados, como parceiros, fazendo parte do nosso… Então, acho que, assim, tudo o que está pensado ali tem muito a ver com essa celebração desses 30 anos mesmo. 

BNegão: Sim. 

TMDQA!: E tá nível line-up de festival, né? Eu nem fiquei com inveja de quem vai! Agora, esse número de 30 anos meio que convida a voltar um pouquinho no tempo. Eu queria que vocês contassem um pouquinho pra gente como que era aquela cena raiz, Rio de Janeiro, começo dos anos 90? O que vocês lembram dessa fase inicial e o que vocês diriam que foram os maiores desafios? 

BNegão: Cara, eu me lembro assim, seis bandas tocando numa noite…

Marcelo D2: Pra 30 pessoas (risos)!

BNegão: … tirando zerinho ou um para ver a ordem das bandas. Nego ficando pra tocar às seis da manhã. Indo tocar do jeito que dava, para tocar em qualquer lugar do Rio de Janeiro, em qualquer horário, sem ganhar nada, só para fincar o nome da banda ali, fazer acontecer, sem nem saber que podia rolar alguma coisa de grana. Para fazer a banda existir, né, cara? Eu me lembro dessas coisas, era o básico na época, nas antigas. Era a existência, você existir: “eu existo”. E aí, com o tempo, acabou que a cena foi fortificando no Brasil todo e acabou que a gente virou uma banda gigante dentro dessa cena não programada, né? 

Marcelo D2: E referência, né cara? 

BNegão: É, exatamente, estamos aqui até hoje. É uma loucura que quase todo mundo já não existe, as bandas, a maioria, né? E é isso, é muito louco na verdade parar para pensar de 30 anos dessa forma, né? Me lembro quando a gente tava começando a fazer a gravação, a gente gravou o disco todo mundo calotando o ônibus, né? Tu [D2] tava sem casa, eu tava pra ficar sem casa, o clima era esse. A gente tipo, “Ah, músico, tá tudo certo”, a galera tá lá, acham que a gente tá com a vida a ganha e tal… A gente tava assim, botando todas as fichas possíveis dentro de uma parada que a gente nem fazia ideia se ia acontecer, sabe, e deu no que deu.

Marcelo D2: Eu tenho uma visão assim, cara, bem lúdica disso tudo, sabe? Porque pra mim, o Bernardo [BNegão] é um cara que foi criado em Santa Teresa [bairro boêmio carioca], um universo muito artístico, né, cara? Eu, como eu vim do subúrbio do Rio, encontrei esses caras, todos com bandas, camisas de bandas, cabelos estranhos, todo mundo cheio de sonhos, isso pra mim era uma viagem, sabe? Eu achei tudo aquilo um universo, sei lá, um universo lindo assim, sabe? Um dia eu conheci o BNegão, um dia eu conheci o Black Alien, que é um cara super interessante, sabe? Aí um dia eu conheço o Skunk, aí o Skunk me apresenta o Bernardo, na grade do Circo Voador. Só de falar isso, cara, pra mim, o meu coração fica acelerado.

Porque era algo que… O Bernardo falou de uma coisa que ele já era um cara que pensou em ser artista. O Bernardo quando eu o conheci já tinha banda. Imagina pra mim, esse universo que não tinha nem tinha pensado, de repente deu um clique: vou fazer banda. Conheço BNegão no Circo Voador, na grade, que vai tocar na banda… Era muito criativo o ambiente, muito!

A gente tem que lembrar que estava saindo de uma ditadura militar, então tinha uma esperança de que a gente ia mudar o Brasil, que a gente ia viver em uma democracia agora, que a gente ia fazer parte dessa mudança. E a gente fez, né, cara? A gente ia esticar as cordas de tantas pautas… Pra mim, cara, foi tipo olhar isso tudo, era um sonho que eu nem sonhava, era um sonho que eu não tinha noção de que estava acontecendo. Era lindo ver as pessoas se juntando pra fazer cultura.

Sei lá, do lugar de onde eu vim, as pessoas se juntavam pra não morrer de fome, as pessoas se juntavam pra cuidar do filho do outro enquanto o outro ia trabalhar. A possibilidade de se juntar pra fazer cultura, pra tentar melhorar as coisas, pra mim foi tipo um rebento. Era uma coisa maravilhosa, acho que talvez eu nunca tenha falado isso, mas conhecer esses caras, conhecer o Skunk, o Bernardo… Tô quase chorando, sério (risos). 

Mas conhecer os caras – o Bernardo, o Gustavo, o Speedy, o Yuka, depois o Chico Science, – pra mim era tipo: “Caralho mano, esses caras são incríveis, são meus heróis”. São os caras que mudaram a minha vida, que fizeram eu acreditar na parada que eu nem sabia que podia acreditar, tá ligado? Tô emocionado com essa lembrança…

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BNegão: Essa coisa que você falou, essa palavra “artista”… Tipo, a galera nem tinha essa visão de artista, tinha visão de fazer banda, né? Aí, tipo assim, era existir como banda, que nego via punk rock nacional, ouvia Cólera, ouvia Ratos [de Porão], aí queria inventar o seu próprio som e queria buscar, queria fazer, mas ao mesmo tempo o teto era baixinho, né? Não tinha nada, não tinha dinheiro pra fazer a fita demo, uma fita cassete, né?

Então, tipo, o sonho era gravar uma fita cassete depois de anos. E deu no que deu, a gente gravou vários discos, mexeu na estrutura da música urbana brasileira. Isso é uma parada muito louca, pensar nos 30 anos, né? Mas no início lá, me lembro disso, que a gente olhava e falava: “Cara, quero gravar uma fita cassete, quero fazer um cartaz de um show maneiro”. E também, “Quero tocar no Garage, quero tocar no Canil, quero tocar na pista de skate de Jacarepaguá, tá bom. Se der pra dar um pulinho em São Paulo” (risos).

Marcelo D2: E o foda dessa época, cara, era que vocês faziam, tá ligado? A gente fazia, né? Mas eu cheguei e vocês já estavam fazendo, vocês já eram vocês, tá ligado? Quando eu cheguei, o Skunk já fazia Rave Rock, mano, em 92. 

BNegão: Sim, e se conheceram no show da minha banda, exatamente. 

Marcelo D2: O cara ouviu Happy Mondays, ouviu o que acontecia lá em Manchester, e falou: “Eu vou fazer uma Rave Rock”. Isso pra mim era… O que que é Rave? Sabia pouco o que era rock, tá ligado? (risos) Era uma Rave Rock, DJ tocando, a galera viajando, um som psicodélico, maravilhoso. Tinha uma cena muito… assim, muito rica, cara. Que foi sustentada pra caralho por… Eu acho que por dois pilares, assim, que era o Do It Yourself, do punk rock, e a organização das bandas de metal, que até hoje, ainda dá um banho, assim. Sei lá, tem uma banda de mina de metal que se chama Crypta. Vocês conhecem? 

TMDQA!: Sim! 

Marcelo D2: Então… Estão no mundo todo. É… Porra, fico impressionado, cara, as minas fazem 60, 70 shows por ano, no mundo todo, vendem camiseta, disco, e elas não estão nos trending topics do Twitter, elas não estão fazendo dancinha no TikTok, elas não estão no algoritmo de quase ninguém fora desse nicho. Então essa organização do metal, que já tinha das gravadoras… 

BNegão: Nos anos 80 já existia, sim. 

Marcelo D2: E o Do It Yourself, do punk rock, tá ligado? Aí depois as bandas de rock alternativo começaram a fazer os seus selos e lançar vinil e lançar as coisas, mas isso tinha uma coisa de uma feitura, assim, que era muito foda. O Cabeça, a banda do Pedrinho, os caras faziam um fita demo pra sobreviver, eles faziam uma fita demo, vendiam… 

BNegão: 3 mil fitas demos, 4 mil fitas… realmente vendiam fitas demo pra caralho. 

Marcelo D2: Era uma parada muito foda cara, assim, era um… o rabo do cometa do punk rock, do Do It Yourself, que era muito foda, assim alimentava muita coisa. 

TMDQA!: Eu entendo um pouco isso que você falou, D2, porque nós temos origens completamente diferentes, tá? Eu sou lá do interior de Minas Gerais. O meu Skank era outro, digamos assim! Só que eu acho que chegar nessa cena enche os olhos, porque quando você vem de um lugar de escassez disso, né, fazer parte disso deve ser…

Marcelo D2: Acho que assim, nos nossos casos, é porque… não tinha. Era escasso, tá ligado? 

TMDQA!: Exato!

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Marcelo D2: Mas pra mim, cara, essa coisa que eu falei agora, pra mim foi muito forte. Talvez eu nunca tenha pensado nisso tão profundamente como agora. Mas olhar esses caras era meu combustível. Bernardo, Speedy… Speedy me ensinava a entrar de graça na boate. “Faz pose de artista, mano, tu é artista, porra. Faz pose de artista. Olha a pessoa na porta, arruma a postura e entra de graça”. É foda, esses caras… “E se o cara perguntar, tu fala, não, sou o cantor” (risos).

TMDQA!: Então, gente, olha só, deixe eu pegar esse gancho que vocês estavam falando, todo esse lance de 30 anos… Aqui no site a gente costumeiramente conversa com bandas que estão nessa já há décadas e tal. E esse lance da longevidade é cada vez mais raro. E quando você vai parar para olhar a história do Planet Hemp, claramente não é contínua, tem vários momentos ali de pausas nas atividades da banda. Agora revisitando isso, olhando em retrospecto, quando vocês veem essas lacunas, elas foram necessárias para essa longevidade? Sem esses interlúdios, vocês acham que tinham chegado até aqui como amigos, sabe? 

BNegão: Então, isso é fundamental. Essas paradas foram fundamentais, porque a gente sempre respeitou muito o tempo das coisas. E isso fortalece também, porque uma coisa é você estar 30 anos direto no desgaste, fazendo as paradas. Porque tem o momento de alta, o momento de baixa, o momento de alegria, o momento de treta e tal… E aí, cara, é fundamental, eu acho que o Planet teve uma coisa muito importante, já desde… mesmo antes de parar, a gente já tinha esse lance de todo mundo ter coisas. O Formigão, quando o Planet surgiu, era mais uma banda do Formiga. Era isso, mas… 

Marcelo D2: Você tinha duas bandas, né? Você tinha Juliete e Funk Fuckers, né, cara?

BNegão: Exatamente, eu tinha as minhas bandas; quando você lançou “Eu tiro é onda”, o Planet existia ainda, e a parada sempre foi importante, essa andada de fazer coisas diferentes, sair e voltar. Esse respiro sempre foi… a gente sempre fez a coisa quando estava a fim de fazer essa coisa. Isso que é muito importante, simplesmente. Fazer forçado é foda, e essa parada foi fundamental. 

Teve isso, a gente parou em 2002. Aí fizemos um show em 2006, de 2006, 2007, que era uma parada de MTV, que a gente fez meio de surpresa, voltamos em 2012 por causa do Formigão, eu sempre falo isso (risos)! O Formigão tinha que fazer uma porra de uma operação, que ele não fez até hoje, e a gente voltou para fazer o show para ele, que era no Circo Voador. Aí um show virou 2, 10, e nunca mais paramos de fazer. Mas a gente voltou, até a volta do Planet foi, “Pô, vamos voltar pro nosso camarada aqui, o Formigão, para fazer o lance dele”, era isso, sabe?

Essa história do Planet tem muito disso, essa onda de ficar junto quando está com essa energia, como você estava falando agora. Há pouco tempo, o próprio disco mesmo, para ele fluir, tinha que estar todo mundo na pira de fazer. E pô, rolou, é assim que funciona a gente. Isso é muito bom, respeitar esses tempos, porque aí que a coisa funciona mesmo, e acho que é um dos segredos dessa longevidade, com certeza. 

Marcelo D2: Tem uma história engraçada dessa, que é quando a gente saiu da prisão, a Sony, nossa gravadora na época, queria muito que a gente gravasse um disco. Claro, aproveitar o momento, vender disco pra caralho.

BNegão: O hype, né? (risos)

Marcelo D2: E a gente até falou, “Cara, vamos tentar, vamos tentar”… mas aí a gente falou, “Não, cara, vamos continuar com nossos planos” e tal. É muito importante esse respeito do tempo, porque são pessoas com personalidade muito forte, tá ligado? Então a gente aprendeu, nesses 30 anos de banda, que se a gente forçar um ao outro, a corda acaba arrebentando. A gente tem que estar todo mundo ligado no que quer fazer, todo mundo pronto pra fazer. 

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TMDQA!: Tá certo. Agora, uma coisa que vocês já tocaram aí é a questão dos discos, né? E como a gente está no Tenho Mais Discos Que Amigos!, eu tenho que perguntar sobre essa discografia, porque, cara, é assustadoramente curta a discografia de vocês. São quatro discos de estúdio, de inéditas, né? Se a gente for pensar assim, tem os ao vivo… Não, espera, é um só ao vivo.

BNegão: É um ao vivo. 

TMDQA!: Então, eu queria saber assim, primeiro, se a discografia enxuta era uma coisa proposital ou que só rolou, e se vocês veem a possibilidade de mais discos pós-Jardineiros

BNegão: Com certeza, mais discos pós-Jardineiros. Vai rolar.

Marcelo D2: A gente tem… Nos anos 90, cara, a gente fez 95, 97, 2000, né? Tem que lembrar, cara, que o disco do Planet Hemp não era lançado assim… Lançar um disco não era uma festa, lançar um disco era uma guerra, tá ligado? Polícia Federal, bomba, gás lacrimogêneo…

BNegão: Polícia Federal de olho nos shows (risos). Esses dias surgiu aquela notícia, a manchete, alguém colocou assim, “Diretor da PF fala que vai monitorar todos os shows do Planet Hemp esse ano” e tal (risos). Era isso, Polícia Federal. 

Marcelo D2: A gente entrou num lugar muito confortável, depois de 2002, que era fazer só os shows. A gente precisava de um propósito para fazer discos, sabe? Essa coisa de que a gente tem muito respeito pela história que a gente escreveu com a banda, nesses três primeiros discos, então a gente precisava de um propósito. A gente não vai fazer disco só para fazer, para ter algoritmo, lançar música toda semana. Porque senão as pessoas… Cara, o tempo do mundo não pode ser o nosso, sabe? A gente tem que ter o nosso tempo, o nosso jeito. Acho que a gente está há 30 anos aqui por conta disso, né? Porque a gente resolveu fazer o nosso tempo, respeitar os nossos limites também, sabe? 

O mercado da música é muito canibal. Ele quer te sugar, tipo, joga fora e vem um novo Marcelo D2, um novo BNegão, um novo… sabe? A gente quer, com pouca pretensão ou sem pretensão, marcar nosso nome na história. Quando a gente foi fazer o disco, o Jardineiros, eu lembro que a gente estava trocando uma ideia no grupo do Planet no WhatsApp, falando, “Cara, a gente tem que fazer um disco que honre a nossa história, sabe?”. O Bernardo falou muito, “A gente tem uma discografia incrível, não vamos fazer um disco de merda. Vamos fazer um disco foda.” Então, cara, tem gente que faz, consegue fazer rápido, tem gente que faz, que não está nem aí, tem gente que consegue fazer boas obras uma atrás da outra, sabe? 

BNegão: O nosso tempo é esse, exatamente. 

Marcelo D2: Nem melhor, nem pior, mas é o nosso. A gente pode parar dentro dessa coisa da personalidade forte, de cada um. Então, as decisões do Planet Hemp não são fáceis. Não são fáceis, porque a gente combinou que a gente tem que estar todo mundo feliz para a gente lançar uma parada, a gente não vai lançar uma parada com o nome Planet Hemp que o Bernardo odeia, ou vice-versa, então tem que estar todo mundo confortável. Porque a gente chegar aqui na frente de uma jornalista que nem você e falar, “Nosso disco é foda”, a gente tem que defender nossa ideia, tá ligado? 

A gente não pensa muito, a gente só faz no nosso tempo, sabe? É engraçado que hoje a gente estava falando sobre papo de mercado e papo de artista. Eu estava falando, “Ah, eles estão mandando esse papo que o mercado ‘isso’, então vamos mandar o papo, ‘Ah, é que a gente é artista, a gente precisa do nosso tempo’ e tal”. A gente é tão pressionado por 260 mensagens por dia no WhatsApp, pelo algoritmo do Instagram. Num trabalho tão importante para a gente que nem o Planet Hemp, eu acho que não vale a pena. 

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BNegão: O tempo diferente é isso mesmo, até porque isso também é uma decisão e é uma coisa importante. A gente tá no momento do tempo líquido e eu acho que a coisa já fica velha em dois segundos e todo mundo já tá em outra. Não sei o que galera quer, é o próximo, próximo, próximo e não tá parando para prestar atenção nas coisas. A gente conseguiu lançar quatro discos nesse tempo todo e os discos falam muito, sabe?

São discos que ficam, a gente não tá lançando uma parada que vai passar já já, a gente tá buscando fazer um lance que fique. E aí, enfim, os três clássicos são os originais, primeiros, têm esse poder. E esse agora [Jardineiros], graças a Deus, acho que a gente chegou também nesse nesse lugar. A parada é isso pra mim, o grande prêmio é a gente conseguir fazer um lance que… Pô, esse disco é tão louco, que a gente queria fazer de qualquer jeito para tentar influenciar o segundo turno das eleições, minimamente, qualquer 0 a 0,5%. E a gente acabou o disco, acabamos de fazer – a música “Fim do Fim”, por exemplo, que é com o Rodrigo [Lima] do Dead Fish, já tinha mandado a letra, a gente resgatou de madrugada, tinha que entregar o disco de manhã gravando na casa do Pedro, eu fiz um pouco de modificar a letra, mandamos… Cara, mandaram pra distribuidora, o disco em uma semana, duas semanas estava no ar. Foi assim o disco. Normalmente a galera entrega, fica um ano parado, no mínimo seis meses e tal. E a gente fez assim. 

TMDQA!: Ai gente, nada como uma ameaça à democracia, não é mesmo? 

Marcelo D2: (risos) Era o propósito que a gente precisava, né?

BNegão: Eu me lembro que a gente, uma semana depois, ficou ouvindo o disco cada um andando pelo Brasil, fazendo suas coisas e tal, e falando, “Caralho, tá bom mesmo, né?”, “Caraca, tá maneiro!” (risos)!

TMDQA!: “Não é que a gente é bom, né?” (risos). Deixa eu só aproveitar aqui, eu sei que eu tenho que liberar vocês daqui a pouco, mas enfim, todo esse papo aí de disco, ainda bem que vocês têm seus trabalhos solo também… Eu sei que vai vir disco do Bernardo mais pra frente, eu ainda tô no IBORU, entendeu? Eu ainda não superei, eu ainda tô naquele disco maravilhoso, então a gente não tem do que reclamar, né?

Agora, gente, só pra encerrar, a gente tá falando aqui de legado e tal, tudo que o Planet veio, fez, aconteceu e mudou. Não sei se o rumo das eleições, mas muita coisa vocês mudaram e uma das coisas que tá repercutindo muito essa semana, e eu não posso deixar de trazer pra gente conversar aqui, é a decisão histórica do STF. E é uma bandeira que vocês levantam já há 30 anos, né? Desde que existe o Planet Hemp, existe a bandeira do “Legalize já” e eu queria saber como que isso bateu em vocês, se vocês vêem isso com uma mudança, se não, se vocês acham que ainda é pouco, como que a gente tá caminhando nesse sentido? 

BNegão: Eu vejo como um passo, um passo importante, importantíssimo, mas um passo. Para legalizar, tem que descriminalizar, a escada é essa… Agora, quando eu começar a ver, por exemplo, as pessoas que estão presas por essas quantidades que foram definidas, serem libertadas, aí eu vou começar a falar, “Pô, está rolando”. 

Marcelo D2: A gente tem uma reparação aí, né, B?

BNegão: É, a parada ainda tem muito isso, a vida e ainda mais a vida política no Brasil. É um jogo de… é uma corda, um cabo de guerra. Você puxa para lá, puxa para cá, aí você anda dois passos para cá, dois passos para lá, dez passos para cá, um passo para lá. É essa doideira. Então, assim, é um passo e é importante. Mas os caras estão puxando do outro lado também, tem que continuar segurando para andar muito mais, sabe? Porque isso é só um passo – muito importante, mas é só um passo.

Marcelo D2: Para acrescentar, acho que a gente só precisa entender que o mundo inteiro já está lá na frente. Enquanto Brasil, a gente pode falar que foi interessante, mas enquanto mundo, a gente está bem atrás. 

BNegão: Muito atrasado. 

Marcelo D2: Muito atrasado. Então, sei lá, acho que a gente ainda tem muito para ganhar. 

BNegão: Vamos para cima (risos)!

Marcelo D2: Eu ainda vou estar vivo aqui para ver a legalização da maconha no Brasil. E assim, uma coisa que a gente tem levantado nesses últimos papos que a gente tem falado, isso que o Bernardo falou da reparação mesmo, sabe? Acho que a gente tem que começar a soltar quem foi preso com menos de 40 gramas, sabe qual é? Que é a maioria negra de jovens, de periferia, sabe? Porque branco, playboy, não é preso com menos de 40 gramas. 

BNegão: Já estava legalizado. Já estava descriminalizado para eles. 

Marcelo D2: Então, acho que a gente tem um caminho muito grande para reparar esse dano que a ilegalidade fez, sabe?

TMDQA!: É isso, gente. É um passo, um passo de cada vez. Eu queria agradecer muito o tempo de vocês. Tem mil perguntas que eu não consegui fazer, porque a história é longa, mas, assim, qualquer oportunidade que a gente tem de trocar é sempre muito prazerosa, muito obrigada. E desejo que vocês curtam muito esse momento, façam uma festa que tem que fazer, porque merecem aproveitar mesmo.

Marcelo D2: Eu espero que você vá lá, a gente adora o Tenho Mais Discos Que Amigos!, porque realmente a gente tem mais discos que amigos! Ah, eu tenho quatro discos, então acho que tenho mais amigos (risos). É muito legal estar com vocês, cara, obrigado e parabéns também pelo trabalho de vocês, que é sobre uma coisa que a gente ama tanto, que é música, né? O Bernardo falou dessa coisa, desses momentos líquidos… Ter um veículo que cuida da música com carinho, como música, não como celebridades, tá ligado? 

TMDQA!: É isso, gente. Podem contar sempre com a gente.

BNegão: Muito obrigado por isso.