A história do Travis ganha mais um capítulo hoje, com o lançamento de L.A. Times, o décimo álbum da banda escocesa. Formado em meados dos anos 90, o grupo de Fran Healy (vocais), Dougie Payne (baixo), Andy Dunlop (guitarra) e Neil Primrose (bateria) ganhou fama já no segundo disco, construindo a partir de então uma discografia com clássicos como The Man Who e The Invisible Band.
Na sua maturidade, o Travis seguiu lançando ótimos discos, mas sem a mesma repercussão do início dos anos 2000. Suas canções continuam oscilando entre a melancolia e o enérgico, mas sempre evoluindo esteticamente. Os fãs mais fieis recebem com L.A. Times uma banda ciente de seu potencial, disposta a expandir seu som, os temas e até o próprio sotaque. Afinal, nada melhor para se reconectar com as origens como um álbum que traz, no título, a constatação de que o Travis é capaz, sim, de mudar.
Depois de falarmos com o vocalista Fran Healy sobre o single “Raze The Bar”, que trouxe feats luxuosos de Chris Martin (Coldplay) e Brandon Flowers (The Killers), o baixista Dougie Payne bateu um papo franco com o TMDQA! e discutiu temas como o processo criativo da banda, a evolução musical ao longo dos anos e a dinâmica entre os membros.
Jogou conversa fora antes da entrevista, ficou o dobro do tempo de uma conversa normal para responder todas as nossas perguntas e entregou sem meias palavras: a banda volta ao Brasil ainda este ano. Confira abaixo o papo completo!
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TMDQA! Entrevista: Travis
TMDQA!: Oi, Dougie! Vamos falar sobre o novo disco, certo? É pra isso que estamos aqui!
Dougie Payne: Okay, isso!
TMDQA!: Vamos lá! Então chegamos ao disco de número 10, e eu fiquei ouvindo várias vezes. Amei, claro. Mas fiquei me perguntando se em algum momento fica mais fácil, sabe? Tipo, a essa altura, já dá pra sentir que vocês sabem o que estão fazendo? É tipo andar de bicicleta?
Dougie Payne: (risos) Sabe, é engraçado, parece mesmo que 10 é uma boa quantidade de discos. É o tipo de coisa que ocupa um bom espaço numa coleção. Algo considerável, o que é ótimo. Mas é uma coisa engraçada. Você consegue coisas pequenas ao longo dos anos, você se torna mais intuitivo, talvez, tocando uns com os outros, e você se torna mais confortável em estar em um estúdio, esse tipo de coisa.
Mas as verdadeiras pequenezas de fazer um disco, é sempre como se fosse a primeira vez. É sempre como se você não nunca tivesse feito aquilo antes. Porque não entramos em estúdio pensando, “Tá certo, agora vamos fazer esse disco, e vai ser assim e assado”. É só uma música no universo a essa altura. Quando você está trabalhando em uma música, ela é o mundo inteiro. E é só nisso que você pensa. Então é como fazer o primeiro disco, estamos apenas indo uma música de cada vez, você só foca e tenta fazer o possível para elevar… Porque esse é o seu trabalho: elevar a música, fazê-la se sustentar. E isso não muda, não muda nunca. E é exatamente igual desde que entramos pela primeira vez no mesmo cômodo, em 1996, e começamos a tocar.
Era como se… “Bem, é isso, vamos segurar essa música, vamos elevar uns aos outros”. E nesse sentido, é quase como levitar. Quando vai bem, né? (risos) Quando está dando certo, é como se… Bem, não sou supersticioso, mas é meio que sobrenatural. Há uma mágica nisso. E a música é a coisa mais próxima que temos de magia na vida real, é o que eu penso. E isso é atemporal. A música existe fora do tempo. É uma coisa muito estranha e maravilhosa onde você pode se perder para sempre.
TMDQA!: Eu sei! Ainda bem que ela traz vocês aos ouvidos de tanta gente, como eu, ao redor do mundo. E faz parte dessa magia também. Agora, você estava falando sobre nunca saber como as coisas vão acontecer até que estejam juntos no mesmo cômodo. E eu estava pensando que o Travis está sempre mudando. A cada disco, dá pra sentir uma abordagem diferente, talvez nas composições, ou até como vocês lidam com os clipes. E Gaslight foi uma declaração muito forte e barulhenta sobre como esse disco ia soar! Quer dizer, só os metais fizeram uma enorme diferença! Então queria saber primeiro, se esses caras vão estar com vocês na estrada. Espero que sim!Dougie Payne: Os dos metais?
TMDQA!: Isso!
Dougie Payne: Nossa, cara, a gente ia amar, com certeza!
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TMDQA!: É, só pra uma música!
Dougie Payne: Nossa, mas aqueles caras foram sensacionais. Eles chegaram e basicamente balançaram as estruturas do lugar. Eram fantásticos, os três caras. O saxofonista, em particular, meu Deus, ele estava fora de controle! A gente fez tipo… Sabe como em “Penny Lane”, o trompete Piccolo toca acima do tom dos outros instrumentos? Essa nota superior não é pra ser tocada. É meio que impossível. E nós conseguimos que o saxofonista fizesse essa última nota no sax. Está acima do tom de todos os instrumentos. E ele apenas arrasou de primeira. Foi incrível, então a gente adoraria. Eu fico muito fascinado com metais, porque o saxofone foi o meu primeiro instrumento…
TMDQA!: Jura?
Dougie Payne: Foi a primeira coisa que eu toquei. Quer dizer, eu era péssimo, mas adorava.
TMDQA!: Assim, é bem difícil, o normal é não conseguir tocar!
Dougie Payne: É! E vê-lo fazer isso, indo com tudo, foi um sonho. Mas infelizmente não vamos levá-los na turnê. É um pouco excessivo para uma música só (risos).
TMDQA!: É, imaginei, mas não custava perguntar!
Dougie Payne: É, mas a gente amaria. E vamos fazer turnê por todo canto, mas seremos só nós.
TMDQA!: Tá bem, já é mais do que o suficiente!
Dougie Payne: Ah, que bom!
TMDQA!: Mas olha, eu tenho uma teoria. Não que eu entenda de música, mas tenho a teoria de que você pode melhorar qualquer música adicionando sopros. É instantâneo, assim! Tipo mágica. Mas vamos falar de…
Dougie Payne: Desculpa te interromper, mas acho que foi o George Harrison que disse, depois de os Beatles gravarem Savoy Truffle, “põe metais em tudo, quero sopros em tudo, eles são capazes de melhorar qualquer música”. (risos)
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TMDQA!: Aí ó, tá vendo? Provaram meu ponto. (risos) Mas eu quero falar desses L.A. Times. O Travis sempre se orgulhou de ser uma banda escocesa, e acho que ainda se orgulha. Quer dizer, vocês nunca soaram mais escoceses do que em The River! Tinha gaita de foles no fundo, ou era um synth ou outra coisa imitando?
Dougie Payne: Ah é, soa mesmo meio gaiteiro! (risos) Mas não é gaita de foles, é o tipo de coisa que… É muito escocesa mesmo, né? E é engraçado, porque nesse disco, o Fran já mora em Los Angeles há uns sete ou oito anos, algo assim. Mas logo no álbum chamado L.A. Times, você tem The River, que é uma música bem escocesa. É quase um canto de futebol, sabe? Tipo aquelas que as torcidas podem cantar na Copa do Mundo, na Eurocopa ou algo do tipo. Tem aquela batida, que o Robin Hitchcock chamava de calcanhar escocês, sabe? Não é batendo o pé com os dedos, é com o calcanhar. Então é tipo uma música folclórica, você pode sentir a paisagem. É tipo aquilo que você estava falando antes da entrevista, de ter estado nas Terras Altas da Escócia. Dá pra sentir que está descendo uma daquelas colinas, sabe?
TMDQA!: Nossa, foi exatamente o que pensei enquanto ouvia.
Dougie Payne: Então dá pra dizer que as gaitas de foles estão lá em espírito, mas não de verdade! Então você tem a faixa título, onde o Fran faz uma espécie de poema falado, quase. Mas ele faz isso no sotaque mais escocês que já teve em alguma gravação. Parece tipo Arab Strap, conhece essa banda? É tipo isso, muitos palavrões, uma linguagem mais ríspida, um sotaque escocês muito pesado. E que ele nem tem mais, o sotaque dele está bem mais suave, mas ele foi com tudo. Não sei, talvez o Fran estivesse com saudade de casa, estando há tanto tempo em Los Angeles. Mas realmente tem uma vibração muito escocesa acontecendo ali.
TMDQA!: Falando no Fran, eu falei com ele quando saiu o 10 Songs. E estávamos falando de processo criativo, ele me disse que precisava escrever as músicas por conta própria, já que era pra ele cantar. Só que sei que você e o Andy compuseram algumas músicas aqui e ali, apesar de serem quase todas do Fran no geral. Então queria saber se isso em algum momento cria alguma rusga entre vocês. E como funcionam as composições atualmente – o Fran compõe letra e vocês fazem a música juntos?
Dougie Payne: Olha, pode ser complicado. Houve um momento ali entre The Boy With No Name até Ode to J. Smith, Where You Stand e Everything At Once, em que eu estava escrevendo bastante. Saíam muitas músicas e algumas acabaram sendo bem fortes, então foram parar nos discos. Tipo Moving, Where You Stand, Different Room, Something Anything…
TMDQA!: Animals também é sua, certo?
Dougie Payne: Animals, isso mesmo. Então muitas músicas acabam indo para os discos. Só que quando o Fran tem que cantar as músicas de outras pessoas, é difícil. As músicas são legais e profundas, mas eu tendo a escrever em um tom muito alto. E porra, quando ele cantava Moving, ele tinha que quase pular no Mar do Norte na Noruega pra conseguir adrenalina pra chegar naquela nota mais alta! Então era complicado pra ele e ele achava bem difícil. Era sempre uma batalha conseguir gravar essas músicas.
Então quando chegou em 10 Songs, ele falou “Eu preciso compor as músicas. Preciso compor da minha perspectiva, no meu tom de voz”. Eu meio que entendi, totalmente. Porque quer dizer, Deus abençoe, o cara passou 10 anos cantando um monte de músicas minhas, outras do Andy… E ele falou tipo, “Estou cansado”. Houve momentos em que ele curtia ser um cantor, ao invés de ter controle total de como uma música era construída. Mas realmente funciona melhor para ele, e provavelmente para a banda toda, quando vem dele.
Então ele gravou umas demos e elas estavam meio prontas, só algumas músicas, tipo Live It All Again, desse novo disco. Não me lembro se foi Naked in New York Ciy ou Live It All Again, mas uma delas tinha uma demo de 45 segundos. Era só um verso do refrão e pronto. Ele falou pra gente deixá-la de lado e eu disse “não, essa é incrível”. Então a gente pega uma coisa que não estava formada ainda e trabalha em cima dela. Ainda existe esse tipo de colaboração. E quando estamos no estúdio, estamos formando as parcerias à medida que avançamos. Há essa colaboração musical, mas quando o assunto é a autoria e as letras, o Fran fica muito mais confortável cantando suas próprias composições, o que é compreensível, já que ele é o cara à frente da banda.
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TMDQA!: Sim, super faz sentido. Mas eu queria falar de algumas músicas específicas, mesmo que você não as tenha composto. Os títulos das canções, por si só, se destacam muito nesse disco! E falando em Naked in New York City, fiquei pensando que parece uma sequência, ou talvez uma versão mais saidinha, de New Amsterdam!
Dougie Payne: Eu não tinha pensado nisso! É verdade. Bem, New Amsterdam é uma musiquinha que realmente passou despercebida.
TMDQA!: Pois é, e é linda!
Dougie Payne: Eu amo essa música e é engraçado porque, claramente, ela significa muito pra nós. Eu até pedi para o meu amigo, Gary Ruff, que é um artista residente em Nova York, para fazer um vídeo pra ela, tipo um filme de arte. Então obviamente tem algo nessa música. Mas Naked in New York City certamente tem um gostinho disso. E com L.A. Times, é curioso, porque gravamos todas as músicas e depois ficamos um tempão no leva-e-traz da ordem do disco, houve muitas versões diferentes. E eu fiquei batendo na tecla de L.A. Times ser a primeira e Naked in New York City como a última, para que fosse literalmente de uma costa a outra [dos Estados Unidos]. Mas eu gosto dessa ideia e ainda há parte disso, com L.A. Times vindo por último e ainda ficou um pouco isso de ser costa-a-costa.
Mas eu achei Naked in New York City ótima da primeira vez que o Fran enviou essa pequena demo. Foi tipo “essa é muito boa, gostei bastante”. Sentimos que ela tinha alguma coisa. E no estúdio, a gente deu bastante espaço. Essa é uma das três músicas em que eu toco baixo acústico – aquele que se toca em pé, tipo de de jazz, sabe? E tem aquele clima meio Walk on the Wild Side, aquele clima bem nova-iorquino. Foi difícil fazer, mas bem divertido (risos).
TMDQA!: Mas valeu a pena! E também quero falar sobre I Hope That You Spontaneously Combust, outro ótimo título! Acho que minha pergunta mesmo é a seguinte: quem é que você torce para que entre em combustão espontânea? Alguém anda te irritando a esse ponto ultimamente?
Dougie Payne: (risos) A mim não, no momento, vou deixar para o Fran dizer sobre quem é a música. Eu não sei sobre quem é, mas, conhecendo o Fran, é sobre alguém! Só não sei quem! Mas eu amei isso, me fez rir antes mesmo de ouvir qualquer demo ou algo do tipo, só de ler o nome do arquivo, eu fiquei tipo “que maneiro”. Me fez pensar em uma música dos Smiths ou um daqueles títulos de música do Morrissey, sabe? Me fez dar uma risadinha, e é de fato uma música bem divertida.
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TMDQA!: Bom, pensando em músicas dos Smiths, carne pode ser assassinato, mas entrar em combustão espontânea não é assassinato.
Dougie Payne: Viu? Tem isso.
TMDQA!: Sem violência.
Dougie Payne: É isso!
TMDQA!: Agora, Dougie, eu acho que você provavelmente você é um dos baixistas mais maneiros, no sentido de estar sempre de boa, na sua, com o seu casaco de couro! Mas se você tirar seus McCartneys, Stings ou Fleas, não sobram muitos baixistas com destaque. Então primeiro, por que? E depois, como a gente pode fazer pro baixo voltar a ser maneiro de novo?
Dougie Payne: Isso é muito doido, porque eu estava pensando o oposto! Eu não ouço muitas rádios pop, porque a maioria é horrível, mas quando um disco sai, você acaba ouvindo na rádio só pra ter uma noção do que anda rolando por aí. E andei pensando que há muitas linhas de baixo boas, porque hoje é tudo voltado para baixo e bateria, né? Parece, pelo menos. E por cima colocam os vocais e pronto. Pelo visto, a guitarra está ficando de lado agora, meio que desaparecendo. É basicamente porque as pessoas querem dançar, então pegam logo na dance music. A música pop é assim. Então tudo tem um elemento dance, e pra isso precisa muito de baixo. Então eu diria que há uma renascença do baixo acontecendo. Acho! (risos)
TMDQA!: Espero que sim! E falando em baixistas, não faz muito tempo, eu falei com o Alex James, do Blur. E tá aí uma banda que não tem medo de admitir que às vezes eles não se suportam, então ficam longe e depois voltam. Mas vocês estão juntos com a mesma formação há muito tempo. Qual é o tempero secreto que mantém o Travis junto?
Dougie Payne: Pois é! A gente já até falou sobre isso. De vez em quando a gente também conversa, além de fazer música, sabe? (risos) E a chave para a banda é que… estamos juntos como um grupo há 27, quase 28 anos. Mas somos amigos há 34 anos. Então esses seis anos que passamos sem estarmos os quatro em uma banda são o ingrediente secreto.
Nós crescemos juntos, praticamente. Franny e eu nos conhecemos quando tínhamos 17 anos, em uma aula de desenho, depois fizemos faculdade de Arte juntos, éramos apenas amigos. Andy e eu nos conhecemos no meu primeiro dia de faculdade de Arte, ficamos amigos na hora. Neil e eu nos conhecemos porque trabalhávamos juntos numa loja de calçados. Então todos éramos amigos, de forma independente. Eles três formaram uma banda, Glass Onion, e ficaram juntos por uns quatro ou cinco anos até 96, quando o Fran me chamou para entrar. Essas amizades existiam antes de todos estarmos numa banda juntos. Esse é o molho secreto. Esse é o núcleo em torno do qual a banda gira.
Para a maioria das bandas, a banda é o centro e as pessoas giram em torno dela. Mas é nas amizades, nas pessoas que fica o centro e o Travis as orbita. Por causa disso, e por ser uma situação muito singular, temos nossos altos e baixos. Houve momentos em que nós não queríamos nos ver por meses, ao longo dos anos. Mas sabemos quando precisamos fazer isso. É meio contra-intuitivo, mas para ficar junto, é preciso ficar longe às vezes. E sabemos fazer isso.
Ao ficar longe, sabemos como apreciar a coisa preciosa que é uma banda. Que coisa maravilhosa é ter esses quatro indivíduos juntos! Então você faz o máximo que pode para mantê-los juntos. Porque ao fazer esse disco todo, clipes, ensaios fotográficos e tudo mais, bateu, “porra, somos só nós quatro ainda, esses anos todos!”. Há algo de muito especial nisso, não conheço muitas outras bandas assim. O próprio Blur se separou e depois voltou, o Graham [Coxon] saiu. O Radiohead meio que se dividiu em The Smile e o Ed [O’Brien] fazendo sua própria parada. Quem sabe, né? Eles vão voltar, claro. E o Oasis nunca vai voltar. Todas essas bandas mudaram seus membros, as pessoas são diferentes e não são muitas as que conseguem dizer isso: depois de 30 anos, são os mesmos quatro. Nunca nos separamos, nunca nem tivemos um baterista diferente por um ano, sei lá. Sempre foi assim. E essa também faz parte daquela magia da música que falávamos.
TMDQA!: Ah, eu sei, e não estou reclamando. Acho que vocês são provavelmente os únicos sobreviventes do Britpop! Mas tenho só mais algumas perguntas, porque queria falar sobre o lado emocional das músicas do Travis. Nosso site se chama Tenho Mais Discos Que Amigos!, afinal de contas.
Dougie Payne: Esse nome é muito maneiro!
TMDQA!: Não é? E sabe, é bem verdade! Tem a ver com a música estar presente nas nossas vidas. E você provavelmente ouve coisas do tipo, “a sua música me ajudou nisso ou naquilo”. Eu mesma posso dizer que Flowers in the Window me ajudou a superar uma depressão, por exemplo.
Dougie Payne: Uau…
TMDQA!: E eu queria saber quais são as músicas que fazem isso por você. As que te ajudaram a superar algumas coisas na vida, sabe?
Dougie Payne: Essa é uma excelente pergunta. Tem duas coisas diferentes. Há discos que você sempre busca de novo, e são como um cobertor confortável. Parece que você está vestindo uma jaqueta quentinha quando você precisa de um abraço e não tem ninguém por perto. Há discos assim. Hunky Dory e Revolver… Na verdade, mais discos do Bowie do que eu deveria mencionar! E Heathen, que é um disco muito subvalorizado. É uma das obras primas do Bowie. É um disco bem emocionalmente pesado, que só cresce à medida que o tempo passa.
Mas para coisas mais específicas, há músicas meio aleatórias. Tem uma chamada Silver John, de uma banda chamada This Is The Kit, que me ajudou a superar um momento difícil há uns 10 anos. Passa aquela sensação de que há outra pessoa que entende [o que você está enfrentando] e isso é o que a música faz, é o poder que ela tem. Essa é uma banda que eu não sei mais nada sobre eles, exceto essa única música. Então há essas pequenas anomalias que brotam do nada, além dos clássicos aos quais você sempre retorna. É tipo espaguete à carbonara (risos).
TMDQA!: E graças a Deus por esses clássicos! Eu fiquei pensando que, ainda nesse papo de serem os mesmos quatro na banda, esse é o primeiro disco em que todos vocês já passaram da marca dos 50 anos. É meio que importante, né? Alguma coisa mudou? Quer dizer, além da cor do cabelo do Fran.
Dougie Payne: (risos) Essa foi enorme! Tá aí uma grande já, mais nada precisa mudar.
TMDQA!: É, ele mudou por todos os quatro já!
Dougie Payne: Isso aí! Mas me deixe pensar. O lance é que.. dizem que a vida começa aos 40, não é?
TMDQA!: Dizem? Não conheço esse ditado.
Dougie Payne: É, tem um lance assim, pelo menos aqui falam isso. “A vida começa aos 40”. E eu sempre achava que seria tipo, “uau, 40 anos, é uma coisa maravilhosa, tudo se abre pra você, que já é adulto e pode fazer o que quiser. É aí que a vida começa”. Mas não, a vida [real] começa aos 40, sabe? É tipo “uau, tem morte, divórcio e um monte de coisa acontecendo”. Por isso essa fase dos 40 anos pode ser complicada, é tudo ao mesmo tempo e torna tudo muito real, sabe? Então com isso em mente, eu diria que a vida começa aos 50 – a parte boa! (risos)
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TMDQA!: Isso se você sobreviver aos 40!
Dougie Payne: É, se você passar dos 40, pronto, tá seguro (risos)! Mas o lance com a idade é que… Bem, é engraçado, porque você se sente o mesmo, mas espera ter crescido enquanto pessoa, emocionalmente, e talvez passa a se entender um pouco melhor. Você tenta se compreender, seu “eu” interior, seu Id, caso queira chamar assim; e seu “eu” exterior, seu Ego; e sabe que são coisas diferentes. Às vezes elas lutam entre si e você tem essa voz interna, o Id, dizendo coisas que você não se sente confortável em ouvir. Mas se você consegue achar uma forma de fazer essas duas coisas coexistirem felizes, então estará a caminho de ter uma vida balanceada.
Você percebe que precisa trabalhar em si mesmo, então você abraça isso, mudar suas atitudes e você próprio, para si mesmo e para os outros, e com sorte se torna mais paciente e gentil. Eu sempre falo isso para meus filhos, “tudo que você precisa é ser gentil e curioso”. Essas são as duas coisas mais importantes do mundo. Seja gentil e curioso e você ficará bem.
TMDQA: Sim. Nossa, não esperava que a gente fosse falar até de morte (risos). Então vamos para algo mais leve. Voltei naquela entrevista antiga com o Fran e perguntei se ele era mesmo faixa preta. Do nada, umas duas horas depois, eu recebo no Skype “Fran Healy te mandou uma foto”, e lá estava o pequeno Fran e sua faixa preta. Ele pediu a mãe dele pra tirar uma foto da foto e me mandou. Não nego que fiquei meio surpresa! (risos) Tudo isso pra dizer: tem algo sobre você que poderia surpreender as pessoas?
Dougie Payne: O Fran é sim faixa preta! É até engraçado, há muito tempo atrás, quando meu sobrinho era adolescente, ele estava com a gente no Festival de Leeds, e no camarim ele e o Fran ficaram fazendo os movimentos… Qual o nome? Enfim, ele lembrava de todos e foi muito sensacional ver os dois fazendo tudo sincronizado!
Mas no que diz respeito a mim, eu tenho um diploma de primeira classe em Escultura e Teoria Pós-Moderna, da Glasgow School of Art. Eu fiz minha dissertação sobre Jacques Derrida e a desconstrução pós-moderna da linguagem.
TMDQA!: Nossa, não fazia ideia.
Dougie Payne: Deu pra surpreender?
TMDQA!: Sim, estou devidamente surpresa. A gente falou de tanta coisa! Eu só queria encerrar perguntando: podemos contar com o Travis voltando ao Brasil este ano, como você prometeu antes da entrevista?
Dougie Payne: Acabaram de me falar hoje de manhã, coisa de duas horas atrás, que nós com certeza vamos voltar ao Brasil esse ano. Não posso dizer exatamente onde ou quando, mas com certeza vamos, então nos veremos em breve.
TMDQA!: Nossa, isso me deixa muito feliz! Imagino que seja em São Paulo, mas tentem ir ao Rio também dessa vez.
Dougie Payne: Eu sei, quero muito! Todo mundo com quem eu falo, especialmente quem tem banda, fala “você precisa ir ao Rio”. Meu amigo, que mora aqui na esquina, o Paul Thompson, que era baterista do Franz Ferdinand, é o maior fã do Brasil, ele ama. Estávamos falando disso semana passada e ele falou “ah, porque a gente foi várias vezes lá” e eu fiquei tipo “para, nós só fomos uma vez” [no finado festival Planeta Terra, em 2013]. Mas sim, nós vamos voltar e já não posso esperar.
TMDQA!: Vou te contar que reza a lenda que quando o Franz Ferdinand tocou no Rio uma vez, eles saíram do palco sem calças. Eu não estava lá, mas há testemunhas! Entrevistei eles depois disso e eles não se lembram, pelo menos (risos).
Dougie Payne: Isso é fantástico (risos). Vou perguntar ao Paul sobre isso, parece uma boa história. Ele é muito fã de música brasileira, ele realmente entende do assunto. Eu nunca fui muito o cara que conhece profundamente sobre música, mas ele falou “você precisa ouvir Sepultura direito”. Eu sei que eles são bem clássicos. Tem uma banda mais recente, qual o nome mesmo? Far From Alaska?
TMDQA!: Sim, Far From Alaska, eles são ótimos.
Dougie Payne: Sim, ótimos riffs, tem guitarras agitadas e as vozes – não sei se são duas ou três, mas enfim, os vocais são brilhantes, muito bom mesmo.
TMDQA!: Coloca eles pra abrirem pra vocês e dar uma agitada no público!
Dougie Payne: Ah, isso com certeza eles agitariam. E tinha uma mais leve. Acho que era Los Hermanos. Ótimas melodias.
TMDQA!: Sim, e eles foram bem grandes aqui.
Dougie Payne: Tá vendo? Estou só colocando meu dedinho na água da música brasileira.
TMDQA!: Ah Dougie, deixa eu te mandar uns links.
Dougie Payne: Porra, com certeza.
TMDQA!: Então depois te mando por DM no Instagram.
Dougie Payne: Ah, eu quero saber, estou em busca. É exatamente disso que estou falando, preciso de informações. Eu quero chegar um dia no Paul e falar “Ah tá, mas ouve isso aqui, ó” (risos).
TMDQA!: Pode deixar, vou te mandar um intensivão, você vai tirar onda.
Dougie Payne: Maravilhoso!
TMDQA!: Muito obrigada pelo seu tempo. Espero que vocês se divirtam promovendo esse disco e nos veremos aqui.
Dougie Payne: Gostei muito de falar com você, muito obrigado!